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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido
– “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à
modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do
“Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 6 de Fevereiro de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 21 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 19 A SOMBRA DE PINA MANIQUE Em
1787 Belem não dispunha ainda outro fornecedor de
luz que não fosse a lua – quando o céu se apresentava generoso e diafano. Naquela noite de Maio o luar, atapetando de
platina a calçada, focava, com um projector eléctrico, uma janela do “Café Central”. Por detrás da
janela espreitava a rua deserta um rosto moreno e sêco.
Tão colado estava, que o seu bafo, alastrando uma mancha opaca, impedia-o de vêr. E ele, de quando em vez,
espalmava a mão e com frenezim, limpava os vidros
embaciados. Modesto
era o quarto que o enigmático estrangeiro alugara no “Café Central”. Mal
conseguia arrumar, amontoando-os, os baús e as arcas que trouxera de Londres.
Lá em baixo, na loja, a algazarra da clientela nocturna,
as disputas dos jogadores e dos beberrões, as modinhas cantaroladas à viola,
prolongavam-se até de manhã, não oferecendo o menos socego
a quem, como ele, necessitava silencio e solidão…
Mas convinha-lhe o sítio, afastado de Lisboa, fora das zonas espiadas pelos
esbirros do Intendente, e frequentado apenas pelos frades noctâmbulos, pelos bohemios perseguidos, pelos aventureiros e pelos
marítimos que, por costume e por prudência, não bisbilhotavam a vida alheia. A
angustia de esperar, desequilibrara os nervos do
misterioso estrangeiro… Ora dilatava os olhos – aqueles olhos de magnético
fluido que tantos estragos tinha causado – na ânsia de vêr
para além da casaria; ora se deitava sobre o leito, fechando as pálpebras,
para melhor manobrar a mecânica misteriosa do seu cérebo. Perto
da meia, tamborilaram discretamente à porta. Ergueu-se, desconfiado, e
perguntou quem era. Uma vozita feminina respondeu em italiano: –
Abre! Sou eu. –
Lorenza! A
porta abriu-se e fechou-se rápida. Entrára no
quarto uma cabeça loura, que refulgia, emblocada no
capote negro. –
Lorenza! Por que te demoraste tanto? Não sabias com
que aflições eu te aguardava? A
dama loura, sem responder, deixou-se cair numa cadeira e, cerrando os olhos, quiz, antes de responder, ritmar a respiração. E depois,
refeita da fadiga, exclamou: –
Deixa-me! Se tu soubesses! –
Foste seguida? –
Fui. Desde a Junqueira. –
E por quem? Mas não te assustes! Consegui trocar-lhe as voltas… –
E o grego? Teve de fugir esta manhã… Foi denunciado. Mas o sócio tinha a
carta que ele deixou para ti. Os
dedos da italiana introduziram-se, suaves, pelo decote assetinado
e branco – e pinçaram, de entre os seios, um rectângulo
de papel. Ele arrancou-lh’o das mãos, como um
avaro: - mas logo que os seus olhos roçavam pela carta, os lábios
crisparam-se-lhe: Que
imprudência e que imbecil! – ? –
O grego escreveu no envelope o meu nome… A
loura foi certificar-se. Era verdade. Em letra miúda como missanga lia-se o
nome do estrangeiro: “José Balsamo”… E entre parêntesis: “Conde de Cagilostro…” * Deitaram-se…
José Balsamo, agitava-se na cama, tentando em vão
envolver-se no piedoso esquecimento do sono. A sua privilegiada sensibilidade
fazia pressentir a catástrofe… Escorraçado de Berlim e de Londres, ameaçado
de morte em Paris – ele viera a Lisboa desfechar o golpe de maior audácia de
toda a sua vida aventureira. Burlando a maçonaria engendrara um “complot” internacional que devia empoleirá-lo de novo nos
astros das suas ambições. Mas mal chegara sentira-se como que o íman de um
ódio… Pina Manique assustava-o, desiquilibrava-o,
assoprava-lhe o castelo de cartas das suas magníficas embustices. A matilha
dos seus esbirros, usando de todos os disfarces, recrutados em todas as
classes, produzia-lhe asfixia. Viera o dinheiro que ele aguardava do cúmplice
– mas aquela imprudência de o deixar sobrescritado em seu nome, em mãos de
terceiros afligia-o, numa covardia inédita para ele. Era
já madrugada quando conseguiu adormecer. Mas nem mesmo assim socegou… Convulsionou-se em pesadelos scenografados
sempre pelas masmorras e pelos patíbulos… Quiz
acordar, libertar-se daquele inferno… E num esforço enorme, o seu
subconsciente começou a receber estranhas impressões… De pálpebras semi-cerradas via vagamente o quarto… E ouviu uma voz
abafada, soletrando o seu nome; e depois, fina como uma agulha, picou-lhe o
cérebro uma exclamação de máxima surpreza. Estaria
ainda a sonhar? Num rompante conseguia abrir, por completo, os olhos. Os
batentes das janelas estavam meio cerrados… A escuridão era apenas rasgada
por uma estreita flecha de luar… E viu ainda o burel do frade desaparecer
pela porta. No
primeiro momento não conseguiu que o corpo obedecesse à sua vontade. Mas ao
soerguer-se, todas as dúvidas se dissiparam. Não era sonho, não! A porta, que
ele fechára, estava aberta! A carta que ele deixára sobre uma arca, estava no chão… Portanto, um
frade invadira o quarto; um frade lêra, na
penumbra, o endereço da carta, escrita em missanga; e tão grande fôra o pavor que o acometera ao descobrir quem era o
estrangeiro do «Café Central» que, não pudera conter-se e pronunciara, embora
em voz abafada, o seu nome. E fora a voz do frade que, trespassando a muralha
de sono, viera espicaçá-lo e acordá-lo. José
Balsamo sentiu-se descoberto; José Balsamo sentiu, nítido, o perigo que
girava à sua volta. Mas contra o que poderia esperar, estava calmo, pronto a
agir com firmeza e rapidez. * Vestiu-se
com a meticulosidade de quem vai iniciar o seu dia e desceu a escada que
conduzia ao café. Mas, antes de entrar na baíuca,
indagou ao creado: –
Saiu alguém? –
Ninguém… É noite morta, a de hoje. Desde a meia noite
que não me chamam para abrir a porta. Cagilostro
avançou para o café. Estava pouca gente. Uns marinheiros louros que
escabeceavam á volta de uns copos vazios; um poeta de barba por fazer que
sonhava, olheirento e triste, frente a um copo de genebra; dois judeus de
barbicha, bofurinheiros nos arredores, que
esperavam o dia para recomeçar a caminhada – e, em mesas muito distanciadas,
dois frades – os únicos que beberricavam, naquela noite, no “Café Central” de
Belem. Um deles, que estava de pernas estendidas
sob a mesa e o tronco encostado a uma coluna, era muito moço ainda, e tinha
acavalado ao nariz romano e perfeito, uns óculos de latão. Atravez dos cristaes grossísimos viam-se uns olhos azues,
bogalhudos, míopes, que transparentavam
sensualidade. O
outro, espadaudo e cilíndrico tórax, era bastante
mais velho do que o primeiro. Umas farripas prateadas marginavam a calva
natural. Sobre a mesa onde se arregimentavam canecas de barro, pousára um cacête respeitável. Nenhum
deles dera pelo José Balsamo, que os observava, por detraz
do balcão. Visto que ninguém saíra do café – um daqueles dois frades era o
espia que descobrira o segredo… Fôra um dos dos dois que seguira na rua a sua amante Lorenza, e um dos dois ousara invadir-lhe o quarto e ler
os caracteres minúsculos com que o grego lhe subrescritára
a carta. Mas qual dos dois? Todos
os recursos da sua inteligência viva e maquiavélica, rodaram, numa actividade furiosa… Era preciso descobrir o espia – para
lhe inutilisar a obra. E quando meia hora depois Cagilostro voltou ao quarto, levava já, dentro do seu
espírito, uma convicção. Daqueles dois frades só um poderia ter praticado a
proeza – e esse era… Raciocinem…
Releiam as palavras em itálico… Qual dos dois frades podia ter lido, no
quarto penumbroso, a carta dirigida a José Balsamo? Nota: Foi
mantida, nesta reprodução, a ortografia original. OBRAS
DE REINALDO FERREIRA NOVELAS Morreu
o Duque O
Presidente da República A
Mulher Águia A
Rainha sem Nome As
Azagaias da Princesa Mulata O
Diagnóstico do Dr. Cristiano Segredos
da Morte O
Homem da Cabeleira Branca O
Fantasma do Nicola Os
Russos da Minha Pensão O
Homem que Perdeu o Cérebro Preto
e Branco Amarelo
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Segredo dos Reis de Portugal Estranhas
Aventuras do Dr. Z As
Chaves do Paraíso O
Homem que Embalsamou Lenine O
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Mil Francos por Mês O
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Segredo dos Távoras A
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Cinco Cadáveres do Dr. Máximo A
Trincheira Emboscada O
Espia de Bruxelas O
Monstro de Guimarães A
Vida dum Aventureiro Memórias
Extraordinárias do Major Calafaia CINEMA O
Groom do Ritz Táxi
9297 Rita
ou Rita? Vigário
Foot-Bal Club Hipnotismo
ao Domicílio (Continua no
próximo número)
Fontes: Secção
Correio Policial, 6 de Fevereiro de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 15 de Outubro de 2024 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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