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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido
– “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à
modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do
“Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 12 de Fevereiro de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 22 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 20 UMA FRASE APENAS… Eduardo não morria de amores por aquele velho
relógio especado no patamar do palácio. As suas chegadas retardatárias ao lar
materno coincidiam sempre com as campainhadas das horas. E Eduardo tinha a
impressão que o velho relógio, inspirado por humana maldade, erguia a sua voz
bem timbrada ainda, apesar dos anos, para anunciar a toda a família que o
filho bohemio mais uma vez se esquecera do horário estabelecido. – Oito horas! Já devem estar no fim do jantar. Não subiu ao quarto… Dependurou no cabide da ante-camara o sobretudo e o chapéu; e depois de acamar,
em frente do espelho, as poucas farripas da sua precoce calvice
– entrou, suavemente, na sala… A Dona Matilde, mãe de Eduardo, olhou-o por sobre
os óculos e disse, com amargada ironia: – Julguei que fazias como ontem… – O que é que eu fiz ontem, mamã? – O mesmo que fizeste hoje, ao almoço: o mesmo
que fazes cinco dias por semana: não vires comer a casa, sem te importares
com o que desgosta este abandono… Eduardo soltou uma gargalhada. Á falta de
argumentos – ria e beijava a mãe, com frenesim de creança
pequena. Ele sabia, pela experiência, que rindo e beijando-a – todos os
ralhos se transformavam em ternura. – Então, não falas às tuas primas, Eduardo? – Já lá vou… já lá vou… Em redor da mesa que Dona Matilde presidia,
sentavam-se quatro mocinhas, primas direitas de Eduardo: duas loiras e duas
morenas. Eram as loiras: Nina, burgueza remediada,
com extraordinaria vocação para bordados em escama
de peixe, conseguira burlar a boa fé paternal,
inventando, desde os dez anos, uma teatral anemia que a livrara das escolas e
dos solfejos. As morenas eram: Mariasinha,
a menos venturosa de todas, órfã desde muito nova, obrigada a trabalhar, como
dactilografa, para correspondência estrangeira num escritório alemão e
Rosália que, apesar dos numerosos pianos desafinados sob os seus dedos
furiosos, estava convencida que Deus a fadara para a arte musical. Eduardo viu que as quatro primas tinham deixado
em meio as garfadas de rostbeef, para o
contemplarem, embevecidas e lamechas. Cumprimentou-as uma por uma, tendo para
todas uma frase, um galanteio, uma graça. Depois, sentou-se e começou a
engolir á pressa a sopa que esfriara no prato… Eram oito horas e às nove tinha uma entrevista
com Lúlú – a estrela do “Variedades”. * Findo o jantar, subiu ao quarto para vestir o
smoking. Mas, antes de premir o interruptor da electricidade,
as suas narinas dilataram-se, aspirando um intenso perfume a violeta que
impregnava a escuridão. – Bom! Hoje… tenho carta! – Acendeu a luz – e viu logo, sobre o cristal da mesa de cabeceira, as lágrimas roxas de um ramo de
violetas. Sob o ramo havia um minúsculo rectângulo
de papel. Era a carta – a carta que, há uns tempos a essa parte, recebia
invariavelmente, três vezes por semana. E como de costume, fazia-se
acompanhar de flôres. De quem era a mão gentil que,
com mistérios de aventura veneziana, introduzia, no seu quarto, aquela
periódica e amorosa missiva? Ignorava-o! Eduardo roçava já pelos trinta e cinco anos.
Filho único dispondo de um rendimento fabuloso que lhe enchia, todos os mezes, a carteira – prodigalisára
a mocidade, da forma mais descuidosa, alegre e comodista que era possível.
Muito culto e dotado de uma inteligência aguçada,
estilizara os seus prazeres; a sua bohemia; o seu
egoísmo, tornando-os tão saborosos que não antevia sequer a possibilidade de
se fatigar. Um único atrito dificultava o prolongamento da
sua felicidade extravagante: a mãe. Amavam-se com paixão, aqueles dois entes.
E Dona Matilde, que se afligia sempre com a vida dispersa e aventurosa do
filho – alarmava-se agora, ao vê-lo trintão e disposto a eternisar
a sua bohemia, sem pensar na criação do lar, num
futuro próximo ou distante. A pobre senhora recrutara as quatro sobrinhas,
trouxera-as para o palácio, na esperança que a sua meiga e virtuosa presença
fizesse esquecer a Eduardo as tentações proibidas e acabasse por o prender, escolhendo
uma das primas para mãe dos seus filhos… Mas os mezes
rodavam atrás dos mezes – e Eduardo, brincando ou
rindo, não se decidia por nenhuma, nem mesmo fixava com nitidez, a predilecção da sua simpatia... Ultimamente aparecia-lhe no quarto, com extraordinária
frequência, misteriosas cartas de amor... essas
cartas tinham tido o condão de o interessar... Redigidas com uma sinceridade
por vezes brilhante – palpitava nelas, gémeo ao perfume da violeta em que a
namorada as impregnava, o pudor da virgem que ousa confessar alto o amor que
lhe tritura a alma – mas mascarada de forma a não poder ser reconhecida. Uma das quatro primas era, pela certa, a doce
autora daquelas missivas. Mas qual? E este enigma preocupava tanto Eduardo
que ele, sem se importar mais com a entrevista de Lúlú,
se sentou à beira da cama predisposto a lêr e relêr as confissões da desconhecida amorosa… * A carta dizia assim: “Eduardo: É esta a
última vez que te escrevo. Dei conta da minha loucura – e toda eu tremo, envergonhada,
do que fiz – como se o facto de ser eu a contar-te o meu amor fosse um pecado
mortal! E para quê teimar com o impossível? Talvez por ser impossível é que
eu ouso segredar-te a verdade do que me vai n´alma. Se fosse realizável esta
esperança – já tu terias adivinhado quem sou. Se não adivinhaste - é porque
não me amas. E se não me amas – para que continuar nesta ilusão? “O amor não
precisa de ser confessado. Os que estão destinados aos grandes amores –
adivinham-se nem que os separe a imensidade dos mares!” E o poeta que
escreveu esta verdade conhecia os segredos do amor. Adeus para
sempre”. Eduardo sentiu que os olhos se humedeciam – como se aquele adeus fosse
a despedida fatal da mulher que ele amasse também… Depois, ergueu-se,
agitando-se, num vai-vem nervoso, pelo quarto. Não!
O enigma não havia de ficar sem resolução. Descer à sala e interrogar as
quatro primas seria uma grosseria inútil – e seria uma gaffe perigosa… Ela
tinha razão… Era preciso adivinhar. Ele adivinharia! Mas aquela frase que ela citara – não lhe era
desconhecida. Já a lêra. E aonde? Aonde? Falava dum
poeta. Sim… Fôra num livro de poeta que a
conhecera, fazendo-o meditar… E esta reminiscência acalorou-o como uma
esperança, como a certeza que encontrara a pista ambicionada. * Desceu à biblioteca e fechou-se por dentro. Fôra, entre aquelas estantes de mogno que Eduardo
mergulhara no vasto oceano da literatura mundial… O livro, o poeta, a frase
devia estar ali… Mas era difícil – muito difícil… Como descobrir entre os
milhares de volumes que transbordavam das prateleiras, as poucas palavras que
ele buscava? O relógio holandez foi,
pachorrentamente, anunciando os quartos, as meias horas, as horas… E às cinco
da manhã, quando Eduardo mal emergia das ondas de papelada que o cercavam,
deparou-se-lhe um volume, preciosamente encadernado. Teve um palpite.
Folheou-o, ávido… E por fim, a meio de um capítulo, lá estava a frase “O amor
não precisa ser confessado. Os que estão destinados aos grandes amores –
adivinham-se nem que os separe a imensidade dos oceanos!” Abraçou contra o peito o livro, como se ele fosse
o cofre de um tesouro cubiçado. Depois, descastelando com os pés todas aquelas pirâmides dos
volumes amontoados, foi estender-se numa otomana. Releu então a lombada do livro. Estava marcada a
ouro, com caracteres germânicos… O poeta chamava-se Franz Volbein
– e o livro “Das Dame von
Under Linden”. E na
primeira página, havia, em alemão, uma nota: “O autor proíbe que se façam
traduções desta obra.” * Meia hora depois, Eduardo deitava-se, resolvido a
quebrar a sua egoísta existência de solteirão. Sim. Casar-se-hia…
Ela vencia-o – e ela, a dôce e pudica anónima das
cartas perfumadas com violeta, a leitora de Franz Volbein
só podia ser... Raciocinem, releiam a descrição das quatro primas
de Eduardo e vejam qual era a única que podia escrever aquelas cartas
amorosas. * Nota: Foi
mantida, nesta reprodução, a ortografia original. OBRAS DE REINALDO FERREIRA (continuação
do número anterior) Memórias Homens
do Dia, Mulheres da Noite Cemitério
da Glória e da Saudade Memórias
de um ex-Morfinómano História A
História da Ditadura Espanhola Reportagem da
Semana Quem
Matou D. Piedade? O
Segredo das Múmias de St. Michel Mistérios
à Volta dum Testamento Teatro E
Digo Eu Cá Isto (Em colaboração com Lopes Vieira) A
Dama do Sud 1808 O
Táxi nº 9297 O
Homem que Mudou de Cor Em Espanhol Lo
Que Fueran em la Vida Real los Heroes
de Folletin La
Princesa que no Reia El
Palco nº 13 Memórias
de un Legionário - 16 volumes En la Rusia Roja y Hambrienta - 16 volumes Los
Rusos de mi Pension El
Hombre que Vivio 200 Años La
Muerte de Moreno Los
Reys em la Intimidade - 2 volumes El
Secreto de los Reys de Portugal Aventuras
Extraordinárias do Mosqueteiro do Ar O
Segredo da Cabeça de Cera O
Negociante de Sangue O
Segredo da Japonesa A
Guerra no Oriente Série “As Sensacionais Aventuras de Jim Joyce” (publicadas
no Brasil) O
Mistério do Metropolitano A
Máquina da Morte O
Fonógrafo Revelador O
Telégrafo Vermelho O
Homem Imortal O
Doutor Satanás O
Crime da Mulher Loura O
Manequim Trágico O
Roubo do Banco Morgan O
Clube dos Regicidas *** NOTA
- Naturalmente que a lista das “Obras de Reinaldo Ferreira” (que iniciámos na
passada semana e nesta continuámos) está longe de ser completa - porque muito
difícil se oferece a missão de reunir hoje os títulos das dezenas de
reportagens, contos e outros escritos por ele assinados há cerca de nove
décadas, nas diversas publicações que editou.
Fontes: Secção
Correio Policial, 12 de Fevereiro de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 31 de Outubro de 2024 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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