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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido
– “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à
modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do
“Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 19 de Fevereiro de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 23 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 21 O MARCO POSTAL Nº 8 À esquina da rua Ivens e do largo da Biblioteca,
a dois passos do Governo Civil, frente a um Club, plágio incolor dos célebres
de Regente Street, de Londres, e da Gran Via, de
Madrid, existia, ainda há pouco, um marco postal, dos mais antigos de Lisboa,
visto que o registava um só algarismo. Era o marco nº 8. O seu envolucro de
metal ameaçava ruína; a bala perdida de uma antiga revolta tinha-o ferido,
sem que nenhum cirurgião serralheiro o consertasse – mas, de
quando em vez, a Administração dos Correios, enternecida com a
relíquia, mandava-o maquilhar. Ficava, durante uns mezes
pimpão e berrante, todo pintado de vermelho… Mas a tinta já não pegava ao
ferro ferrugento que os operários não raspavam antes da caracterisação
– e mezes depois o velho marco postal entristecia,
descolorido e sujo. A visinhança daquele
grémio de pseudos-gentlemen, de madraços
enriquecidos ou de fidalgos pobres, fizera do velho marco nº 8 o guardião de
muito segredo amoroso. Conquistadores profissionaes,
quasi todos os clubemen
confiavam ao velho marco as cartas destinadas às suas amorosas. No inverno de 1917, numa manhã que, de enovoada
não se libertara ainda das sombras da noite; ao sair da redacção
de um jornal instalado no bairro, vi ajuntamento em redor do velho marco…
Operários que iam para a faina e bohémios que
recolhiam às casas tinham sido surpreendidos por uma densa fumarada que saia
pela gretadura do marco. E visto assim, atravez a semi-opacidade do nevoeiro, o marco nº 8, atarracado e
cilíndrico, parecia um anão que estivesse de charuto monstro na boca, a
expelir o fumo já saboreado. Acerquei-me do grupo e tentei, em vão, investigar
o que se passava. Ninguém o sabia… – É o marco que está a arder! Do Governo Civil vieram, correndo, alguns
polícias, acompanhados por um agente da investigação, que estava de piquete.
O primeiro pensamento foi o de chamar os bombeiros. Mas o detective
Barros teve, por excepção, uma ideia sensata. – Antes de tudo salvemos a correspondência! Foi arrombada a fechadura e viu-se então, nas
entranhas do marco, um pedaço de desperdício de limpeza de motores, aureolado
de fogo. Um arame – seguramente o que ajudara a introduzir os desperdícios
pelo bocal do marco, prendera às grades da cúpula a matéria incendiada,
suspendendo-a e impedindo que a chama tocasse na correspondencia
caída no fundo. O sabre de um polícia arrancou o desperdício e atirou-o para
o passeio. Os tacões dos espectadores bastaram para o apagar. Um fedor
intenso a gazolina subiu a todos os narizes
curiosos que assistiam à scena, empestando-os. O
agente Barros sobraçou as cartas e os postaes – e
levou-os para o Governo Civil. E eu fui-lhe na peugada… * Ora bem… Não podia firmar-se uma só dúvida sobre a causa
daquele atentado incendiário de que fôra vítima o
velho marco nº 8. Uma brincadeira de mau gosto de algum esturdio, que saísse,
embriagado, dum cabaret? Um acto de simples
malvadez? Não era crível… Um bohémio não anda a
passear com gazolina nos bolsos e um malvado, só
para saciar uma ânsia vandálica não prepara o seu crime com aquela
meticulosidade. Tratava-se, evidentemente, de um atentado
consciencioso, premeditado e com um objectivo
grave. Para alcançar-se o sentido desse objectivo,
a sua forma, a sua côr, não era necessário
possuir-se a agudeza de génio. Os incendiários do velho marco só podiam
acalentar uma pretenção: a de destruir uma carta
que alguem introduzira pelo bocal; evitar que ela
chegasse ao seu destino. Tinham visto ou tinham sido avisados que tal
denúncia ou tal notícia fôra lançada no correio;
sabiam que uma vez no marco nenhuma influência conseguiria cortar as azas ao minusculo rectângulo de papel;
que ele seguiria a sua trajectória natural, passando
do marco para o saco de coiro; do saco para as bancadas da Central, para
voltar de novo ao saco do distribuidor, após a estigmatisação
do carimbo – e dali para as mãos do destinatário. A única probabilidade de
vencer a força imensa da carta seria queimá-la, antes que dela se apossassem
as mãos do correio. Estabelecida a hipotese,
faltava o exame à correspondência encontrada no marco. Só ela poderia
iluminar aquele mistério. E eu ofereci-me para auxiliar o detective
Barros nesse trabalho. * Espalhados pela mesa do agente estavam quarenta e
dois postaes e três cartas. Os postaes
que não tinham sido beijados pelo fogo, nenhum interesse ofereciam. Constavam
quasi exclusivamente de comunicações familiares, a
saber se «Fulano estava melhor da gripe»; a comunicar que «Beltrano não podia
assistir a esta reunião ou áquele jantar» ou a
«fazer votos por que Cicrano passasse um feliz dia
d´anos…» A nossa atenção fixou-se nas três cartas. Todas
elas estavam chamuscadas… Quasi que não foi preciso
violá-las para conhecer o seu conteúdo. A primeira, encimada pelo nome do clube visinho e rematada por uma frase piegas («o teu Lili que muito te ama»)
era uma simples carta de namorado. A segunda, escrita em letra nervosa, era a
denúncia anónima de um adultério. Dirigia-se a um titular e esgrimista muito
conhecido, possuidor de numerosos nomes pomposos e de um palacete nas
Avenidas Novas; e informava o marido infeliz que a esposa tinha como amante
Simões C…, proprietário de uma garage
próxima ao Chiado. A terceira, endereçada à direcção
de um Banco e assinada pelo presidente de um “trust” comercial, continha
outra denúncia: a que o gerente do Banco tinha desfalcado a caixa numa soma
superior a trezentos mil escudos. * Feito o exame à correspondência do marco nº 8, a
nossa suspeita bifurcou-se apenas sobre estas duas últimas cartas. Ambas elas
eram más mensageiras. Uma podia trazer a morte a dois amantes; a outra podia
levar à Penitenciária um empregado infiel… Quando o sol conseguiu traspassar as cinzas do
nevoeiro ainda o detective Barros, desgrenhando a
guedelha, passeava à espera que lhe caísse do céu a resolução daquele
horrível dilema. E quando eu me despedi, ele, contendo a minha mão que apertára a sua, disse-me: – Eu não quero cometer uma gaffe… Não quero
arriscar-me a um fracasso. Só podia proceder se tivesse a certeza que ia
deitar mão ao verdadeiro culpado. Mas não atino… Palavra! Não atino. Não atinava e nunca atinou. Eu tivera a sorte de
ser inspirado pela verdade – mas Raciocinem, releiam a descrição do atentado e descubram o incendiário. Nota: Foi
mantida, nesta reprodução, a ortografia original. * SOBRE
REINALDO FERREIRA ...
e antecedendo a publicação nas suas páginas da
novela "A Rua Sinistra", escreveu, na década de 40, a Revista
"Colecção Impressão Digital" o seguinte: A Rua Sinistra Dentro do espírito que orientou a feitura desta
antologia de autores policiais nacionais e estrangeiros não podia a "Colecção Impressão Digital” deixar de incluir em primeiro
sugar o nome Reinaldo Ferreira, celebrizado pelo pseudónimo de "Repórter
X”. Pode dizer-se que, não contando com as tentativas
esparsas de Eça, Ramalho e Camilo, Reinaldo Ferreira foi o iniciador da
novela policial ligeira. Se Eça e Ramalho contribuíram neste género literário
com um romance de fundo policial e se Camilo escreveu também um ou dois
outros contos do mesmo carácter, Reinaldo manteve-se durante toda a sua vida
literária dentro das novelas de acção policial e de
mistério, popularizando-as largamente. O seu espírito cintilante, com um poder
imaginativo difícil de igualar produziu inúmeras novelas. Ainda, se, numa ou
noutra, uma figura estrangeira aparecia, o Repórter X procurava, contudo, que
o ambiente onde decorria a acção fosse português
assim como portugueses eram a grande maioria dos seus personagens. Pela saudade que o seu espírito deixou, pela
facilidade com que escrevia os enfabulados que eram
fruto da sua inteligência dinâmica, o nome de Reinaldo Ferreira, deve aparecer
nesta colecção a par dos nomes mundialmente
conhecidos de Agatha Christie, Ellery
Queen, etc. É esta a melhor homenagem que “Colecção Impressão Digital” lhe pode prestar. Os editores
Fontes: Secção
Correio Policial, 19 de Fevereiro de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 15 de Novembro de 2024 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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