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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido – “O Táxi Misterioso”,
transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à modalidade vinha
fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do “Mundo de
Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 26 de Fevereiro de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 24 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 22 A PISCINA DE STETTIN Os portugueses não abundam em Stettin.
As duas vezes que por lá passei, na ida e na volta da Rússia, dois únicos
compatriotas conheci. Um, era creado de servir no Kayser-Hotel, hotel-wagon,
hotel transatlântico, hotel que parece caminhar sempre acompanhando os
comboios que chegam e os vapores que partem. O outro, negociava em peles.
Chamava-se Henrique Bastos e em Cabeceiras de Basto nascera. Um domingo combinou-se um encontro uma manhã
cedo. De Stettin só conhecia a gare e o caes. E Henrique Bastos, quase Stettinense,
prometera desvendar os surpreendentes mistérios da cidade báltica. – E onde vamos? – indaguei, curioso. Às oito da
manhã não deve haver nenhum espectáculo
extraordinário. E o Alpedrinha de Stettin
respondeu: – Vamos á piscina. É o melhor espectáculo
que posso oferecer-lhe. * Fômos à piscina. Era um barracão toldado de madeira branca aquecida por
misteriosa e invisível chauffage. Um rectangulo
forrado d’agua tépida povoava-se das mais lindas mulheres que eu conheci em
maillot depois de assistir ás revistas do Ba-ta-clan. Aluguei, apressado, um fato de banho; e depois,
curioso, inquiri porque razão Henrique Bastos não me acompanhava no mergulho. – Prefiro ficar nas margens de… madeira. As aguas
cadavéricas das piscinas horrorizam-me… Sobretudo estas – que eu já vi tingir
de vermelho… * E contou: – Há oito anos, quando eu vim estabelecer-me em Stettin, trazia, nos olhos e na alma, uma grande
nostalgia do mar portuguez. Disse asneira? O mar é
igual para todos os paizes? Pois desculpe-me e
permita que eu insista no mesmo erro. Eu estava cheio de saudadinhas
do mar de Portugal. E este mar, palavra, não é mar. É gelo – e gelo só na
Serra da Estrela… «Comecei então a frequentar esta piscina que
acabavam de montar. Sou sócio n.º 27. Sou dos primeiros. «Criaram-se grupos para fazer habilidades e jogos
dentro d’agua. Eu que passei vida a intrujar esta gente, dizendo que era neto
de Vasco da Gama, fiquei chefiando um desses grupos, composto pelo espanhol
Gamba, pela russa Wanda Liopieff
e pelo alemão Walter Brück. Tinha conhecido os meus discípulos de natação fóra da piscina. Eram companheiros de pensão. O espanhol
era correspondente das gazetas de Madrid e de Barcelona; Wanda
vendia peúgas num armazém e Walter impingia bugigangas «mad
in Germany»… «Entre Walter e Gamba, embora aparentassem grande
simpatia, existia, latente, uma biliosa rivalidade. Ambos pretendiam Wanda. E creio que Wanda a
ambos burlava, fazendo negaças e prometendo paraísos que nunca cumpria. «Walter e Gamba, sem o ponto de discórdia do
amor, teriam sido grandes amigos. Existia entre ambos um original intercambio
estabelecido. Gamba contava a Walter as suas aventuras de jornalista errante;
e Walter pagava-lhe esses romances oraes com as
amostras das suas bagagens de caixeiro-viajante. Lembro-me, por exemplo, de
uma caneta de tinta permanente que o alemão oferecera ao espanhol, abonecada
e de fino aparo doirado, após o discurso que este último fizera sobre uma
viajem ao Thibet. «Eu, que os ensinava a nadar na piscina, fui
medindo o rancor, que a rivalidade, amorosa, dilatara no peito de ambos. Nos
últimos tempos, o seu tratamento, a força de ser artificialmente sereno,
tornava-se macabro. «Um domingo – há seis anos, organizou-se uma
pitoresca corrida nautica com as varias equipes
agrupadas pelos sócios. Partiram essas équipes de
um extremo da piscina; ao chegarem ao outro extremo havia de compôr uma frase sobre um placard ali colocado e
regressarem ao ponto de partida. O prémio seria oferecido áquele
que, entre os oito primeiros vencedores, escrevesse a frase considerada pelo
júri, como a mais bela. «Disparado o tiro – as equipes começaram
bracejando, furiosas, para a conquista do outro extremo da piscina. A meio do
caminho, Wanda, talvez fatigada, pareceu desistir,
afastando-se lentamente da linha dos concorrentes. Ninguem
deu por tal… Os nadadores chegaram ao placard, escreveram no placard as
frases que engendraram - e voltaram-se, com a mesma ancia
de vitoria; ganharam uns, perderam outros. Wanda
continuava imóvel no meio das águas. Não teríamos dado importância ao
incidente se as águas, á volta de Wanda, não
começassem a avermelhar-se. Assustamo-nos. Apercebemo-nos que a russa estava
ferida; e o seu corpo foi trazido para fóra da
piscina. Um médico a examinou. Estava morta! Tinha sido assassinada. Um minusculo orificio fôra aberto, por uma ponta muito aguçada, sobre os rins.
A ferida, que sangrava, não podia ser a causa da morte. No dia seguinte
fez-se a autopsia. Os peritos garantiram que Wanda
fora picada e que no seu sangue se espalhara o veneno fulminante.
O assassino de Wanda só
podia ser … Raciocinem, releiam a descrição do atentado e
descubram o assassino. (NOTA: nesta reprodução foi mantida a grafia da
época.) *** KIÁ – O REI DOS REPÓRTERES… …APRESENTADO
PELO SEU CRIADOR REINALDO FERREIRA KIÁ
é o pseudónimo pelo qual se popularizou, dentro e fora do país, o maior
repórter português, o mosqueteiro do jornalismo. O seu passado é um mistério;
até para mim, seu confidente íntimo, seu camarada, seu irmão pela estima na
grande família dos jornais. A sua primeira aventura coincide com a sua
aparição fora das sombras em que se ocultou até aos dezassete anos. Foi em
1915. Entrou no “Heraldo de Lisboa”, o diário da noite da maior tiragem,
cujos redactores eram escolhidos entre os
jornalistas mais afamados, e declarou sem preâmbulos que “queria” ser
repórter. O director chacoteou com ele, mandando o
contínuo dizer-lhe que fosse oferecer os seus serviços ao Hospital dos
Doidos. – Previna o seu patrão – contestou Kiá – que eu vou fazer o que ele me ordena. Nesse
mesmo dia, estilhaçou, com uma pedrada, a vitrine dum estabelecimento do
Chiado. Preso e conduzido à esquadra, cometeu tais distúrbios que poucas
horas depois entrava em Rilhafoles, enfaixado numa camisa de forças. Ao cabo
de uma semana fugiu do Manicómio. E na noite da evasão, quando o director do “Heraldo”, à hora do jantar no Hotel de
Inglaterra, desdobrou o seu jornal, foi surpreendido pela publicação na
primeira página dum artigo de quatro colunas, no qual Kiá
contava, em boa prosa e com magnético interesse, como conseguira entrar e
sair da Casa da Loucura e todas as tragédias ignoradas dos bastidores do
Hospital. Iracundo por se sentir burlado e ao mesmo tempo pasmado por não
compreender como se publicara aquela reportagem sem seu conhecimento, correu
a casa do chefe da redacção. Este declarou que
estava tão surpreendido como o director. Ignorava
como saíra aquele artigo, sem passar pelas suas mãos. Abalaram os dois para o
edifício do jornal. As rotativas estavam ainda vomitando gazetas. O êxito de Kiá atingiu uma tiragem inédita. Já tinham vendido 60.000
exemplares. Esta notícia acalmou um pouco o director,
mas não o fez desistir de esmiuçar aquele mistério. O inspector
das oficinas, acudindo ao chamamento, esclareceu tudo: – Eram cinco horas quando entrou na casa das
linotipes um rapaz em cabelo que me perguntou se eu era o chefe da
tipografia. Como lhe respondesse afirmativamente, disse-me: “Desculpe, mas
como entrei hoje para o jornal, ainda não conheço as pessoas. O patrão manda
compor, sem demora, este artigo que deve sair na primeira página, mesmo que
da redacção dêem ordem em
contrário”. Cinco minutos depois telefonavam-me em nome do patrão, repetindo
a mesma ordem. – Está explicado assim o convite que recebi também
pelo telefone para assistir à conferência da Liga Naval, que só terminou à
noite – comentou o director,
já em plena serenidade. - Esse garoto do Kiá quis
afastar-me do jornal, evitando que eu descastelasse
os seus projectos. Este
ruidoso êxito lançou definitivamente Kiá. O seu
pseudónimo tornou-se internacional. Quando às vezes lhe pergunto como e
porque escolheu tão extravagante marca para os seus artigos, segreda-me em ar
de confidência: O
meu verdadeiro nome só aparecerá quando fizer com ele a maior de todas as
reportagens. Até esse dia serei apenas... Kiá.
Escolhi esse pseudónimo, por dois motivos. Primeiro, porque soa à pergunta
mais frequente nos lábios de um jornalista: Kiá é igual ao Que há? Segundo, porque nessas três
iniciais - K.I.A. - cifra-se o mistério da minha vida. Algumas
dezenas das aventuras triunfais do “Rei dos Repórteres” — crimes por ele
decifrados; proezas e façanhas de verdadeiro ilusionismo; charadas humanas
que ele descobriu, etc., etc. - são ignoradas pelo público. Cabe-me a mim a
honra de as divulgar, limitando-me a dar forma de novela aos episódios que
ele me narrou, nos longos serões em que nos reunimos e tagarelamos, jogando
com as nossas vidas, como se joga ao xadrez... Reinaldo Ferreira
Fontes: Secção
Correio Policial, 26 de Fevereiro de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 30 de Novembro de 2024 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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