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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido – “O Táxi Misterioso”,
transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à modalidade vinha
fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do “Mundo de
Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 5 de Março de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 25 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 23 O CORAÇÃO DA FANNY Nenhum dos quatro se parecia. Dir-se-hiam
habitantes de planetas diferentes, reunidos por Julio
Verne ou por Welles naquele salão de hotel provinciano.
Lá fôra, a invernia chocalhava os elementos, numa
fúria macabra. E nós, os únicos hóspedes, impossibilitados de sair, tínhamos
ficado a palestrar, após o jantar, junto ao brazeiro
que faulhava na vaga luz amarela de um candieiro de
petróleo. Havia um caixeiro-viajante de mercearias, o sr. Tavares, de bigodinho retorcido e ares doces, devido
talvez ao longo contacto com os assucares e as canelas; o sr.
Juca Marinho, que se dizia moreno e era mais do que mulato e que viera dos
interiores do Amazonas, para conhecer o bom clima de Portugal; Miss Morris, londrina, fabricante de novelas e romances mais
piegas e sentimentais da literatura ingleza –
débil, de meigo olhar, fumadora de emoções e que já tinha arriscado a vida no
Thibet, para conhecer pessoalmente o Grande Lama;
D. Paco Rodrigues, negociante de vinhos, mentiroso e fanfarrão, admirador
entusiástico das zarzuelas e das coupletistas, e…
este vosso creado. Todos nós temíamos as consequências do sono,
sobre a digestão… E por isso dávamos à língua, para nos despertarmos, como
podíamos girar uma ventoinha. Todos os meus companheiros contaram a sua historia. O caixeiro-viajante recordou as suas aventuras
amorosas em que havia sempre uma pontinha de infâmia ou de gabarolice; o
mulato, descreveu-nos vários sustos que apanhara nas
caçadas do Amazonas e confessara que peor que as
feras só havia, para ele, as almas do outro mundo; D. Paco recitou-nos coplas
de uma opereta que ele ajudara a escrever em Valencia – e Miss Morris contou-nos, com extraordinária emoção, as suas
proezas na Asia e falou da sua ternura por todos os mártires, por todos os
desgraçados que encontrara até hoje, na sua curta estrada pela vida. Como o “palhaço da Virgem” que aparece num conto
genial de Anatole, senti-me na necessidade de afugentar também o sono colectivo, como uma narração qualquer. E como, atraz das janelas embaciadas,
visse a fotografia da egreja, lembrei-me dum
romance de Camilo. – Vocês ignoram que estão visinhos
do mais original vestígio da mais dolorosa novela romantica
que conheço. – ? – Sabem vocês o que está guardado naquela egreja? – ? – O coração de Fanny
Owen. * Nenhum dos meus ouvintes sabia quem fora Fanny. E eu, durante meia hora, fui e, evocando a tragedia
que Camilo escrevera com as lágrimas e com o sangue alheios. Contei-lhes o namoro da Fanny
e da irmã – filhas do coronel inglez Owen com José
Augusto e seu enigmático camarada Camilo Castelo Branco (nome que todos
ouviam pela primeira vez!!!) Pintei-lhes com a tinta aguada da minha pobre
imaginação a beleza predestinada para a dôr, das
duas misses desposadas, da suspeita de traição que
pesa sobre a memoria do romancista, que, segundo a lenda, a meio do derriço,
se prendera pelos encantos da enamorada do amigo, da loucura romântica de
José Augusto e Fanny empreendendo a ventura inverosimil de um rapto, só para palpitarem as emoções de
um heroísmo de amor, sob a platina do luar, a longa caminhada pelas estradas,
o casamento; a ignominia de umas cartas, enviadas à egreja para derramarem fel na alma de José Augusto…; os
mistérios daquele quarto onde ambos auto-torturaram-se
durante mezes, numa pasmosa agonia; o desenlace da
intoxicação romântica com que ambos se haviam contagiado, e a morte da loira Fanny, virgem e sacrificada em holocausto à literatura
venenosa da época, como se quizesse regalar a sua
historia, com custo da próprias vida, à fantasia mórbida do romancista que
depois a perpetuou com o seu génio. Entretanto o caixeiro-viajante adormecera; o brazileiro roía as unhas, pensativo; D. Paco dava grandes
passadas e interrompia-me a cada momento, com exclamações ruidosas. “Caray”. Me mujer! Que tontos!
Que gente esa”! Pobrecita!”;
e a ingleza, a Miss Morris,
mui pálida, dilatara as suas pupilas azues, e
parecia sorver os meus pensamentos antes que eles se materialisassem
em palavras. E eu rematei: – Depois da morte, José Augusto mandou arrancar
do peito de Fanny o coração que tanto amara, em
ânsias de vampiro… É esse coração que está exposto neste egreja,
como uma relíquia santa. * Deitaram-se os hospedes…
e quando na manhã seguinte me levantei, o sol, em labaredas doiradas, bebia,
a grandes tragos, a agua com que a chuva empoçara as ruas. E mal saí do
quarto, o gerente do hotel perguntou-me: – Já sabe? – ? – Entraram hoje na egreja
por uma janela da sacristia e roubaram o coração. – O “sagrado”? Inquiri num interesse. – Não senhor. O de Fanny
Owen. Pulei, sem querer. Parecia bruxedo. E ao serenar
vi claro o sacrílego roubo, que não era de ganância, devia ter sido germinado
sob a emoção electrisada pela minha palestra da
véspera. O ladrão fôra, portanto, um dos meus
ouvintes… * Passaram-se 48 horas. E quando, ao princípio do
terceiro dia se soube que o coração de Fanny Owen
tinha sido encontrado, não perguntei quem ousára
aventurar-se ao temporal e cometer o lance romântico de se apoderar daquele
cofre vermelho onde estava fechado o segredo de um grande amor. Bastára-me reflectir um pouco
para saber que o gatuno só podia ser … * * * * * Raciocinem! Vejam
quem podia ser, entre os ouvintes, o romântico gatuno do coração de Fanny Osen (NOTA: Foi mantida, nesta transcrição, a grafia da época). * * * * * JIM
JOYCE – Uma das muitas criações de REINALDO FERREIRA “As Sensacionais Aventuras de Jim Joyce – O Ás
dos Detectives Americanos”
Na adolescência, Reinaldo Ferreira devorava esses
fascículos com tal afinco que, durante o resto da vida, nunca mais conseguiu
esquecer as proezas que então o haviam entusiasmado. Não é, pois, de espantar
que, creditado como ficcionista de histórias aventurosas e de feição mais ou
menos policial, o Repórter X ansiasse conceber, ele próprio, um "herói
de Folhetim" capaz de ombrear com o Nick
Carter fascicular. Foi o que fez, quando uma encomenda lhe abriu as portas da
edição em fascículos - e aveio-se da tarefa com um "savoir-faire"
e um estilo ao nível dos melhores cultores desse género de ficção popular. Publicadas no Brasil por volta de 1924, as dez
narrativas que, tanto quanto se sabe, compõem a série As Sensacionais
Aventuras de Jim Joyce, o Ás dos Detectives
Americanos, até agora inéditas em livro, transportam-nos aos loucos anos 20,
a uma América imaginada pelo pioneiro português do romance policial. Nesta edição cuidada, que conta com um texto
introdutório do especialista Joel Lima, são ainda recuperadas as capas e ilustrações
de Stuart Carvalhais (1887-1961) e Alfredo Morais (1872-1971) para os
fascículos da publicação original daquela que deverá ser, muito justamente,
considerada uma das criações mais conseguidas do mítico Repórter X. Aqui, o autor revela todo o seu poder criativo:
forja, sem esforço e ao correr da pena, mistérios aparentemente insolúveis,
situações de alto risco aparentemente sem hipótese de salvação e proezas
detectivescas aparentemente impossíveis de concretizar, sabendo explorar,
como os melhores escribas da ficção em fascículos, o imprevisto, o
sensacional, o suspense, o desfecho inesperado. Uma faceta quase ignorada do
talento novelístico de Reinaldo Ferreira que este volume finalmente dá a
conhecer na íntegra.” (Capa de Nuno
Saraiva e apresentação das Edições PIN para o livro por esta editado em 2019
“As Sensacionais Aventuras de Jim Joyce – O Ás dos Detectives
Americanos.)
Fontes: Secção
Correio Policial, 5 de Março de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 16 de Dezembro de 2024 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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