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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido – “O Táxi Misterioso”,
transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à modalidade vinha
fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do “Mundo de
Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 12 de Março de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 26 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 24 O QUADRO DE BETTOLOZI De fraque preto, enluvado, solene como se fosse
para uma missa, Henrique L…, ajudou Laurinda a descer do auto e dando-lhe o
braço atravessaram o passeio atapetado de areia vermelha e entraram no Salão.
E quando no átrio, compravam o catálogo dos quadros expostos, ouviram uma voz
aflautada, a chamá-los pelo nome. Era D. Catarina das Mercês. Íntima da casa e a
quem a cabeleira prateada não impedia de que preferisse as jovens amigas,
como Laurinda, as amigas do seu tempo. – Nem de propósito… exclama D. Catarina.
Parece-me que tínhamos marcado rendez-vous… E Henrique, a tentar um sorriso que apenas lhe
crispava os lábios explicou: – Vim para fazer a vontade a Laurinda… Ela é que
gosta dessas futurices… – E faz muito bem! afirmou
logo a velha amiga. Isso prova que sua mulher é um espírito moderno, um
espírito moço… * Entraram… Pelas paredes enfileiravam-se os
quadros dos pintores modernistas… A violência das tintas parecia desagregar
claridades berrantes nas salas mal iluminadas. Henrique não tinha gostado daquele elogio que D.
Catarina tecera à esposa. «Espírito moço» dissera! E estas duas palavras
gritavam, como um alarme aos ouvidos do marido ciumento a quem os espelhos
tinam anunciado a aproximação veloz da velhice. Acentuadamente moreno e de
estreito perfil, tinha-se a impressão que, se Fregoli lhe substituísse o fraque burguez
pela chibata moura, podia confundir-se entre uma multidão rifenha. Quarenta
já os fizera, um mez antes; mas a sua mocidade de
herdeiro único, bisando todos os prazeres, dobrava também o tempo vivido… Em contraste Laurinda era uma frágil garota de desoito anos, casada… por falta de energia para se negar
ao namoro ardente que Henrique lhe fizera. Loura, esguia, flexível, parecia
recortada da capa da «Les Dames»
ou do «Voga». Havia, no estrangeirismo da sua beleza, a evocação duma recente
ascendência escandinava, ou pelo menos saxónica. * Henrique, aborrecido logo à primeira vista de
olhos, sentara-se no centro da sala, vigiando de longe a esposa. As duas
amigas, gémeas, nos gostos pelo contorcionismo e pela vibração da arte
moderna, demoravam-se eternidades em frente a cada quadro. Mas houve um entre
todos que atraia, quasi numa hipnose, o olhar e o
espírito de Laurinda. Era uma tela de Battolozi;
a fantasia exagerada de um moço germanico,
exagerada no azul inverosímil dos olhos; exagerada, no louro, quasi amarelo dos cabelos, exagerada, na brancura diafana da pele. Perguntou-lhe D. Catarina que havia de
extraordinário, na técnica ou na imaginação daquela obra, para assim agradar
à amiga. E Laurinda não o soube explicar. Eram os seus nervos, dedilhados
pelas invisíveis mãos ancestraes – produzindo a atracção irresistível da raça – dos amores dos seus avós,
dos «fiordes» noruegueses ou dos jardins da Escóssia
enamorados pelos gigantes loiros e de olhos azues… * A ciumeira de Henrique
ao princípio, fôra mais consciência do que
dignidade. Ele temia agora aquele abismo de tempo que o separava do coração
jovem de Laurinda. E como visse sempre, em cada minuto de vida na capital,
uma ameaça para o seu amor, resolveu fixar residência na rua Dumte de Vasgrunho. Ali acabaria suavemente os seus temores… O
palácio ficava no centro da quinta, cercado, branco e nobre, da floresta de
pinheiros pigmeus. Uma autentica fronteira muralhava a sua propriedade. E
homens só entravam no quarto os da sua maior confiança: o primo Julio, quarentão pançudo, sonolento; o padre Rodrigues; o
mulato Gusmão, filho adoptivo do padre, que o
trouxe de Angola e que estudava Direito em Lisboa - um garoto atrevidote e
velhaco; o engenheiro francês, o loiro Muscat,
encarregado de estudo para construção de uma ponte; e José, sobrinho de
Henrique, mandrião que aproveitava as suas muitas horas de ócio, em espalhar
o mal pela vila visinha… Laurinda, habituada ao programa variado da vida
social de Lisboa, não se revoltou ante aquele internamento na provincia.
Resignou-se, procurando na leitura dos romances e das visitas, a
sensação platónica da existência electrisada das
grandes cidades. A velha Rosa, que fôra
ama de Henrique e já o servira naquele palácio, quando Henrique era solteiro,
fechou-se com o patrão na biblioteca e sem preâmbulos, informou-o: – A D. Laurinda atraiçou-o! A onda de cólera que o afogueou foi grande; e não
pequena foi a surpreza. Habituado a fantasiar noite
e dia, hipóteses de adultério de que ele fosse vítima – não lhe extranhara aquela comprovação às suas suspeitas. – Como o sabes? indagou. – Venho do campo, senhor amo. Eu lhe provarei que
não minto. Era quasi madrugada.
Henrique, deixando-se guiar pela serva, saiu do palacio
e ladeou-o. – Não chegamos a tempo – exclamou a Rosa… De facto, a certa distancia, corria um vulto,
empastelado no negrume da noite: e ouviu-se o ruido duma janela a fechar-se.
Henrique disparou todas as cargas da pistola… Mas o vulto corria sempre; e
ele já não tinha pernas para o perseguir! * Passado o primeiro ímpeto, Henrique veio
arrodilhar-se nos pés da esposa, choramingando a sua desgraça. Laurinda
confessa a sua falta e estava disposta a deixar-se executar pelo marido. Mas
não… Ele amava-a tanto, na sua sensibilidade, que não podia vampirisar a sua vingança no sangue da adultera. Só
suplicava, em troca do seu perdão, o nome do amigo que assim o ultrajava. E Laurinda, erguendo-se, hirta, respondeu apenas: – Nunca! – D. Catarina das Mercês foi chamada a Vasgrunho. Era ela a amiga mais íntima de Laurinda. E
Henrique, depois de lhe revelar choroso e angustiado, a traição de que fôra vítima, disse: – Eu bem sei que o culpado sou eu. Na estreiteza
desta clausura os desoito anos de Laurinda tinham
que exigir… o que exigiram. Estou pronto a regressar a Lisboa, a acabar com
vigilâncias e severidades. Mas para isso só peço uma coisa: que me seja
revelado o nome do que foi perseguidor de minha mulher. E, juro-lhe: não
pretendo desforrar-me… Pretendo afastá-lo para sempre da nossa existência. A
única vergonha que me horrorisa ainda é a ideia que
poderei continuar a apertar a mão a esse homem. Isso não! Prefiro
suicidar-me. D. Catarina reflectiu e
perguntou depois: – Quem conhece a loucura cometida por Laurinda? – Apenas eu e uma creada. – Pois bem. Convide a um jantar todos os
frequentadores do palácio - e eu, esta mesma noite lhe direi quem foi o
perseguidor de Laurinda. * Henrique encheu-se de coragem e fez os convites…
Se o seu rosto tivesse sido blindado, maior não seria a sua imobilidade. D. Catarina fitou nas pupilas, um por um, a todos
os convivas… Fixou-se nos olhos castanhos de Julio,
nos olhitos empapuçados do padre Rodrigues, nas iris faulhantes do mulato
Gusmão; nos olhos azues do francez
Muscat; nos olhos castanhos e velhacos de José. E à noite, quando D. Catarina se encontrou sósinha com Henrique não hesitou na acusação: – O único que podia ter perseguido Laurinda foi … Raciocinem! Vejam as
linhas a “itálico”. E descubram quem perseguiu Laurinda. NOTA: Foi mantida, nesta transcrição, a grafia da época. * * * * * REPORTER X, Pedinte…
– Não lhe posso valer – disse o interpelado. E na camaradagem da desgraça, acrescentou: – Também eu, a estas horas, ando à procura do
almoço de hoje e do jantar de ontem… – Então, espera aí – responde o
mendigo. Disfarce "a coisa" e… tome lá para o almoço… Sou sempre
camarada! – Mas eu é que não sou camarada de você – replica, cheio de dignidade, o poeta boémio… – Não negues, tôlo – retorquiu o mendigo. Não digas que me viste e não recuses o auxílio
de um camarada que muito te admira. Dito
isto, deu-se a conhecer. Era
Reinaldo Ferreira, que, disfarçado de mendigo, andava realizando uma das suas
reportagens sensacionais!
Fontes: Secção Correio
Policial, 12 de Março de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 31 de Dezembro de 2024 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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