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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido – “O Táxi Misterioso”,
transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à modalidade vinha
fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do “Mundo de
Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 19 de Março de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 27 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 25 POLICARPO DE AZEVEDO A invernia fora rigorosa – e a Serra do Marão,
recoberta de neve, ora parecia o dorso dum monstro anti-diluviano,
forrado de prata, ora se assemelhava a um enorme puding
de creme, erguido na salva dos vales para tentar a guloseima dos anjos. No alto da gralheira, os serranos dormiam; só no
casebre do Palha, bruxeleava ainda o azeite das
candeias. Estavam desassossegados os anciães da Gralheira.
O enigma vivo, daquele homem, preocupava-os como uma ameaça. Era preciso
saber quem era, de onde vinha, porque se negava ao convívio dos outros homens
– e se ocultava, lá mais para cima ainda, sabia Deus em que covil – como o
lobo que fareja a vizinhança de caçadores. Grande devia ter sido o crime que ele cometera -
para assim proceder. Tinham no visto, pela primeira vez, mezes
antes, os pés encafuados nos sócos, galgando com
firmeza a serrania abrupta, com as mãozonas fechadas na escopeta. Passara sem
corresponder ao «Deus o salve» da gente da Gralheira; e desaparecera sem
deixar vestígio até que, uma semana mais tarde, descera de novo ao lugar,
pagando com peças de caça, outros alimentos que necessitava. E estas visitas, repetiam-se com frequência – sempre pela calada da
noite… A carranca do desconhecido não era para graças. Poucas eram as
palavras que saiam dos seus lábios; e essas, pronunciava-as com tal altivez,
que fazia curvar as espinhas menos flexíveis. Intrigados pelo mistério, os serranos tentaram descobrir,
ao menos, em que bloco de granito cavara ele a sua residência. Segui-lo era
uma temeridade para a qual não sentiam coragem. Mas as pegadas deixadas sobre
a neve podiam guiá-los até à casa do desconhecido. Vã esperança! O desconhecido era matreiro e
defendia ferozmente o seu enigma. No regresso calçava os sócos
ao contrário – e não houvera forma de atinar na confusão das pegadas, que se
cruzavam e não conduziam a lugar algum. – Deve trazer morte de homem às costas!
Profetizava o Palha. E é um risco para todos nós a sua vizinhança.
Precisamos, custe o que custar, descobrir o seu refúgio… e como nenhum dos
seus ouvintes parecesse disposto a acudir ao chamamento do ancião, este
ofereceu os seus filhos: – Não existem, nestas cercanias, moços mais
valentes e destemidos! - afirmou, orgulhoso. José, Henrique e Sancho não
tremem nem que se lhes apresente um dragão no caminho. Um deles irá descobrir
o paradeiro do desconhecido. * Fora no mais alto píncaro da Gralheira, muralhado
por blocos de granito, que Policarpo de Azevedo se instalara. Razão tinha ele
ao pensar que o negro exercito de esbirros que o perseguia não iria ter com
ele… Entrincheirado como estava facilmente se defenderia de quem ousasse
ataca-lo. E ainda hoje, passados cento e sessenta anos, aquela fortaleza
natural garante a mesma resistência, a quem nele se refugiar. Policarpo de Azevedo, filho bastardo do Duque
d’Aveiro, fora de todos os implicados na conjura contra el-rei D. José I – o
único que escapara às garras do marquez. No
patíbulo de Belem, palco do sangrento grand-guignol, os verdugos tiveram de concentrar-se em
executa-lo – in-sfing. As proezas que Policarpo de Azevedo empreendera para se
escoar em Lisboa, escapam às imaginações mais férteis… Existe, nessa aventura
emocionante, heroismo, ousadia, argucia, agilidade
e sobretudo, inteligência. Vivera em caves, saltara muros, transfigurara-se
dezenas de vezes – uma delas, queimando o rosto com água forte – e atingiu,
ao fim de longos mezes de agonia e angustia o cume
da Gralheira onde ninguém viria busca-lo. De dia e noite a escopeta não o largava. Os
serranos eram curiosos; a curiosidade cegava a própria covardia; e Policarpo
estava disposto a vender caro a sua liberdade. Naquela madrugada uma extranha
pezadez caíra sobre o seu sono. Os seus ouvidos,
tão sensíveis, não o avisaram da aproximação do intruso. E quando o ruído dos
sócos o despertaram, já o espia se afastava da casa
de granito, pulando de fraga em fraga, em saltos que o assemelhavam à
elasticidade de uma lebre. Disparou a escopeta; e os seus olhos, que
possuíam a agudeza do lince, julgaram ver o bisbilhoteiro, prostrado para
sempre. Ele caíra, mas a ferida não era grave porque logo se ergueu… O chumbo
devia ter-lhe atingido o braço direito porque, pendido este, ao longo do
corpo, agitando apenas o esquerdo procurava o equilíbrio, nos seus
acrobáticos pulos. Policarpo compreendeu que era preferível a
perseguição ao crime… As suas pernas não possuíam já a agilidade das do
perseguido, que muito mais jovem devia ser. Mas chegara a tempo de agir e
impor-lhe o silêncio… * Policarpo só o perdeu de vista nas proximidades
da Gralheira. E quando entrou nas vielas negras do lugar, viu ainda uma luz a
apagar-se. O espia ali devia ter entrado e assoprara a candeia para não
deixar rasto… Mas não fora a tempo… Policarpo sabia já que era em casa dos
«Palha» que ele devia ir bater… A escopeta vibrou, por três vezes, ruidosas
pancadas na grossa porta de carvalho. Por fim, a luz foi acesa de novo. – Abram! Obedeceram-lhe; e quando Policarpo entrou viu, em
redor da mesa, os cinco anciães e os três filhos de Palha: o José, o Henrique
e o Sancho. Os anciães não teriam ousado a caminhada até à casa de granito,
naquela noite de invernia. Um dos três moços teria sido… Qual? Em todos os rostos se refletia, numa crispada
expressão, o terror que ia n’alma. Uma estranha covardia os paralisara a
todos. Para tirar desse pânico o efeito preciso, que era o de impor o
silencio, necessitava Policarpo agir com rapidez. Fitou, um por um, os três jovens. Depois
dirigindo-se ao mais velho, a José, exigiu: – Traz para mim, para ao pé da porta, aquele
cadeirão… José, humildemente, correu a buscar o cadeirão
pedido e erguendo-o veio coloca-lo onde o fugitivo mandara. Policarpo dirigiu-se então ao mais novo – a
Sancho, e ordenou-lhe: – Agora tu vae pôr o
cadeirão onde ele estava! Extranharam todos aquela misteriosa contra ordem, mas Sancho não a discutiu.
Pegou, com ambas as mãos no cadeirão e levou-o para o seu lugar primitivo. E
mal cumprira a exigência, já Policarpo, dizia entre risadas: – Julgavam que era fácil enganarem-me? Que tolos!
Eu já sei quem foi o espia que quis saber onde era o meu refúgio. O espia só
podia ser … . Raciocinem! Releiam
as linhas a “itálico”… e resolvam … NOTA: Foi mantida, nesta transcrição, a grafia da época.
EPISÓDIOS DA VIDA DE REINALDO FERREIRA "Em
1917, com dezanove anos, Reinaldo
Ferreira arrepia os lisboetas com o crime, tão tenebroso quanto inexistente, da
Rua Saraiva de Carvalho, que metia malfeitores encapuçados, um presumível
cadáver e um vilão, apropriadamente designado como "o homem dos olhos
tortos". A história veio a lume no '"Século", em forma de
cartas enviadas "por um desconhecido", que se assinava Gil Goes. E
a coisa atingiu tais proporções que o jornal achou prudente revelar o
embuste. Mas o folhetim, finalmente assumido como ficção, prosseguiu até ao
seu desenlace, e não tardou a transformar-se em livro! “O Mistério da Rua
Saraiva de Carvalho" - que Leitão de Barros tentou mesmo adaptar ao
cinema com o título "O Homem dos Olhos Tortos”. Segundo Joel Lima,
minucioso biógrafo do Repórter X e autor de um extenso prefácio à edição
conjunta das suas histórias do "Dr. Duque, o Cartomante do Raciocínio"
- uma espécie de Nero Wolfe "avant la lettre" -, a
Cinemateca Nacional conserva ainda mil metros de película rodados para este
abortado projecto? * * * * * NOTA sobre os “PRIMÓRDIOS”: “Os
Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa”
é um projecto que temos há já algum tempo para
corporizar em livro - que, por circunstâncias várias, não foi ainda possível
editar. Entretanto surgiu a possibilidade de o divulgar, como pré-edição,
nesta “Página” — o que vimos fazendo desde Setembro último. Porém, com uma
alteração de estrutura entre as duas publicações, que ora nos propomos
referir. Até porque os leitores desta Página estranharão que, sendo encimada
pelo título “Primórdios da Problemística” só depois
encontram contos/problemas de Reinaldo Ferreira - “Repórter X”. Estes, que de
facto também integrarão o livro (na sua última parte, como anexo) e aqui
beneficiam de prioridade por entendermos que, aqui, concitarão dos leitores
mais interesse de que a história dos Primórdios. Durante
anos persistiu a convicção de que o início da problemística
policiária conhecera o seu início, na década de 40, nas páginas da Revista “Detective”. Entretanto, graças à notável colaboração de policiaristas como Dr. Joel Lima e João Artur Mamede
ex-Presidente do extinto Clube de Literatura Policial e profundo conhecedor
deste género literário, o primeiro, e responsável pelo Arquivo Histórico do
Policiário Português, o segundo, veio a confirmar-se a existência de duas
anteriores experiências de problemística
policiária: em 1929, no “Notícias Ilustrado” suplemento do “Diário de
Notícias”, com uma secção dirigida por L. Figueiredo, e antes ainda, em
Fevereiro de 1927, no “Primeiro de Janeiro” com a publicação dos “50 Contos
Misteriosos” (na verdade contos problemas, submetidos a concurso competitivo
de decifração sob o título “O Leitor é Sherlock Holmes?”,
da autoria do já então famoso Reinaldo Ferreira - “Repórter X”, que estamos
agora a republicar. Estavam
assim, com mais rigor, fixados os “Primórdios da Problemística
Policiária Portuguesa”. E
porque entendemos que a publicação destes enigmas poderão concitar mais
interesse aos leitores comuns deste jornal que a história dos Primórdios,
decidimos assim que os desafios daquelas duas primeiras iniciativas - os de
Reinaldo Ferreira e os de L. Figueiredo - que irão ocupar a última parte do
livro - fossem primeiramente divulgados.
Fontes: Secção
Correio Policial, 19 de Março de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 15 de Janeiro de 2025 | Luís Rodrigues |
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