22 de Março de 1957. É publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”, orientada por Jartur – curiosamente, por lapso tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”.

Domingos Cabral, com 15 anos completados recentemente, responde ao problema naquela inserido – “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do “Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos.

Sabendo, por isso, que era habitual o uso de pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um, acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido pelo Autor (Jartur), após resolver o caso, dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”… De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho…

In Mundo dos Passatempos, 1 de Setembro de 2007

 

 

 

 

 

 

Correio Policial, 16 de Outubro de 2020

 

 

PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a editar)

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CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER X”

Jornalista, novelista, dramaturgo e realizador cinematográfico.

Aos 12 anos começou a fazer jornalismo, revelando logo o seu gosto pela aventura, não escrita como vivida. Com tão pouca idade iniciou a sua carreira jornalística, enviando crónicas aos jornais espanhóis. Tão grande era o mérito que elas revelavam que foram imediatamente aceites e publicadas.

Em 1914, apenas com 17 anos, no jornal lisboeta A Capital, inaugurou a imprensa portuguesa a secção de Cinema.

Em pouco tempo, três anos depois, era com o reconhecimento unânime dos seus colegas, considerado o primeiro repórter português, fama que conservou até 1935, ano em que faleceu.

A sua inventiva, a sua audiência, o seu poder extraordinário de realização, o pitoresco da sua prosa, guindando-se à altura dos mais afamados repórteres europeus e americanos, revolucionaram o jornalismo português.

Passando a Espanha, ali escreveu centenas de novelas policiais e grande número de reportagens em série, obtendo assombroso êxito naquela em que revelou o que foram na vida real heróis dos folhetins.

Foi colaborador, em Paris, do Paris Soir e outros jornais e director da Agência Americana. Mais tarde, dirigiu os serviços desta agência em Bruxelas, Barcelona e Madrid. Durante o tempo em que esteve na Bélgica colaborou no jornal Le Neptune.

Como realizador cinematográfico, foi também notável a sua actuação. Iniciou-a em Espanha, como assistente do famoso actor e realizador inglês Aurélio Sidney, que ali realizou El Léon e outros filmes de grande nomeada.

O seu génio aventuroso levou-o a correr os riscos de realizar como argumentista, encenador e director, os filmes O Groom do Ritz, Táxi 9297, Rito ou Rita, e ainda pequenas comédias, com artistas portugueses.

Escreveu para o teatro A Dama do Sud, peça extraída de uma novela sua, primeiro publicada em espanhol, O Homem da Cabeleira Branca, que se estreou, com grande êxito, no teatro do Ginásio; no Teatro Nacional, conseguiu fazer subir à cena drama 1808 - Junot, também com grande sucesso, e no Teatro Apolo a peça O Táxi 9297, baseada no filme do mesmo nome.

Em 1935, representou-se com muito agrado outra peça da sua autoria, no teatro S. Luís: O Homem que Mudou de Cor.

Esta peça era uma adaptação em 4 actos de uma novela sua, Blanco y Negro, publicada em espanhol.

O pseudónimo com que assinou muitas das suas produções e que deu o título a um semanário, que dirigiu – REPÓRTER X – celebrizou-o e entrou na história do jornalismo português onde ocupa lugar de indisputável relevo.

*

CONTOS MISTERIOSOS Nº 3

A LOUCURA DO GRAN-DUQUE DE HOLBERG

No dia 28 de mês passado os jornais publicaram o seguinte telegrama:

“Com setenta e oito anos de idade, faleceu ontem, no seu castelo de Waydmak, o gran-duque Nicolau de Holberg. Desde 1914 que o gran-duque se encontrava gravemente perturbado das suas faculdades mentaes.”

E, ao ler o telegrama da Havas, recordei a emocionante aventura que Guilhermina de Holberg, filha do gran-duque, heroe ficára…

*

Fritz, o homem de confiança do gran-duque, entrára no gabinete do amo, pálido e ofegante.

– Que tens tu?

– Acabo de abrir a porta do quarto de Sua Alteza Guilhermina para lhe levar o almoço – e constatei que Sua Alteza não estava no quarto… Sua Alteza fugiu…

Ergueu-se o gran-duque e o seu corpo agigantado parecia crescer mais ainda, no impulso da cólera.

– Tu mentes, Fritz. A minha filha não podia fugir do quarto. Não existe gazua que abra a porta nem ombros que a arrombem… Pela janela tão pouco é verosímil supor que ela me escapasse… Mais de quinze metros a separam do solo do parque – e Jones, que estava encarregado de vigiar essa ala do castelo, não era homem para adormecer ou ficar vencido ao primeiro ataque. Em cem quilómetros em redor não se encontra corpo melhor musculado nem bruto tão feroz.

Sua Alteza fugiu pela janela! – garantia Fritz. Alguem, muito ágil, a ajudou a saltar para a copa de uma árvore, erguida em frente ao quarto e a descer pelo tronco, até ao parque. Quanto a Jones, encontrei-o caído de borco, sem sentidos e golfando sangue. Forte devia ser o cavalheiro que o socou, para ele ficar em tal estado…

*

Fosse pela acumulação de degenerescências que herdara no sangue, fosse pelos excessos de álcool em que se queimava desde as primeiras orgias da mocidade – o gran-duque vivia num permanente estado epiléptico. Necessitava martirizar, fazer mal, fazer sofrer – para conseguir a acalmia dos seus nervos furiosos. Expulso da côrte com escândalo, sem amigos, com uma criadagem da sua laia – restava-lhe, apenas, um ser humano para aguentar-lhe as suas tiranias de louco: Era a sua filha Guilhermina, vinte e dois anos loiros como os Khremilde e melancólicos como os de Ofélia. Fizera da pobre princesa a alimentação da sua ância de ódio. E não se contentava a maltratá-la, zurzindo-lhe a carne com os mesmos látegos com que castigava os “bulldogs”… Trazia-a encarcerada, na estreiteza de um quarto, no último andar, de onde só saía quando enviados do imperador visitavam o castelo… Nesses dias o gran-duque representava a comédia do bom humor e da tolerância e obrigava a filha, sob ameaças de morte, a torturar-se com fingimentos de alegria e de felicidade.

*

Quinze dias antes do rapto, chegou ao castelo o conde Rodolfo Warner, da melhor aristocracia do gran-ducado – um rapaz precocemente envelhecido, de peito côncavo e de magreza aflitiva dos galgos, fraco de nascença e condenado pelos médicos – mas em cujo olhar triste se adivinhava um enorme tesouro intacto de ternura e de generosidade. O gran-duque não pudera recusar hospitalidade àquele ainda parente seu, que andava em cura de ares. Na semana seguinte, um novo hóspede veio pedir o abrigo do castelo: foi Carlos Labreg, mais rico do que fidalgo, antítese gritante de Rodolfo, que se aproveitara de uma longínqua amizade de seu pai com o gran-duque para lhe pedir licença de caçar os veados da mata de Mackford.

Carlos era mais novo do que Rodolfo – e duma corpulência invulgar. A sua força só era comparável á sua agilidade. Leviano e ruidoso, parecia apenas habituado às frequências dos campos de sport. O gran-duque suspeitou-o espia do imperador – e cedeu-lhe a hospedagem pedida.

*

Como sempre, a princesa Guilhermina desceu da sua cela doirada para mentir aos visitantes a alegria que o pai não lhe permitia nos outros dias. Temeroso de um desfalecimento, de uma meia confissão, o gran-duque fazia a vigiar por Fritz e por Jones. Ambos vinham dizer que Guilhermina se afastava muito do castelo, na companhia dos dois jovens.

– Deixa que eles partam: tu amargarás a tua desobediência!

E a ameaça do pai soou aos seus ouvidos, como uma sentença de morte. E ela, que tanto pedira a Deus o indulto da vida que tão pesada lhe era, chorou aflitivamente a condenação. Guilhermina já não podia morrer. Guilhermina amava. Anciava as doçuras da liberdade e da ventura – da ventura sã, forte e duradoura…

*

O gran-duque não titubeou na sua acusação. Rodolfo ou Carlos era o autor do rapto. Tinham partido na véspera, juntos, sob o pretexto de uma excursão, e ele bem os estranhara, á hora da despedida. Mas qual dos dois seria? Qual dos dois devia cair, picado pelas balas dos seus cúmplices? Qual dos dois teria praticado aquela proeza quasi acrobática da árvore? Qual dos dois teria vencido a sôco o hercúleo Jones? Jones não o podia elucidar. Surpreendido no meio da noite, tentara defender-se; mas um soco, atirado contra o peito, lhe esvaziara a consciência…

Um sôco ass’im nunca apanhei na minha vida!

Todo o ódio do gran-duque ardia, em bílis, agitando-o numa inquietação tal, que os seus criados mais íntimos se foram refugiar nas caves. Eles bem sabiam até que extremos o podia levar a cólera… E por isso, quando cêrca do meio-dia, o carteiro chamou à porta do castelo, foi ele próprio que teve de ir buscar a carta que lhe traziam – e a carta que devia, naquela mesma noite, encerrar para sempre o seu cérebro no presídio negro da loucura.

Era a explicação do enigma – e dizia assim: “Tranquilo com a minha consciência, porque (embora contra as leis) libertei das garras do verdugo a princesa Guilhermina – venho avisá-lo voluptuosamente guloso do seu desespero, que dentro de três dias me casarei com a sua filha. Nem o seu ódio, nem a sua influência poderão impedir-me de ser o marido de Guilhermina – porque, dentro de três dias, atinge a maioridade”.

Uma penumbra, precursora, da grande noite do seu espírito, lhe toldara a vista. Aproximou mais dos olhos esgazeados a carta, e leu o nome que a assinava. Esse nome era…

Quem venceu o hercúleo Jones? Quem trepou e conseguiu raptar Guilhermina?

Raciocinem, releiam com atenção os períodos a itálico, encontrem quem raptou Guilhermina entre os personagens do conto.

NOTA – Foi mantida neste Conto – tal como acontecerá com os próximos desta série – a ortografia da época (1927).

    

 

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Fontes:

Secção Correio Policial, 16 de Outubro de 2020 | Domingos Cabral

 Blogue Repórter de Ocasião, 15 de Fevereiro de 2024 | Luís Rodrigues

 

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