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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido
– “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à
modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do
“Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 23 de Outubro de 2020 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 6 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONTOS MISTERIOSOS Nº
4 A ENVENENADORA DE SINGAPURA
Chamava-se
o nosso cônsul em Singapura, nesse ano de 19…, Alfredo David e era um
recém-chegado à carreira. Jovem, sedento de vida e de aventuras, com a
imaginação fermentada pelos cronistas andantes da Ásia, ele puzera a sua mocidade, anciosa
e ardente, ao serviço da sua curiosidade. Naquela
tarde, á hora em que o sol arrancava do casario os últimos espelhamentos,
Sebastião Ferraz, negociante algarvio, instalado havia muitos anos em
Singapura, procurou o seu cônsul. Mas o boy que fumava, sonolento, á entrada
do consulado, comunicou-lhe, maldoso: –
O sr. David está a levantar-se… Deitou-se já de
manhã… Quando
o cônsul recebeu Sebastião Ferraz no seu gabinete, o velho comerciante
avisou-o, com interesse paternal: –
Tenha cuidado, David, você é muito novo e não conhece a terra onde está. Eu
tenho quarenta anos de Singapura… Essas burguezinhas
amarelas, de olhos misteriosos, que são de fácil conquista – teem, para você, um encanto perturbador e entonteem-no. Você persegue-as, transformam o seu coração
em estalagem – e não vê o perigo que se adensa sobre a sua cabeça. Não me
refiro ao perigo da louca resolução de se casar com uma mulher desta raça,
nem ao da paixão, nem ao do castigo dos papás dessas burgezinhas
quasi anãs que aprenderam, com os felinos, os ares
e a astúcia. O perigo não são os homens: o perigo são elas próprias. Fáceis
de conquistar, exigem, do amor passageiro dos estrangeiros, um compromisso
eterno. Tudo lhes perdoam – menos a traição ou o abandono. Quando compreendem
que o estrangeiro que amam as atraiçôa – o amor
transformava-se em fria selvagem: desfaz-se a galvanização civilizada e fica
apenas a asiática primitiva, usando de toda a sua sciência
e de toda a sua crueldade para castigar o traidor… David
reflectiu um pouco, e respondeu: –
Não tenha receio, as minhas heroínas não se conhecem… Sou previdente… –
Apesar de previdente, deixa prolongar as suas orgias pelo dia adiante… –
Já sabe da minha noitada? – exclamou, rindo-se. –
Não tem importância. A rainha das minhas orgias de agora é a “Bela Leontina”,
bailarina espanhola que depois de amanhã embarca para Hong Kong… *** Duas
horas depois, um vulto magro e serpentino deslisou, como uma sombra, pela
casa de David. –
És tu, “Flôr do Sol”? És tu? E
a “Flôr do Sol”, humilde como uma escrava, deixou-se arrebatar pelas carícias
do amante. –
Amas-me? – indagou ela. –
Como no primeiro dia. –
Só a mim? –
Só a ti. –
Pois bem… Nenhum homem foi até hoje amado por uma mulher como tu o és por
mim. Queria que tu me mandasses afogar nas águas do mar, para teres a prova
do meu amor. *** Quando
a “Flôr do Sol” saía da casa de David, o boy segredou-lhe: – –
Ámanhã á noite ele ceia com uma estrangeira no
Club-Kursaal… E
o enigma, inexpressivo dos olhos da “Flôr do Sol” esclareceu-se por uns
instantes, iluminado pelo lampejo do ódio. *** Na
manhã seguinte David foi visitar Mimosa “Mok Po”, a filha do mais rico curandeiro e hervanário indígena de Singapura… Esperou que o pai
saísse, chinelando as suas pantufas negras, para saltar o renque de árvores
liliputianas que vedavam o jardim. A mimosa “Mok Po” cortava do prado minúsculas flores vermelhas que ia
guardando numa caixa de madeira. Mas ao vê-lo surgir, como que por milagre, a
seu lado, deixou cair a caixa e as tenazes com que arrancava as flores da
terra e estendeu-lhe os braços, que tenazes pareciam também, na ancia de apertar o estrangeiro. –
Amas-me? –
Amo-te tanto que só a ti posso amar… –
Não mentes, estrangeiro? –
Não minto… Mas… prudência… Podem vêr-nos… –
Não te importes. Se tu só a mim queres, o nosso amor é sagrado. E
David, num exagero de galanteria que trouxera de Portugal, quis apanhar as minúsculas flôres rubras, entornadas na caixa. “Mok Po” conteve-o, assustado. – Não lhes toques com as mãos. – Porquê? – Porque não!... É com essas flores que meu pai
faz as suas drogas… *** Naquela
mesma tarde o boy do cônsul portuguez veio ganhar a
gratificação de uma denúncia; –
Ouve mimosa “Mok-po”: ele ceia esta noite com uma estrangeira no Club-Kursaal. *** O
creado inglez bateu três
vezes à porta do gabinete em que David e “Bela Leontina”» ceavam. Em vez de
resposta escutou um grunhido aflictivo. Entrou, e
viu estendidos no chão, convulsionados por uma espantosa agonia, os dois
jovens que horas antes tinham entrado
no “Club Kursaal”, rindo, felizes,
despreocupados. Quando a polícia e o médico chegaram já na
garganta da “Bela Leontina” se ouvia o glu glu agónico. O médico legista não teve dificuldades em diagnosticar um envenenamento fulminante. Mas
David falava ainda quando o seu compatriota, o velho Ferraz, ocorreu ao
hospital. –
Antes de nos servirem a ceia, fomos passear pelo terraço. Ao voltar ao
gabinete vi ainda um vulto de mulher passar, rápido, junto à janela
escancarada. O vinho tinha um sabor estranho… Depois… depois… Ferraz,
impaciente, pediu-lhe: –
Coragem, David… Reconheceu essa mulher? – Ela passou
rápido, como uma visão – eu reconheci-a. Era… Quem
matou Alfredo David? Quem
dispunha de meios para envenenar o vinho que o cônsul portuguez
e a bailarina espanhola ingeriram? Raciocinem,
leiam as frazes sublinhadas, encontrem a
“Envenenadora” entre os personagens do conto… (Foi
mantida nesta reprodução a ortografia da época – 1927) Primeira
fotografia de Reinaldo publicada na imprensa: a que ilustrou a crónica “O problema da
mendicidade – Quanto rende a esmola em Lisboa?” (O Mundo,
28/03/1918) REINALDO FERREIRA, “MENDIGO”… Pouco
depois do princípio da Grande Guerra, quando na literatura e no jornalismo, o
espírito romântico da boémia literária dourava com as perspectivas
do sonho e da aventura negras horas e dias de miséria, um destes sonhadores
descia, ao luso-fusco, o Chiado e é abordado por um
simpático mendigo. –
Não lhe posso valer – disse o interpelado. E na camaradagem de desgraça,
acrescentou: –
Também eu, a estas horas, ando à procura do almoço de hoje e do jantar de
ontem… –
Então, espere aí – respondeu o mendigo – Disfarce “as coisas” e… tome lá para
o almoço… Sou sempre camarada! –
Mas eu é que não sou camarada de você – replica, cheio de dignidade, o poeta
boémio. –
Não negues, tôlo – retorquiu o mendigo. Não digas
que me viste e não recuses o auxílio de um camarada que muito te admira. Dito
isto, deu-se a conhecer. Era
Reinaldo Ferreira, que, disfarçado de mendigo, andava realizando uma das suas
reportagens sensacionais!
Fontes: Secção
Correio Policial, 23 de Outubro de 2020 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 29 de Fevereiro de 2024 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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