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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido
– “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à
modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do
“Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 30 de Outubro de 2020 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 7 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONTOS MISTERIOSOS Nº
5 A REVOLTA DOS DEGREDADOS
Helena, que até então tinha vivido no
esplendor calmo do Rio de Janeiro, casara-se havia oito meses, com Oscar da Cunha, um moço de vinte e cinco anos, que
conquistara, pelo próprio esforço, as divisas de capitão do exército e a fama
de bravura. Mas
era pobre, o capitão Oscar. Pobre e orgulhoso.
Recusara-se a receber o dote que o sogro, milionário do Rio, queria oferecer
à filha. E daí servir nas fileiras do exército para manter, com relativa
comodidade, a mulher que desposara. E daí, também, o ter aceite,
sem recalcitrar, aquela missão de ir dirigir e guardar a colónia penal de Bambiano, lá para as entranhas selváticas do Amazonas. Bambiano não era, positivamente, um clima
para temer. Chamavam-lhe “Bierritz” do tropico. Mas
todo o temor que inquietava os nervos sensíveis e medrosos de Helena era os
habitantes da colónia… A justiça seleccionava,
entre os mais sanguinários heroes do banditismo do paiz, os degredados de Bambiano.
E a ideia de que ia viver, cercada pela colónia penal, afligia a imaginação,
até certo ponto ingénua, de Helena, como se a condenassem ao abandono no meio
de uma floresta povoada de feras. Havia
já um ano que o capitão Oscar comandava a colónia
penal de Bambiano e nítida era já a sua influência.
Ele viera encontrar cerca de quatrocentos presos, “azes” da criminologia
nacional guardados apenas por trinta soldados. E estes, conscientes da sua
fraqueza, tinham ido transigindo até tal disciplina que não era para
surpreender que um belo dia os condenados se armassem em juízes e verdugos dos
seus vigilantes… O
capitão Oscar tivera de usar de severidades, por
vezes cruéis: mas a onda ameaçadora que se alastrava por toda a colónia,
minguou de novo. Era normal que os degredados o odiassem – mas todos se
curvaram, acovardados, á sua passagem. * Não
era divertida para Helena, aquela instância em Bambiano.
Estava ela habituada á vida frívola e divertida da capital – e ali a sua
convivência limitava-se às senhoras dos poucos oficiaes
da colónia e às famílias dos comerciantes que negociavam com os caçadores das
florestas vizinhas. Apesar
de tudo, o temor doentio que Helena sofrera por Bambiano,
á distancia ainda da partida, não diminuira do que
sentia agora, após um
ano de residência. Pelo contrário, á medida que ia conhecendo a
biografia dos degregados – mais se agravava a sua
angústia nervosa. Este cometera quatro mortes; aquele chefiava bandoleiros;
aqueloutro estripara uma criança de cinco anos… Havia
um, entre os quatrocentos condenados, que se sobrepunha, no seu medo, a toda
a colónia: o “Quiruja”… “Quiruja” era um mulato gigante, mui próximo parente, pela
semelhança física, ao orangotango. Bandido desde os quinze anos,
especializara-se no estrangulamento… As suas vítimas eram, principalmente,
mulheres. Uma espécie de Jack – usando as garras em vez da força… O
seu comportamento na colónia era exemplar. Confessava o seu desejo de
conseguir de Deus, o perdão para os seus crimes, para gostar no céu, o que já
não lhe era permitido esperar na Terra. E o capitão Oscar,
interessado pelo arrependimento do facínora, destinára-o
a trabalhos especiaes, de seu ordenança ao seu
serviço. Helena,
quando o via entrar em casa, especava-se, toda tremula, como se fosse a morte
que lhe aparecesse… Bem podia o “Quiruja” abemolar
a voz e suplicar que não tivesse medo dele… Bem podia o marido rir dos seus
temores e afirmar que o “Quiruja” se tornára inofensivo. –
Não posso… – dizia ela. É superior às minhas forças… Às vezes surpreendo-o a
fixar-me com um tal olhar, que penso que ele vai saltar sobre mim e
estrangular-me. *
Oscar fardou-se com a velocidade dum fragoli e tranquilisou a
esposa. –
Nada temas… Em eu lá chegando tudo abrandará… Guimpiro
fica longe… Em todo o caso aí deixo uma pistola. A
solidão em que se quedara era uma suprema angústia para a medrosa Helena.
Correu a fechar todas as portas, a apagar as luzes e começou a passear, num vai-vem inquieto, choramingando em silencio…
Perto das duas da madrugada, uma brusca gritaria a despertou… Aproximando-se
da janela assistiu a um espectáculo… Um grupo de
degredados invadira uma casa visinha pertencente á
família dum comerciante. Os dois únicos homens da casa estavam caídos de
borco, golfando sangue… E as mulheres eram arrastadas pelos assaltantes que
as tiravam pelos cabelos num berreiro de alienados em furia…
* Continuava-se
a ouvir o ladrar distante da fusilaria… Os guardas
da colónia lutavam ainda… Contudo era evidente que alguns degredados, mais
apressados, tinham conseguido furar as fileiras dos soldados e iniciaram
assim, livremente, as proezas em Bambiano. Os
nervos de Helena já não podiam brilhar mais… Aqueles vinte minutos de
sofrimentos, de angústia, de tortura muda – tinham-na cançado,
como uma corrida de quilómetros. Assentou-se como pôde e deitou-se no leito
como um suicida se lança às águas do mar. E
– fenómeno paradoxal: – o seu adormecer foi fácil e rápido… Um sono estreito,
um sono sem sonho, se fechára sobre o seu espírito…
Quanto tempo estivera neste estado quasi
cataléptico? Não o sabia… De
súbito as suas pálpebras sentiram a necessidade de erguer-se… Uma fleixa de luar, riscando as trevas do quarto, vinha
cocegar-lhe os olhos… E viu então que a porta se abria, mui lentamente, ao
impulso de duas mãos. E que a fleixa de luar se
dilatava pouco a pouco. Teria
chegado a sua última hora – ou a hora do maior enxovalho? E nesta última
ideia convulsionou-a mais do que a primeira. Recordou-se,
como que por milagre, do que o marido lhe dissera, no momento da partida… A
porta fechára-se: o luar desaparecera – e na
negrura do quarto ouviam-se passos cautelosos… Helena
não hesitou. Estendeu o braço, tateou sobre o tampo da mesa
de cabeceira e ao encontrar a pistola, disparou às cegas – até á
última bala. Um grito de morte alfinetou o silêncio da madrugada. * Durante
alguns segundos Helena não pôde mover-se. Depois mecanicamente saltou do
leito e acendeu a luz. E então, ao reconhecer o intruso, caiu de joelhos,
muda e pálida, como uma louca em transe de mística dôr.
Ao seu lado jazia o cadáver de… * Quem
podia ser o invasor do quarto de Helena? Quem foi que Helena matou? Que
significa o gesto de terror que ela lançou? (NOTA: Foi
mantida, na transcrição deste Conto, a ortografia da época (1927).)
Fontes: Secção
Correio Policial, 30 de Outubro de 2020 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 15 de Março de 2024 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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