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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido
– “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à
modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do
“Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 13 de Novembro de 2020 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 9
CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 7 O DITADOR CABRERA Eram
cinco horas, e a redacção da Agência Americana
estava apinhada pelos “habitués” que vinham todas as
tardes folhear as gazetas recem-chegadas á Europa,
saber as “últimas” irradiadas pelos cabos e discutir a politiquice daquela
ninhada de repúblicas do outro Continente. A
Agência Americana era uma organização de serviços de reportagem
transatlântica que eu dirigia, em Paris, naquele ano de 1920. Compunha-se de
três salões, monotonamente doirados, com móveis de estilo império - e uns
fogões que o contínuo, com um feíissimo vestal,
atafulhava de carvão, de manhã até á noite. Toda
a semana fôra muito atarefada para os redactores da Agência. Entrevistas, reportagens sobre os epartakistas de Berlim, e boatos de graves alterações nos Estados da América Central. Para esquivar-se á serraise dos visitantes, fechei-me no meu gabinete, sob a
padunagem de um retrato do presidente Epitacio, do Brazil,
dependurado na parede fronteira á da secretária. Ficaram comigo apenas três
visitantes: o escritor de Guatemala, Angel de Morales, exilado em Paris pela tirania do dictador do seu paiz, o feroz
presidente Estrada Cabera; o jornalista francez Jacques Marigny – um “blaguer” cheio de talento e de mandreice,
capaz de perder um dia inteiro, em palestras estéreis e deitar-se sem jantar;
e Rubem Tovar, outro cidadão da República de Guatemala, cuja vida,
dispendiosa e inactiva, constituía um mistério para
todos os seus compatriotas que o sabiam filho de uma família modestíssima. Eles
falavam a meia voz, para não me distraírem do trabalho; e enquanto eu,
manobrando simultaneamente a tesoura e o pincel de cola, ia organisando o serviço para a imprensa parisiense, deixei
que coassem pelo meu espírito frases soltas dos três conversadores – frases
que depois me haviam de orientar no labirinto deste verídico episódio. Falava-se
da situação política de Guatemala; e Angel, atacado
de fobia pelo presidente Cabrera, exclamava: –
Tão convencido estou que a minha pátria periga sob o despotismo desse sargentão sanguinário que seria capaz de praticar todas
as loucuras, todas as baixezas para o desmascarar ante o mundo civilisado. E
logo o outro, o Ruben, o da bohemia elegante, o da
misteriosa ventura, retorquiu: –
Não digas isso, Angel! Estrada Cabrera
é um político que sacrifica a sua reputação, porque quer impor a ordem ao
nosso Guatemala. Eu, pelo contrário, tudo sacrificaria, para os salvar dessas
situações em que os dictadores podem afundar-se,
como por um alçapão. Todos os homens estão sujeitos a erros – e um governante
mais do que ninguém… O que é preciso é esquecer esses erros, ocultá-los
mesmo, para que não sirvam de arma nas mãos dos estrangeiros. E
Marigny, tomando, com disfarce, uma pitada de
cocaína, comentou: –
Deixem-se de zangas… Não vale a pena! Vejam vocês se a vida me preocupa… Só
de tempos a tempos tomo interesse por um assunto, agito-me, mas é necessário
que consiga algum dinheiro, de um só golpe… *** …
Às seis e meia entrou no meu gabinete um novo personagem. Era um burocrata da
Legação da Guatemala – um catalão em cujo cérebro ardia, sem ele o confessar,
o rastilho das ideias marxistas. Ao dar com Angel,
com Marigny e com Ruben deixou que o rosto se lhe
crispasse, numa expressiva contrariedade: –
Que te traz por cá? – Indaguei… –
Nada! Nada! Só para te ver… Fonografou meia dúzia de banalidades e no
momento de partir, entregou-me uma folha de papel dobrada em quartos,
segredando-me: –
Não posso contar-te tudo diante desta gente. Lê e publica nos jornaes europeus. É a cópia dum telegrama cifrado que
chegou á Legação. Será o acto mais nobre da tua
carreira de jornalista. Coloquei
a folha sobre a minha pasta; pus a tesoura sobre ela á laia de pesa papéis –
e acompanhei o catalão até á escada. Quando voltei ao meu gabinete já não
encontrei nenhum dos tres grulhas. A tesoura estava
caída sobre o tapete. Li o papel. Nele estavam copiadas a lapis
tres notícias; o falecimento de uma dama mui
piedosa; o lançamento dum emprestimo; e a chegada
de um novo diplomata francez a Guatemala… E como
nenhuma das três noticias oferecesse matéria sensível á selecção
da imprensa parisiense, amarfanhei a folha que foi morrer á vala comum de um
cesto dos papeis. *** Três
dias depois, choquei-me com o catalão da chancelaria de Guatemala, numa
“terrasse” do Café Napolitaine. –
Parece impossível que podendo você salval-o - não quizesse fazel-o! – exclamou o
chanceler. –
Não o compreendo. Na folha que você deixou nada encontrei que merecesse a
minha curiosidade. –
Não diga isso! Eu copiei todo o texto do telegrama cifrado. Mas a última
parte do cabo referia-se á tragedia. –
Mas qual tragédia? –
A de Chocano! –
Chocano? Chocabo era – e
é ainda hoje, graças a Deus – o maior poeta das americas
espanholas. E além de poeta estava aparentado a Estrada Cabrera.
Casara-se com uma filha do dictador. E
o catalão explicou: –
Estrada Cabrera descobriu que o genro conspirava
contra ele. Enfureceu-se e condenou-o á morte. Deve ser executado dentro de oito
dias. A Legação quer guardar em segredo a notícia deste atentado vandálico
contra a maior alma do continente americano! Mas eu dei-lhe a copia da
informação para você tocar a sineta do alarme… Quando a Europa souber que Chocano, “el magnífico”, vai ser fuzilado, levantar-se-ha em pezo. Cabrera, que não empalidece ante qualquer chacina que
cometa dentro de Guatemala, acovarda-se ante a opinião estrangeira. Perdoar-lhe-ha pela certa. Mas, para isso, é preciso
publicar o telegrama secreto” *** Publiquei-o
na imprensa franceza. A opinião europeia foi electrizada. Todos os intelectuaes
do mundo protestaram contra o crime premeditado por Cabrera.
Em Portugal, Junqueiro, Aquilino Ribeiro e outros assinaram o manifesto. Chocano foi indultado e expulso da Guatemala. E quando
serenei, puz-me a reflectir
na escamoteação da notícia que o catalão me tinha deixado naquela tarde. E
pensei: o escamoteador só podia ser um dos visitantes que estava no meu
gabinete: ou o exilado Angel; ou o jornalista Marigny; ou o misterioso Ruben. Um dos três lêra o papel. Um dos três não quizera
que a notícia da condenação de Chocano aparecesse
na imprensa europeia. Um dos três pegara na tesoura e mui tranquilamente a
cortara e a fizera desaparecer. Mas qual dos três? Qual dos três teria interesse
nessa escamoteação? Sorri-me.
Encontrara o truc para fazer confessar o culpado.
Três comunicações telefónicas. –
Está lá? É você, Angel? É você, Marigny?
É você, Ruben? Olhe… preciso reunil-os para que se
aclare o assunto do desaparecimento dum telegrama do meu gabinete! Não posso
ser mais elucidativo, pelo telefone. Esteja cá, esta tarde, às cinco horas –
à hora do costume. *** E naquela
tarde, ás cinco horas, só dois apareceram. Um – o culpado – não teve a
coragem de se defrontar comigo. O culpado era… Quem escamoteou a notícia sobre Santos Chocano? Quem podia ter interesse em que ela não se
publicasse na imprensa franceza? Releiam o período
que se refere á conversa de Angel, Marigny e Ruben sobre a política de Guatemala, raciocinem
um pouco e encham o coupon: Nota:
Esta transcrição respeita a ortografia original.
Fontes: Secção
Correio Policial, 13 de Novembro de 2020 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 15 de Abril de 2024 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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