M. CONSTANTINO

(21.Abril.1925 – 30.Novembro.2019)

CALEIDOSCÓPIO 95

EFEMÉRIDES – Dia 4 de Abril

Stanley G. Weinbaum (1902-1935) – Stanley Grauman Weinbaum Weinbaum nasce em Louisville, Kentucky, EUA. É um escritor de ficção científica, que inicia a sua carreira com o conto A Martian Odyssey em Julho de 1934, na revista Wonder Stories (1929-1955), uma das primeiras a surgir no mercado norte-americano. O conto teve um sucesso estrondoso pela inovação e realismo com que é descrito o cenário extraterrestre. Weinbaum é de imediato considerado como o melhor escritor de Ficção Científica. A sua morte prematura faz com que a maior parte da obra literária deste autor seja editada postumamente. Tem trabalhos adaptados à rádio, televisão e cinema. É galardoado em 2008 com Cordwainer Smith Rediscovery Award, um prémio instituído em 2001 com que a Cordwainer Smith Foundation distingue os autores de fantasia e ficção científica. Uma cratera do planeta Marte tem o nome do escritor, uma curiosidade que demonstra a importância de Weinbaum.

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TEMA – BREVE HISTÓRIA DA LITERATURA POLICIÁRIA – 6

(continuação de CALEIDOSCÓPIO 74)

Estamos a findar os últimos anos da Idade Média e pouco existe de relevante para os antecedentes da narrativa policiária. Citamos duas fontes:

O Decameron de Giovanni Boccaccio (1313-1375), foi escrito, com muitas possibilidades, entre 1349 e 1353, constituindo a única actividade literária do autor. E mais uma recolha e adaptação de narrativas já existentes então, mas de procedência desconhecida. Ali um conto contém todos os ingredientes adstritos ao género policial hoje em voga, a que não falta o erro policiário, mistério e intriga, para culminar no duplo, temática esta bastante divulgada e apreciada.

Geoffrey Chaucer (1340-1400), que desempenhou cargos importantes na corte de Henrique II e Ricardo II, é um outro autor a citar. Os Contos da Canterbury (1387) formam um panorama completo da Inglaterra do Século XIV, distinguindo-se pela variedade dos temas, alguns totalmente originais, outros inspirados em Boccaccio ou em fontes francesas, porém todos diferentes, cheios de vida

Para o tema em questão, escolhe-se, entre outros igualmente prestáveis factualmente, a história do tesouro que, sob vistas diferentes, figura também no Novellino, uns famosos Contos de Canterbury acreditando-se recolhida de um exemplar anónimo do Século XIII pelo monge inglês Udo de Cheriton.

Havia em Flandres um grupo de jovens entregues a todos os excessos e loucuras possíveis.

Três desses libertinos encontravam-se a beber numa taberna, quando passou um funeral.

Um deles chamou o criado e disse-lhe:

– Corre a informar-te quem é o defunto.

– Senhor – respondeu o criado. – Não é necessário. Duas horas antes de chegares já se sabia que era um amigo vosso. Morreu repentinamente, bêbado, na noite passada. Foi um ladrão clandestino a quem chamam Morte e que assassina toda a gente. Tem matado mais pessoas do que a peste; seria conveniente tomar precauções!

– Tem razão o rapaz – disse o Taberneiro.

– É assim tão perigoso? – disse um dos libertinos – Pois mataremos esse falso Traidor a que chamais Morte.

E logo ali, os três juraram viver e morrer cada um pelos outros, até encontrarem o assassino.

Saíram. Começaram a procurar. Ainda não tinham andado meia milha quando encontraram um ancião que os saudou:

– Deus os proteja, Senhores!

O mais orgulhoso deles perguntou:

– Porque vives, se és tão velho? Porque tapas o rosto?

O velho mirou-o e respondeu:

– Senhor, porque percorri todo o mundo até à Índia pela minha velhice. Por isso sobrevivo, mas não é cortês da vossa parte desdenhar de um homem de cabelos brancos e que espera a todo o momento o sudário da Morte.

– Acabas de mencionar o nome do Traidor que assassina nesta terra todos os nossos amigos, deves ser um espia desse assassino.

– Bem, Senhores – voltou o ancião – se desejais falar com a Morte, percorrei esse caminho tortuoso e procurai aquela árvore…

Os três lançaram-se a correr, sem mais ouvir, direitos à árvore. Ali chegados esqueceram-se por completo da Morte, pasmados ante o espectáculo que lhes oferecia: um monte de famosos brilhantes e moedas de ouro.

Sentaram-se à sua volta.

Um deles, talvez o pior, disse:

– Irmãos, julgais-me mal, mas sou de bom juízo. A sorte deu-nos este tesouro para que vivamos entre diversões e alegrias, com a mesma facilidade do que temos feito. E uma oferta de Deus! Se pudéssemos transportar todo este ouro seríamos felizes. Mas a verdade é que não podemos levá-lo de dia, sob pena de nos tomarem por ladrões. A minha opinião é que devemos sortear entre nós quem irá à cidade e traga dissimuladamente pão e vinho e quando chegar a noite levaremos o tesouro como melhor pareça.

Tiraram à sorte e coube ao mais novo ir à cidade. Logo partiu.

Quando já ia longe: os que ficaram combinaram entre si o assassinato do outro, pois no repartir este dois poderiam atender a todos os desejos.

O mais novo, a caminho da cidade, não parava de pensar, imaginando o que faria com montes de riqueza, se ficasse com todo aquele tesouro. Por fim, o demónio inspirou-o a comprar veneno para matar os companheiros.

Foi ao boticário comprar veneno para ratos, sendo-lhe recomendado cuidado, pois qualquer criatura que dele tomasse um pouco morreria num instante, pois era eficaz e violento.

O jovem guardou o veneno, pediu emprestados três garrafas para levar vinho e em duas delas colocava o veneno.

Voltou para junto dos outros dois, os quais prontamente, como combinado lhe deram a morte.

Um deles disse:

– Pronto, está feito, agora vamos sentar-nos e bebamos um pouco. Depois enterramos o cadáver e levamos o ouro.

Retiraram uma garrafa, que por acaso era uma das que continha veneno, e beberam o conteúdo. De imediato caíram mortos.

Assim acabaram os dois homicidas e o falso envenenador.

O segundo e anterior capítulo, correspondente a um período dominado manifestamente pela ignorância e superstição, distinguiram-se, entretanto para a nossa causa: “Juízos de Deus”, uma directa aplicação da psicologia criminal moderna; espírito analítico no seu estado mais puro; valor da observação; sabedoria e perspicácia, lógica e dedução, astúcia; o trama dos duplos e, por fim, uma boa pitada de pré-novela negra e suspense que baste.

Historicamente atingem-se os finais da Idade Média e na literatura inicia-se a época dos grandes contistas e o movimento designado por Renascença.

No plano da justiça, a concepção germânica do direito, que prevalece até ao séc. XIV e compreendia a quase totalidade da Europa que se apregoava civilizada, é um direito na qual as partes gozam de iguais oportunidades, julgados divinamente, mas aplicada por pessoas que nada tinham de divinas, deu lugar ao direito canónico, influenciado pelo direito romano. O processo de inquisição junto dos Tribunais domina todo o Sacro Império Romano Germânico e espalha-se pela Europa. Os “Juízos de Deus”, cruéis sem dúvida, os duelos, deram lugar à tortura (aquilo que hoje se designa pela prática policial do “terceiro grau” e será uma sombra do passado já que se impunha que ninguém podia ser acusado sem confissão e era necessário obtê-la.

É incompreensível às mentalidades actuais como foi possível tolerar durante tantos anos os requintes de crueldade praticados, quando nem a desculpa da sua eficácia se lhe reconhecia!

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M. Constantino

In Policiário de Bolso, 4 de Abril de 2012

 

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