Autor

Agente Matwmbo

 

Data

Novembro de 1976

 

Secção

Enigma Policiário [8]

 

Competição

Volta a Portugal em Problemas Policiais

3ª Etapa

(Coimbra – Águeda – Aveiro – Porto)

 

Publicação

Passatempo [30]

 

 

 

 

 

 

 

O PORMENOR

Agente Matwmbo

 

Conhecia a fábrica de longa data. Surgira logo após a guerra, ao que sabia, e evoluira rapidamente. Tão rapidamente quanto caíra. Nascera da teimosia de um homem e por ela quase morrera. Mr. «Oldtimes», como era conhecido, era conservador por excelência. Era, digo bem. Porque Mr. «Oldtimes» estava morto. Assassinado! Conhecia a fábrica, repito. Daí a minha surpresa, uma surpresa que me obrigou a estacar quando dei o primeiro passo no interior do gabinete. Para uma empresa como aquela, que se debatia entre dificuldades de toda a ordem, o luxo que se me deparou era de todo incompatível com a situação. À minha frente, no centro do compartimento, entre a porta e a secretária, uma mobília de sala-de-estar, de quatro peças, cuja pequena mesa parecia ocupar um espaço milimetricamente estudado, equidistante de qualquer das quatro paredes. O veludo vermelho denunciava pouco uso ou recente aquisição. A parede do fundo, à minha frente, exibia extenso e valioso painel e junto dela, ao centro, encontrava-se a ampla secretária do administrador, de reluzente verniz, sobre cujo tampo se viam alguns montes de papéis dispostos com método. À minha esquerda a parede era coberta, até cerca de dois terços da sua altura, pelo móvel de madeira escura, impecavelmente envernizada, e, à direita, uma porta de correr, em três secções envidraçadas, abria-se a toda a extensão da parede para o parque de estacionamento onde agora se viam apenas três viaturas.

Contornei os sofás e aproximei-me da secretária. O corpo do administrador continuava sentado na cadeira giratória, debruçado sobre o braço direito da mesma. A cadeira, encostada à parede do fundo, não permitira a queda do corpo, sustendo-o entre ela e a secretária, A cabeça de Mr. «Oldtimes», vista daquela posição, era uma massa disforme de ossos e sangue que manchavam a carpete de pêlos longos que cobria o chão, e o vistoso painel. Desviei o olhar para a janela por onde a bala entrara, destroçando o vidro central por onde entrava agora o vento frio que soprava lá fora, e em seguida para o móvel-arquivo onde, notara já, a bala se incrustara após a travessia do crâneo do morto.

– Encontravam-se os dois sós, diz o senhor?

O guarda-livros, visivelmente transtornado, deixou-se cair num dos sofás.

– Encontrávamo-nos! – respondeu de seguida.

O guarda chegou cerca de dez minutos depois. O senhor administrador havia pedido que ficasse um pouco mais. Aliás, não era preciso! Como sabe, estamos a dois dias do fim do més e, apesar das dificuldades, ele empenhava-se no pagamento dos salários no último dia do mês, e eu devia proceder à conferência da folha de salários, recibos, etc. Como faço todos os meses! Quanto ao senhor administrador, ficava sempre para além da hora pois que, segundo dizia, era o único tempo em que podia produzir. Sabe como é! Durante o dia é um vai-vém de clientes e credores que lhe roubavam todo o tempo. Fui chamado pouco depois de todos terem saído e estivemos aqui cerca de meia hora. Dei-lhe todas as informações que pretendia e retirei-me para o escritório. Algum tempo depois, talvez três quartos de hora, ouvi o estampido do tiro, corri para aqui e… dei com isto. ‘Telefonei-vos logo de seguida, assim que me refiz da impressão que me causou.

– Não deu por qualquer movimento no exterior? Isto é: a fábrica está isolada e o assassino deve ter-se feito transportar de qualquer modo.

– Compreendo, mas não dei por nada. É natural que tenha havido algo mas não dei por nada! Compreende…

Compreendia. Era natural que assim fosse. Deixei-me cair displicentemente sobre um sofá e revi a situação. Foi então que um pormenor me encheu o pensamento. Saí, tive um pequeno diálogo com o guarda e regressei. Com o ar natural de simples curioso corri o gabinete e… Não deixei que a minha satisfação transparecesse. Este segundo pormenor confirmava o que me ocorrera. Aliás, o inspector, ao escutar-me, nem se preocupou com o segundo pormenor. Bastara-lhe o primeiro. A ele e ao próprio guarda-livros que acabou por confessar o crime que cometera.

PERGUNTA-SE: De que pormenor se tratava e porque me prendera a atenção? Exponha o seu raciocínio!

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO