Autor

Big-Ben

 

Data

Outubro de 1976

 

Secção

Enigma Policiário [7]

 

Competição

Volta a Portugal em Problemas Policiais

1ª Etapa

(Lisboa – Peniche – Caldas da Rainha – Abrantes)

 

Publicação

Passatempo [29]

 

 

 

 

 

 

 

FÉRIAS NA ALDEIA

Big-Ben

 

(Algures, li isto: «Um problema policial deverá ser escrito como um conto dividido em duas partes: a primeira, escrita pelo produtor, conterá o enredo e os ingredientes necessários para colocar à prova a argúcia do leitor; a segunda, corresponde à solução que este supõe mais lógica e racional para a questão que foi apresentada.»)

 

Que me desculpem quantos forem de opinião contrária, mas, para mim, não há melhores férias que as passadas na aldeia onde eu nasci. Ali tudo é quietude, bucolismo, um convite ao lazer; o ar é lavado, tonificante, sem a poluição das grandes urbes; a água é pura, cristalina, duma frescura incomparável, mesmo no pino do verão; o pinhal que a circunda dá-lhe um odor agradável e purifica os pulmões dos seus habitantes.

Fica para os lados da Serra da Lousã, entre Arganil e Pampilhosa da Serra (já ouviram falar nestas localidades?), numa zona denominada por muito boa gente como sendo a Beira-Serra. Quantas paisagens de inolvidável beleza se deparam por aquelas paragens! É pena o turismo português encontrar-se unicamente canalizado para o Algarve e para o Litoral!

A minha aldeia debruça-se sobre uma pequena ribeira, junto da qual tantas horas tenho passado, quedo e sonhador, ouvindo o sussurro das suas águas, ao saltarem dos açudes, escutando os segredos que me contam enquanto deslizam pelos salgueirais. No verão, junto ao Areal, é normalmente efectuada uma represa, onde são proporcionadas refrescantes banhocas aos mais encalorados.

Enfim, sinto-me bem na minha aldeia e, por isso, vou lá sempre passar um bom pedaço das férias, pois, em meu entender, aquele é o sítio ideal para restaurar as energias e enfrentar um novo ano de labuta.

 

À falta de melhor diversão, é norma infalível uma partidinha de cartas – habitualmente a «sueca». E que renhidas disputas se teem verificado…

Quer no único «café» local, ou melhor ainda na adega dum dos intervenientes, muitas tardes e serões são passados desse modo. Como prémio ao vencedor (e não só… pois os vencidos também bebem!), uma cerveja ou um copázio de vinho «morangueiro», de preferência este último, por ser muito apreciado na região.

Ficara aprazada de véspera que, naquela tarde, a «jogatina» seria na adega do Carlos. E ali estávamos, preparando-nos para «batê-las», enquanto as respectivas «caras-metades» saíam p’ró Areal, onde, decerto, iriam «badalar» novidades e fazer croché.

Sozinhos, a «chinfrineira» aumentou. Tudo era pretexto para fazer algazarra e a escolha de parceiros não fugiu à regra… O dono da casa não queria que o Artur ficasse à sua direita; eu, por nada deste mundo, faria «parelha» com o Vítor; e o meu parceiro não quis jogar defronte do Carlos… Ao fim e ao cabo, lá se conseguiu conciliar tanta «esquisitice»…

Quando as gargantas dos jogadores começaram a ficar secas de ansiedade e do fumo dos cigarros, alguém reclamou se aquilo era «enxuto». Prontamente lhe foi assegurado pelo dono da casa que se encontravam algumas garrafas de «morangueiro» dentro do frigorífico, a aguardarem a oportunidade de refrescarem as guelas sequiosas dos participantes. De imediato, foi exigida a presença da primeira…

…Outras mais se lhe seguiram, numa cadência muito rápida. Talvez pela qualidade da «pinga», quiçá pela «aptidão» dos jogadores-bebedores…

O jogo prosseguia, agora mais como justificação para beberricar novas «copaneiras», que propriamente pelo interesse em continuar «com a única sueca com que a gente pode estar», como disse o Vítor, parodiando um anúncio de Televisão.

E o certo é que as garrafas desapareceram do frigorífico… Mais cedo do que seria para esperar… Com muitas desculpas do dono da casa e grande desespero (e não menor alarido) dos restantes… Afinal, «aquela droga» era racionado, ó quê?!...

Assim, acabado que foi o «morangueiro» fresquinho, não restava outra alternativa senão recorrer ao do pipo, mesmo ali ao lado. Foi o Vítor quem se levantou, agarrou num pichel que por ali estava e encheu-o com o néctar, que despejou nos copos que cada um tinha à sua direita. Como que automatizadas, quatro mãos se estenderam, em simultâneo, para o respectivo copo, trazendo-o até à boca do seu proprietário, esvaziando-o de seguida; porém, «aquilo» era muito diferente do anterior – estava «choco» e não apagava o «fogo» que queimava aquelas gargantas…

Então o Carlos alvitrou (e todos bateram as palmas em sinal de concordância) que se misturassem uns cubos de gelo. Dada a aquiescência que recebeu o seu alvitre, desarvorou escada acima, para os ir buscar ao congelador do frigorífico. Apareceu pouco depois, trazendo uns quantos minúsculos recipientes de plástico, cada qual contendo um pequeno bloco de gelo, e distribuiu pelos copos (novamente cheios, desta feita pelo Artur) a quantidade de cubos que cada um julgou conveniente para o «morangueiro» ficar apatecível.

Logo que tal foi presumido, repetiu-se a cena anterior. Como que comandados por batuta invisível, cada qual agarrou no seu copo e emborcou-o de um só trago. Agora, as exclamações foram de satisfação…

…Menos o meu parceiro. Primeiro desenhou-se-lhe no rosto uma careta de dor; depois desabou para cima da mesa, a cabeça batendo estrondosamente no tampo daquela.

Fora tudo tão rápido que os restantes ficaram petrificados, até porque as suas mentes começavam a acusar a bebida. Mas, passados uns segundos de hesitação, todos à uma se lançaram para a frente, procurando amparar o companheiro; contudo, este, exalando um forre odor a amêndoas amargas, deixara já este «vale de lágrimas».

 

DESAFIO AO LEITOR. Tal como Ellery Queen fez nos seus primeiros contos, lanço aqui um repto aos meus prezados confrades, esperando que eles saibam interpretar a minha ideia e terminem esta narrativa da melhor maneira que lhes aprouver, mas duma forma lógica e racional, aproveitando os dados que são fornecidos ao longo do texto.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO