Autor

Búfalos Associados

 

Data

7 de Outubro de 2021

 

Secção

Policiário [92]

 

Competição

Torneio do Centenário do Sete de Espadas

Prova nº 7 – A

 

Publicação

Sábado [910]

 

 

O CRIME NO QUARTO SETE

Búfalos Associados

 

(Este problema é dedicado à saudosa memória de Sete de Espadas, homenagem modesta mas sentida ao grande entusiasta e figura maior do Policiário, a quem tantos ficámos a dever.)

Numa noite em que jantava com a tia Laurinda, o inspetor Garrett recordava o caso do crime ocorrido largos anos antes numa pensão da zona da praia de Santa Cruz, cujo proprietário fora assassinado durante a noite, no seu próprio quarto na sua Pensão Mar À Vista. O homem, André de seu nome, tinha uma história invulgar. Fora sempre um pobre diabo sem família que não tinha onde cair morto, mas um dia a sorte bateu-lhe à porta. Um bilhete de lotaria premiado com a “taluda” mudou-lhe totalmente a vida, proporcionando-lhe realizar o seu sonho de sempre, que era ter uma pequena unidade hoteleira na zona, modesta mas bem localizada e com vista para o oceano. Durante a época estival o negócio era garantido com os veraneantes em busca das belas praias da região de Santa Cruz. Na época baixa a casa era procurada por caixeiros viajantes, mas também por surfistas, prática desportiva que progredia à época em Portugal. E até tinha clientes certos e habituais. Hoje a pensão já não existe, acabou de forma trágica.

O edifício tinha três pisos, sendo dois de quartos e ainda uma cave onde se situava a cozinha e a sala de refeições. No piso térreo, quem viesse da entrada encontrava um corredor, tendo do lado esquerdo quatro portas, a da receção, e as dos quartos números 1, 3 e 5. Do lado direito, uma sala de espera, e os quartos 2, 4 e 6. Ao fundo do corredor situavam-se as duas escadas, a que descia para a cave, a cozinha e a zona de refeições e a outra que levava aos restantes quartos no segundo piso.

No piso superior, havia outro corredor sobreposto ao primeiro, encontrando, quem viesse de baixo, à sua esquerda os quartos 7, 9 e 11, e uma casa de banho. À sua direita os quartos 8, 10, 12 e 14. O senhor André era muito supersticioso e não queria ter nenhum quarto com o número 13. A sua superstição chegava ao ponto de ter guardado para si o quarto número 7, que ocupava desde sempre, porque o bilhete de lotaria que lhe tinha dado a pequena fortuna terminava nesse número. E ficou para sempre com uma forte devoção ao 7, o que não se pode dizer que tenha sido um bom augúrio, pois foi num dia 7 que os seus dias se apagaram.

Naquele ano o mês de outubro entrara com uma vaga de calor excessiva e anormal para a época. E como, por casualidade, o feriado de 5 de outubro calhara numa 6ª-feira, o fim de semana de 5, 6 e 7 proporcionou umas belas miniférias. À hora do jantar de domingo, dia 7, já os outros hóspedes tinham abandonado a Pensão Mar À Vista rumo às suas casas, tendo ficado apenas para dormir, nessa noite, três clientes habituais. Eram eles José Lopes, caixeiro viajante, no quarto 14; Rogério Cunha, atleta conhecido e praticante de surf no quarto 1, e Torcato Silva, angariador de seguros, no quarto 3. Todos eles preferiam ficar nos quartos desse lado, porque eram virados para Nascente e eram banhados de sol logo pela manhã. O senhor André, no quarto 7, pelo contrário, tinha uma bela vista sobre o mar. Fora sempre solteiro, mas tinha fama de ser um terrível mulherengo, tendo sido acusado, mais do que uma vez, de incomodar várias senhoras hóspedes da pensão com avanços atrevidos.

Naquela noite o calor era tal que só se podia estar dentro de casa com as janelas abertas. As empregadas, Vera e Fátima, deixaram o jantar servido e, devido às boas relações que tinham com o patrão, recolheram a suas casas com a noite livre. O senhor André tinha convidado para jantar os três clientes que ficaram. E foi a partir daí que as coisas se complicaram. Comeu-se bem e bebeu-se melhor. A partir de certa altura atingiu-se o auge dos efeitos do álcool e chegou a hora dos insultos e das acusações. A polícia apurou mais tarde que dois dos hóspedes não aguentaram os excessos e acabaram por se ir deitar antes das 22 horas. Isto confirmado pelo testemunho de uma das empregadas, a Vera, que, por essa hora, teve de voltar em busca de qualquer coisa de que se esquecera, e declarou que estava só um conviva com o patrão, aliás numa discussão exaltada. Não percebeu qual deles era, mas ouvira claramente o senhor André, aos gritos, gabar-se de ter violado a mulher do outro interlocutor. Preocupada, foi a correr para casa e, na manhã seguinte, às 7 horas voltou, mas o patrão ainda não estava a pé como era costume. Foi bater à porta do quarto, mas não obteve resposta. A porta estava fechada à chave, o que era habitual. Os três hóspedes ainda dormiam, talvez por efeito dos excessos da festarola da véspera.

Depois de várias vezes ter batido à porta, em pânico, resolveu chamar a GNR, que veio a tomar conta da ocorrência. O senhor André foi encontrado morto, na sua cama, no seu quarto 7, com várias facadas no peito. A porta estava fechada com chave, que estava poisada na mesa de cabeceira. A janela aberta. Uma faca com vestígios de sangue foi encontrada caída do lado de fora da janela. No chaveiro da receção, estavam ausentes as chaves dos quartos 1, 3, 6, 7 e 14.

Nesta altura, a tia Laurinda interrompeu: – “Esses três clientes eram todos casados?”

– “Sim, e já mais de uma vez tinham estado na pensão, acompanhados das mulheres.”

É claro que mais tarde a polícia fez o seu trabalho e veio a encontrar as provas que permitiram incriminar o assassino. Mas uma primeira análise permite-nos já perguntar se, com estes dados, é possível apontar quem pode ser suspeito de ter cometido o crime do quarto 7. Quem, como e porquê?

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO