Autor

Constantino

 

Data

Novembro de 1978

 

Secção

Enigma Policiário [32]

 

Competição

Taça de Portugal em Problemas Policiários e Torneio Paralelo

2º Problema

 

Publicação

Passatempo [54]

 

 

ÓDIOS LONGOS…

Constantino

 

O ódio, um ódio de morte, teve início quando os dois homens amaram a mesma mulher. Desenvolveu-se quando Gaspar foi acusado de desvio de fundo no local onde trabalhava com Alfredo. Atingiu as culminâncias em pleno julgamento, no termo do qual o denunciado havia de ser condenado, com testemunho activo daquele, arrastado para a prisão gritando inocência e ameaças de vingança contra o ex-colega.

A explosão final cifrar-se-ia por uma morte… Controversa, porém, quanto à motivação.

Fera enjaulada, Gaspar recebeu exaltadamente a notícia do casamento do antigo companheiro e rival com a ex-noiva. Inconformado, lágrimas de raiva nos olhos escuros, invectivando a máquina implacável que o condenara.

Com o decorrer do tempo, a sua conduta havia de impressionar os próprios carcereiros. Marcar mesmo uma dúvida. Teria havido erro judiciário? Não seria incomum. Tais erros são factos que nada têm de surpreendentes, ainda que indesejáveis. A verdade é que exercer justiça não é tarefa fácil, e os juízes, por mais escrupulosos, podem ser traídos por conclusões inexactas, falsos testemunhos, etc.

Teria a atitude de desespero do preso, porventura um pouco de comiseração, contribuído para um afrouxamento de vigilância. Cerca de um ano após o encarceramento, Gaspar evadira-se. Quando se alertou Alfredo para a fuga e possibilidade de ser procurado pelo foragido, ele limitou-se a um comentário fatalista:

– Terá que acontecer… os ódios são longos…

Entrementes, num entardecer tardio, uma sombra projectou-se nas traseiras da casa de Alfredo. Um homem avançou devagar, agachado. Dedos movimentaram-se na fechadura. Um salto repentino, ágil para um indivíduo do seu tamanho, entrou. Silenciosamente atravessou um corredor estreito, orientando-se, surgiu frente ao adversário postado sob a lâmpada do candeeiro da secretária, em cima do qual dois longos copos e uma garrafa de whisky pareciam aguardar um encontro preestabelecido.

Um sorriso diabólico de ironia e triunfo desenhava-se nos lábios repuxados de Gaspar.

Pálido, o suor a escorrer-lhe pelo corpo esquelético, o dono da casa teve como que um suspiro de alívio.

– Esperava-te desde a fuga!

Iniciou-se um diálogo, acusador por um lado, conformado por outro.

O leve ruído de louça que vinha da cozinha extinguiu-se. A esposa de Alfredo espreitou curiosa, estremecendo ao reconhecer o ex-noivo. Temerosa esgueirou-se para chamar a polícia, captando ainda algumas palavras do marido:

– Tudo inútil, Gaspar, tudo inútil… mais uns dias… vida… morte…

A polícia veio encontrar o evadido comodamente instalado numa poltrona aguardando tranquilamente pelas algemas.

Próximo à secretária o corpo sem vida de Alfredo.

– Matou-se. Evitou-me o trabalho… – esclareceu cinicamente.

De qualquer modo impunham-se providências bem diferentes de uma captura. O piquete, posteriormente chamado, não tardou a operar.

Tomaram-se fotografias de vários ângulos para determinar a colocação do corpo em relação aos objectos, colheram-se impressões digitais, examinando-se tudo minuciosamente. Nada é insignificante para passar por alto.

Um especialista apanhou acuradamente o copo de vidro caído na alcatifa, recolheu a garrafa e o outro copo, assinalando-os e, sem alterar a posição do corpo, extraiu do bolso direito das calças da vítima um pequeno frasco amarelo contendo uma cápsula.

Enquanto o médico ordenava a remoção do cadáver, um agente anotava, coadjuvado por outros, as declarações de Gaspar.

– O homem estava cheio de remorsos. Segundo me disse, o médico encontrou-lhe qualquer doença que não poupa… eu também não estava disposto a isso, diga-se. Pediu-me perdão, convidou-me a beber. Face à minha recusa, levantou-se de copo na mão, tirou de um frasco uma pequena cápsula que levou à boca com líquido, voltando a colocar o frasco no bolso. Abriu a boca para dizer algo, subitamente estremeceu e caiu morto. Cianeto – concluiu.

No dia seguinte os relatórios periciais haviam de fornecer alguns elementos, se não esclarecedores, pelo menos bastantes para uma teoria. A garrafa mostrava apenas impressões digitais do morto, tal como no copo estavam marcados os seus, polegar, indicador e médio da mão direita. O frasco não tinha impressões digitais. O veneno utilizado fora, realmente, o cianeto, não se encontrando dele quaisquer vestígios quer no copo quer no líquido da garrafa. A cápsula era de um medicamento inofensivo. O outro copo estava limpo. A morte, se não fora instantânea, mesmo fulminante, decorrera segundos após a ingestão do veneno.

Algo intrigava os investigadores e o próprio médico legista. O cadáver apresentava uma equimose na base do crâneo, suficiente para provocar um desmaio. Fora produzida, sem dúvida, anteriormente à morte, impossível determinar o momento, mas não resultara da queda do corpo após a absorvência do veneno.

Crime? Suicídio? Vingança! Reconciliação na hora da morte!? – Eis os títulos dos jornais que revolviam todo o drama.

 

À atenção dos leitores:

1) Crime ou suicídio?

2) Reconstitua o caso, justificando.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO