Autor Data 4 de Fevereiro de 2021 Secção Policiário [57] Competição Torneio do Centenário do Sete
de Espadas Prova nº 1 – A Publicação Sábado [875] |
SMALUCO E A FACA QUE MATA Inspetor Boavida De
novo só, desde que a mulher da sua vida o trocou por um bem
apessoado inspetor da PJ, alto, moreno e de olhos verdes (Smaluco – Um detetive muito especial, edições
Chiado Book, páginas 197 a 203), o velho detetive Smaluco voltou à vida boémia do passado. A noite passou a
ser novamente o seu mundo, convivendo com todo o tipo de vagabundos,
batoteiros e loucos. É respeitado e admirado por todos, o que lhe estimula o
ego, mas falta-lhe o amor de Natália. A saudade que o vai “matando” aos
poucos leva-o vezes amiúde ao teatro, onde ela foi grande, pelo menos aos
seus olhos. E foi o que fez há cerca de um mês, quando soube da estreia da
adaptação de uma conhecida obra de Shakespeare num improvisado palco montado
na cave de um edifício de Lisboa. Três
conhecidos atores e um encenador no desemprego decidiram remontar a peça, sem
cenários e com elenco reduzido porque o dinheiro para a produção era escasso.
Os atores desdobravam-se em diversas personagens, enquanto o encenador
acumulava o seu trabalho com as funções de contraregra
e aderecista. Os seus nomes constavam da folha de sala e Smaluco
lembrou-se de que eles estiveram em tempos envolvidos num escândalo que mereceu
destaque inusitado nos órgãos de comunicação social. Carlos A, Bruno B, Júlio
C e Casca D haviam sido conduzidos à justiça, sendo Júlio C acusado por dois
dos seus colegas de ser um tipo desprezível. Mas o caso acabaria por dar em
nada! A
certa altura do espetáculo, vestindo a pele dos seus personagens, Bruno
conspirava contra Júlio, um dos seus melhores amigos, manipulado por Carlos,
um homem ganancioso que conseguiu convencê-lo dos perigos da ambição daquele.
Outras personagens foram também convencidas dos males que adviriam do que
Júlio projetava fazer e manifestaram concordância com o seu assassinato. E
eis que, no início do III ato, os conspiradores esfaquearam Júlio, e este, à
beira da morte, recebeu um golpe final de Bruno. O sangue jorrava da ferida
provocada por este golpe, com Júlio caído no chão, a gritar: “Também tu,
também tu?” Alguma coisa terá corrido mal porque o encenador entrou
subitamente em cena. O pano correu sobre o palco e as luzes da sala
acenderam. Depois
de largos minutos de espera, o público saiu em debandada, protestando
veementemente pela forma como decidiram acabar o espetáculo, truncando a peça
e tornando-a quase ininteligível. Smaluco, como
amante de teatro habituado às mais diversas adaptações de textos clássicos,
percebeu logo que o final não seria este se não tivesse acontecido algo de
imprevisto. E dirigiu-se aos bastidores. Quando lá chegou, Júlio era
transportado numa maca para o exterior por pessoal do INEM e Casca, Bruno e
Carlos discutiam a um canto do palco. Aproximou-se destes e ficou a saber que
alguém tinha substituído a faca de lâmina falsa por uma verdadeira. E, ato
contínuo, ofereceu os seus serviços, pedindo-lhes que lhe apresentassem o
técnico responsável pelos adereços. Casca,
o encenador, que conhecia Smaluco de vista e sabia
da sua atividade de detetive, esclareceu que era ele próprio que se
encarregava dos adereços por não haver dinheiro para pagar a um técnico.
Acrescentou que só ele tinha a chave do armazém de adereços e que fora o
próprio quem entregara a faca a Bruno, convencido que se tratava da faca de
lâmina falsa. Smaluco soube, porém, que Carlos
havia estado no armazém de adereços, antes do espetáculo, alegadamente para
fazer um telefonema. Entretanto, a PJ fez deslocar para o local o inspetor
Mesquita, o tal que agora vive com a “sua” Natália, e Smaluco
afastou-se de mansinho do local remoendo uma praga de insucesso ao seu rival. Dias
depois, Smaluco ficou a saber, através de um
ex-colega, que, estranhamente, a faca que matou Júlio só continha impressões
digitais de Bruno, que havia confirmado ter recebido a arma das mãos nuas de
Casca, nos bastidores, entrando depois com ela em palco para a cena do
esfaqueamento. Nos documentos de arquivo da produção da peça, soube-se o nome
e morada da loja onde a faca fora comprada, tendo a funcionária que efetuou a
venda afirmado, em processo de reconhecimento presencial conjunto, que tinha
a absoluta certeza de que a pessoa que comprou a única faca do género que
vendera na data em que a fatura foi emitida, véspera do dia do incidente, não
foi Bruno nem Casca. Na
manhã do dia de hoje o caso é notícia de primeira página em todos os jornais
de âmbito nacional, onde se pode ler que, “(...)
após um mês de investigações, e depois de lhe ter sido decretada a prisão preventiva,
o encenador Casca D foi formalmente acusado de tentativa de homicídio do ator
Júlio C, durante a representação da peça (...)”. No matutino que Smaluco tem em mãos, o jornalista que assina a peça tece
os mais rasgados elogios ao inspetor Mesquita, relevando as suas
extraordinárias capacidades de raciocínio e de dedução, considerando-o como o
“artificie da descoberta da verdade”. Smaluco é acometido subitamente de um ataque de
fúria. Amarfanha o jornal com raiva e deposita-o no lixo, enquanto pronuncia
um palavrão irreproduzível nestas páginas. Ele quer tanto que o seu rival
fique mal aos olhos da “sua” Natália, que teima em não acreditar que o caso
foi bem resolvido. Para dissipar todas as dúvidas, solicitamos a ajuda do
leitor: Por favor, esclareça-nos sobre o que terá acontecido de facto e, já
agora, diga-nos qual era a peça de Shakespeare que estava em cena na noite do
triste acontecimento. |
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© DANIEL FALCÃO |
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