Autor Data 1 de Outubro de 2020 Secção Policiário [39] Competição Torneio Sábado Policiário 2020 Prova nº 9 – Parte I Publicação Sábado [857] |
O INSP. FIDALGO E A MORTE DO VELHO MILITAR Inspetor Fidalgo Havia
dois dias que a chuva caía, impiedosa. O
inspetor Fidalgo parou à porta da casa, respirou fundo e entrou, sendo
recebido pelo porteiro, que o conduziu ao segundo andar, frente a uma
secretária pesada e escura, atrás da qual se sentava um tipo muito magro,
quase enfezado, visivelmente assustado. Contou:
senhor inspetor, juro-lhe que não tenho nada que ver
com o que se passou, juro! Como sempre, vim no comboio que chega às 8h45,
entrei na porta do prédio e cumprimentei o senhor Ataíde às 8h55, para estar
aqui, no meu posto, às 9h00 certinhas, pronto para servir o senhor Coronel
que, desde que ficou completamente paralisado de um dos lados, dependia mais
de mim, para lhe levar coisas, para lhe chegar as bengalas, essas coisas.
Eram precisamente 9h10 quando ouvi um estrondo, parecido com um tiro, vindo
dali – apontou para o corredor à esquerda da secretária, para onde abriam
duas portas, situadas lado a lado –, levantei-me e acorri à porta – apontou a
mais próxima – e bati repetidamente, chamando pelo Coronel, mas não obtive
resposta. Resolvi abrir a porta, que sempre conheci aberta, mas desta vez
estava fechada à chave. Pelo telefone chamei o senhor Ataíde, que veio de
imediato. Também ele bateu à porta e chamou, mas, para minha surpresa, a
porta que se abriu foi a outra – e apontou para a mais distante – e de lá
saiu o irmão do Coronel, que eu nem sabia que cá estava, nem o senhor Ataíde,
que também ficou surpreso. Perguntou que barulho era aquele e dissemos-lhe
que o seu irmão não respondia, ao que ele ordenou rispidamente para abrirmos
a porta. E precipitou-se para ela, rodando a maçaneta. Claro que não
conseguiu. Foi então que nos ordenou que deitássemos a porta abaixo, já que
não havia outra entrada, nem meio de entrarmos, mas mesmo nós os três não
conseguimos derrubá-la, porque é fortíssima. Foi então que ele se lembrou que
talvez a chave do quarto dele abrisse esta porta e foi buscá-la. Abriu mesmo
e foi então que entrámos… No ar havia um ligeiro odor a rosas, do unguento
que o Coronel aplicava no braço paralisado… Um horror, tudo o que vimos… O
senhor inspetor entre, que está lá dentro um colega seu... O
agente Moreira disse ao inspetor que tudo estava exatamente como encontraram
ao chegar. O
quarto era grande, mas escuro e soturno, formando um quadrado. Na parede
oposta à da porta, havia duas janelas grandes, nas quais a chuva batia com
ruído, que nunca eram abertas enquanto o Coronel lá estivesse. Delas
avistava-se o jardim, bem tratado. À
esquerda de quem entrava no quarto, ficava a cama e do lado direito, uma
secretária, encimada por prateleiras onde se viam alguns livros e coleções,
com relevo para uma – a sua preferida, veio a saber, que manuseava todos os
dias, admirando cada traço –, de canecas em porcelana, todas rigorosamente
alinhadas, com as pegas a apontar para a janela, como um exército, mas com
uma particularidade: os motivos, pintados à mão e retratando cenas de obras
de Sherlock Holmes, estavam virados para a parede,
como se o Coronel não quisesse que ninguém desfrutasse de tal beleza. O
corpo enorme do Coronel estava no chão, com a face do lado direito danificada
pela violência do disparo e das queimaduras e a face esquerda ainda mais
esfacelada. A arma usada era de grande calibre, certamente a pistola 9 mm que
estava agarrada na mão da vítima. Em
redor do corpo, nada de especial foi encontrado pela brigada de investigação,
nem pelo inspetor Fidalgo. Todo o perímetro do quarto foi convenientemente
esquadrinhado, mas tudo parecia estar no devido lugar, exceção para o corpo
do Coronel. O
quarto do irmão da vítima era perfeitamente igual ao do Coronel e funcionava
um pouco como arrecadação, já que era raro ele parar por lá. Havia muitas
armas de guerra, certamente recordações de tempos idos, de diversos calibres
e em perfeito estado de funcionamento. Junto às janelas, o inspetor Fidalgo
notou que o chão estava encharcado pela água que entrava copiosamente. O
irmão do coronel desculpou-se com a claustrofobia de que padece. Mais
declarou que chegou nessa mesma noite e que se adivinhasse que o irmão queria
pôr termo à vida, nunca teria vindo… O inspetor Fidalgo já tinha
algumas certezas e algumas suspeitas, mas ainda havia muitos pontos obscuros
que a primeira investigação dos seus colegas não esclareceu. Era sempre a
mesma coisa, quando o trabalho apertava, havia uma tendência para assumir as
aparências como se fossem evidências… |
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© DANIEL FALCÃO |
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