Autor Data Abril de 1976 Secção Competição 1º Problema Publicação Passatempo [23] |
UM ROUBO NO 14º ANDAR Jartur Eram
já dez horas da manhã, e eu ainda não saíra de casa, naquele domingo de
Fevereiro. A
falta de energia eléctrica que se fizera sentir,
desde o princípio da madrugada, na zona residencial onde habito, privara-me
de utilizar a máquina de barbear, o que me forçou a retardar a saída. Preparava-me
para tomar uma «chuveirada», mesmo em água quase
fria, depois de ter rapado a cara «à maneira antiga», quando uma insólita
gritaria, que me parecera vir do piso inferior, me fez abandonar o quarto de
banho e correr em direcção ao barulho. Alcancei o
patamar e dirigi-me para o andar de baixo, voando apressadamente sobre os
degraus da escada. No segundo lanço, abalroei desastradamente o indivíduo que
subia ao meu encontro, e ambos rolámos sobre o pavimento, na semiobscuridade
da escada. E foi pela voz, a mesma que emitira a gritaria, que eu reconheci o
meu vizinho eventual, o sobrinho do Mário Salgado. –
Por favor – pediu-me enquanto atabalhoadamente nos erguíamos – acabam de
roubar e agredir o meu tio. Corremos
para o interior da habitação, cuja porta estava escancarada, e, atravessando
o «hall», entrámos na sala comum, no momento em que
o tio do rapazote se levantava do chão, com certa dificuldade. Na sua cabeça,
calva e brilhante, uma grande mancha de sangue referenciava a ferida ali
existente. No
chão, sobre a alcatifa e próximo do amplo reposteiro que guarnecia o vão duma
janela, encontrava-se, tombada, uma pesada estatueta de pau-preto. Sem dúvida
– deduzi – aquela fora a arma utilizada pelo assaltante. Logo a seguir, quase
encostada ao sofá, estava uma mesa baixa, com tampo de cristal, onde se viam
dois jornais da véspera, três dicionários, e o último número da revista «Passatempo». Depois
de ajudar o agredido a acomodar-se numa poltrona da sala, pedi ao sobrinho
dele o cachecol de seda que ele nervosamente remexia nas mãos esquálidas, e,
enquanto com essa peça de tecido limpava o sangue já em parte coagulado,
recomendei ao rapaz que fosse a casa da enfermeira que morava no 10.º piso,
pedir-lhe que viesse ali dar uma ajuda. Quando
daí a momentos o sobrinho entrou com a enfermeira que encontra, junto da
entrada da habitação, a comentar com outros moradores a barulheira,
interrogando-se mutuamente acerca do sucedido, já o Mário se sentia quase
recuperado do desfalecimento. Contava-me, então, como a agressão ocorrera.
Quando, após ter entrado ali na sala, se ia sentar junto à mesinha para
prosseguir a resolução dum problema de palavras cruzadas que interrompera no
dia anterior, sentira-se bruscamente atacado pelas costas, e uma forte
pancada na cabeça fizera-o cair, inanimado. Feito um curativo ligeiro, com o
material de primeiros socorros que a enfermeira fora buscar a minha casa, o
Salgado e o sobrinho passaram uma breve vistoria à habitação, na minha
companhia, detectando, numa das gavetas, da
secretária, no escritório do dono da casa, a falta das valiosas colecções de moedas antigas e de selos raros, continentais.
Nas outras gavetas, nada de anormal se notava, mas naquela a fechadura
encontrava-se forçada e inutilizada. Durante
a troca de impressões que se seguiu, o sobrinho da vítima declarou que,
quando estava ainda deitado a ouvir, no seu «transistor»,
um programa musical, ouvira um grito do tio, logo seguiu dum «baque» que lhe
parecera ter sido provocado pela queda dum corpo. Levantara-se, pressuroso, e
correra para o tio, indo encontrá-lo ali, na sala, desmaiado. Vislumbrara,
ainda, um vulto que se esgueirava pela porta escancarada, rumo aos
elevadores. Correu em sua perseguição, mas quando chegou ao patamar já a
cabine do ascensor descia. Como não estava em condições de perseguir o
fugitivo, já que se encontrava de pijama, espreitara pelo vão da escada e, daí
a pouco, vira um homem de fato macaco cinzento que
corria em direcção à rua. Imediatamente lançara os
gritos de alarme, e correra para me chamar… O resto, já eu sabia! Ante
o pasmo da enfermeira e do meu Amigo Salgado, ali mesmo resolvi aconselhar o
rapazola a devolver as colecções do tio, e a este
sugeri algumas hipóteses mais favoráveis para meter o degenerado na ordem. Uma
das sugestões foi imediatamente aceite, e o franganote caiu redondamente na
alcatifa, quando o punho cerrado lhe atingiu fragorosamente os maxilares.
Tudo se passou tão rapidamente, que nem a enfermeira se apercebeu de quem
fora o autor da «gracinha». E só teve resposta para as suas dúvidas, quando
eu, um quarto de hora mais tarde, lhe fui pedir que me ligasse o pulso, pois
não suportava as dores que me afligiam. –
O Amigo leitor, concorda com a acusação formulada? –
Que lapso ou lapsos, cometidos pelo acusado, permitiram denunciar a sua
culpabilidade? Apresente
o seu relatório, dando asas à sua imaginação e raciocínio. |
|
© DANIEL FALCÃO |
||
|
|