Autor

Júlio Dinis Faria dos Santos

 

Data

1 de Agosto de 1959

 

Secção

Gabinete do Inspector Varatojo [55]

 

Competição

Torneio Scotland Yard

11º Problema

 

Publicação

Diário Ilustrado

 

O ROUBO DO RELÓGIO…

Júlio Dinis Faria dos Santos

 

A cena passa-se no solar do dr. Jorge Neves, em Coimbra.

Depoimento do jardineiro Alfredo:

«Há já alguns meses que não subo pela escada interior, ao primeiro andar do solar. Esta manhã estive na varanda que tem escada para o jardim e onde fica uma das janelas da biblioteca. Quando colocava uns vasos junto a essa janela, ouvi o relógio dar o toque característico do quarto de hora. Como passava pouco das sete horas calculei que eram sete horas e quinze minutos. Estive ausente de casa desde as catorze até às dezassete horas».

Depoimento da criada Sofia:

«Durante a ausência do sr. doutor, só duas ou três vezes subi ao primeiro andar. Hoje, quando limpava o corredor, junto à porta da biblioteca, ouvi o relógio dar meio-dia. Assustei-me porque o almoço era para a meia hora e eu ainda não tinha o fogão ligado. Desci à cozinha e vi que eram 11 horas. Tinha-me enganado ao contar as horas e, ainda bem. Saí com Lúcia às 13 horas e 15 minutos e voltei às 18 horas.»

Depoimento do criado de mesa, Bruno:

«Durante a ausência do patrão, só hoje estive no primeiro andar. Eram quinze horas quando passei em frente da porta da biblioteca porque ouvi o relógio dar essas horas. Estou certo disso. Eu estava só no solar e esperava a criada Lúcia, que prometera voltar às quinze horas e quinze minutos. Logo que ela chegou, eu saí. Fui arranjar os meus óculos, pois ontem, parti as lentes. Como hoje – dia de S. Bruno – faço anos, estive em casa de meus pais, onde jantei. Voltei ao solar às vinte e uma horas.»

Depoimento da criada Lúcia:

«Durante a ausência do patrão, nunca fui ao primeiro andar e, por isso, não ouvi o relógio. Saí às 13 horas e 15 minutos com a Sofia e voltei às 15 horas e 15 minutos, conforme tinha prometido ao sr. Bruno, pois alguém tinha de estar no solar. Às 15 horas e 30 minutos telefonou o sr. doutor a fim de dizer que chegava às 21 horas para jantar. O sr. Bruno já tinha saído.»

Depoimento do porteiro e, também «chauffeur», chamado João:

«Hoje, não saí. Estive sempre, excepto às horas das refeições, que tomei com os outros criados, junto ao portão do solar. Trabalho para o sr. doutor há três meses e nunca fui à biblioteca, nem sequer sabia que estava lá um relógio de grande valor. Pelo tamanho que o sr. doutor diz que ele tem, posso garantir que ninguém passou o portão com ele e, como é a única saída para o exterior…

São exactas as horas a que Alfredo, Sofia, Lúcia e Bruno, dizem ter saído ou entrado no solar.»

Depoimento do dr. Jorge Neves:

«Faz hoje, exactamente, duas semanas que saí do solar. Estive na biblioteca pouco antes de partir e tenho a certeza de que o relógio estava lá. Lembro-me, até, que marcava 10 horas e 45 minutos, pois confrontei as horas com o meu relógio de pulso. Esta minha ausência deve-se a uma viagem que fiz à Bélgica para visitar a Feira Internacional de Bruxelas.

Esperava demorar-me apenas uma semana mas acabei por me demorar duas. Cheguei a Lisboa ao meio-dia e às 15 horas e 30 minutos telefonei para aqui, dizendo que estaria no solar às 21 horas para jantar. Poucos minutos passavam dessa hora quando aqui cheguei. Fui à biblioteca e logo dei pela falta do relógio. A biblioteca é o único aposento do solar que deixo fechado quando me ausento. Não é uma precaução contra os criados, pois segundo julgo, sabem perfeitamente que a chave fica no meu quarto. Não quero, todavia, que eles lá entrem e são essas as ordens que sempre dou. Só eu tocava nos objectos de maior valor que tenho na biblioteca. O relógio que comprei num leilão, há meia dúzia de meses, por 44 contos, é de corda para um ano. Dei-lha há dois ou três meses e depois disso não lhe voltei a mexer.»

O inspector, numa busca que fez – e, enquanto meditava no que ouvira – descobriu o relógio, escondido dentro duma caixa de madeira, das usadas para garrafas de champanhe. A caixa, que estava num quarto de arrumações, na cave, tinha sido colocada de maneira a que, a parte superior do relógio tivesse ficado voltada para baixo. Por este motivo, e porque não fora posta ali com o devido cuidado, o pêndulo caíra dentro da própria caixa do relógio e este, tinha parado. Marcava, exactamente, 15 horas e 47 minutos.

Estava ali a pista que mais depressa levou o inspector a descobrir o ladrão.

– Quem roubou o relógio?

– Em que baseia a sua afirmação?

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO