Autor Data Setembro de 1976 Secção Publicação Passatempo [28] |
UM TIRO NO AUTOCARRO Leiria Dias «Naquela altura
do percurso, íamos apenas três passageiros e o motorista e cobrador, pois na
paragem anterior saíra um grupo grande de pessoas, ficando o carro quase
vazio. Como já me
sucedera doutras vezes que viajara a esta hora nesta carreira, o motorista
preparava-se para fazer um apertado desvio, que conduzia a um pequeno «Café» onde
funcionava igualmente a agência da Empresa, a fim de entregar qualquer
encomenda e receber, possivelmente, algum despacho que ali tivesse sido
feito. Para facilitar a manobra de ida e volta, o motorista fez o que quase
todos os seus colegas faziam, isto é, optou por percorrer as escassas
centenas de metros em marcha atrás, para depois, efectuado
o serviço de carga e descarga, sair em marcha normal do acanhado caminho. Quando a
viatura ia em marcha atrás, levantei-me de repente para do corredor central
ver melhor através do vidro do para-brisas, se realmente estava parado à
porta dum prédio novo uma pessoa minha conhecida, como me parecera quando
olhara do lugar em que ia sentado. Neste momento,
o carro, que seguia numa rápida marcha à rectaguarda,
estacou repentinamente por qualquer razão, e eu, que não estava agarrado a
qualquer banco, estatelei-me de borco no chão, indo bater com a cabeça na
caixa do motor, que neste autocarro fica ao lado do motorista, entre o seu
assento e a porta de saída. Levantei-me e, ao olhar para trás, vi que o
passageiro que ia num banco um pouco atrás, parecia
estar ferido, pois via-se sangue na cabeça, que pendera sobre o banco atrás
dele. Dei imediatamente o alarme, pelo que logo o motorista, parando o carro,
verificou que alguma coisa de anormal se passara e chamou o colega, que se
tinha apeado para ajudar a manobra, e todos nós verificámos, com certo espanto,
que o homem tinha levado um tiro, vindo não se sabe de onde, mas certamente
do exterior. O outro
passageiro, ao que dizia, não vira nem ouvira nada, pois ia a dormitar e só
acordou quando o carro parou bruscamente, e constatou que alguma coisa de
irregular se passara, dadas as notas atitudes.» No que se
refere ao pessoal, o cobrador estava fora do autocarro, e o motorista, que ia
concentrado na manobra, olhando para um muro do lado direito com medo de lá
bater com o espelho retrovisor, afirmava que nada tinha visto do que se
passara dentro da viatura. Perante o
relato que lhe fora feito, até um pouco minucioso, e que ele ouvira com toda
a atenção, a fim ver se dele transpirava qualquer pista que o orientasse a
tomar uma resolução sobre o assunto, o agente não tirou qualquer conclusão. A vítima
morrera em virtude dum tiro que tanto podia ter sido disparado no interior do
carro, como ter vindo do exterior, pois as janelas do seu lado iam todas
abertas. Não havia quaisquer outros indícios denunciadores que pudessem
traçar uma boa pista, e por isso o agente já lhe parecia estar perante um
caso muito bicudo, quando, zeloso como era, tornou a ler o depoimento
prestado pelo passageiro momentos antes e que ele reduzira a auto. E então tudo
se esclareceu, e o que parecia muito confuso, acabou por ficar claro e
lógico, não deixando dúvidas ao seu espírito de bom observador. Virando-se
para o depoente, disse-lhe perentoriamente, com uma voz que demonstrava
firmeza na decisão: – O senhor
mente nas suas declarações, pois há um pormenor impossível de se ter passado
como diz. Vai acompanhar-me à polícia, para melhor averiguação dos factos. Pergunta-se:
Qual a mentira existente no depoimento do passageiro, que levou o agente a
prendê-lo como suspeito? |
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© DANIEL FALCÃO |
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