Autor

Marco Paulo

 

Data

Agosto de 1977

 

Secção

Enigma Policiário [17]

 

Publicação

Passatempo [39]

 

 

 

CULPADO OU INOCENTE?

Marco Paulo

 

Todos os factos e personagens deste problema são puramente fictícios. Qualquer semelhança com episódios reais ou pessoas, vivas ou mortas é mera coincidência.

O Repórter Barbosa, da Revista «Dedução», ocupou o lugar que lhe estava reservado na plataforma da Imprensa, e circunvagou o olhar pela ampla sala do Tribunal, repleto dum público heterogéneo e interessado que aguardava com a mais viva impaciência o início de mais uma sessão – a última – do caso Philipe Rôche. A sentença ia ser lida nesse dia e por isso a expectativa era enorme.

 

O advogado de defesa começou:

– Senhores jurados! Como sabem, passei todas as audiências ouvindo, enquanto o vosso promotor público tudo tentou para apertar o laço em torno da garganta do meu constituinte.

Todavia, como viram, não foi apresentada uma única testemunha ocular dos cinco crimes atribuídos ao acusado. Não houve quem tivesse encontrado, pelo menos, uma unha ou cabelo das mulheres desaparecidas. O promotor público baseou a sua acusação em provas circunstanciais – algumas palavras captadas aqui ou ali, um botão além e algum sapato mais adiante…

Isto é o que consta no processo contra Philipe Rôche – que vós julgais um segundo Jack. Lembrai-vos, porém, de que coleccionar sapatos não constitui crime. Em obediência à Lei não poderei condenar o meu constituinte, a não ser que estejais convencidos – sem qualquer dúvida – de ser ele o assassino.

O famoso advogado fez uma pausa. O Repórter Barbosa anotava nos mais pequenos pormenores todos os passos da brilhante intervenção do defensor de Philipe Rôche. Este, sentado no compartimento reservado aos réus, tinha a cabeça mergulhada entre as mãos grossas e compridas, parecendo alheado de tudo o que o rodeava. O advogado fitou os jurados, um por um.

As suas últimas palavras pareciam ainda ressoar de modo agitado em toda a sala. Toda a gente estava suspensa do seu discurso.

– Asseguro-vos de que duvidais – murmurou. – Muito embora não estejais cônscios da vossa dúvida.

– Não há dúvida nenhuma! – bradou apoplética uma das testemunhas, precisamente a irmã de uma das cinco jovens desaparecidas.

O juiz interveio, impondo silêncio.

O advogado prosseguiu:

– Se uma das mulheres, de cuja morte estais tão certos, entrasse neste Tribunal, qual seria a vossa reacção? Continuaríeis positivamente convencidos de que as outras quatro estavam mortas? Continuaríeis ainda certos de que não há dúvida?

A emoção apoderara-se de todos. O orador levantou, então, vagarosamente o braço e apontou para os fundos do Tribunal, na direcção da porta cinzenta:

– Senhores jurados – exclamou – peço-vos que olheis para aquela porta!

As respirações foram contidas e centenas de olhos se fixaram no ponto indicado. Os estenógrafos deixaram de escrever.

Ninguém escondia o seu nervosismo.

Instantes se passaram que pareceram durar uma eternidade.

Depois, vendo que o silêncio penetrara bem fundo na consciência de todos, o advogado prosseguiu:

– Perdoai o haver renovado as vossas esperanças. Perdoai o haver lançado mão deste recurso canhestro. NINGUÉM VAI SURGIR POR AQUELA PORTA! Mas a única pessoa que tinha absoluta certeza disso no recinto deste Tribunal, ERA EU! Todos os demais pensaram que uma das desaparecidas iria entrar aqui e por isso olhavam aquela porta. Houve dúvida no espírito de todos…

Senhores jurados, se houve dúvida no vosso espírito, o vosso dever é absolver o acusado.

O genial advogado sentou-se.

O juiz retirou-se para deliberar…

 

O Repórter Barbosa abandonou a sala por momentos, respirando um pouco o ar fresco que penetrava através dos corredores do majestoso edifício público.

O seu espírito também estava confuso, profundamente chocado com o que se havia passado. Fora de facto extraordinária a defesa desenvolvida pelo advogado de Philipe Rôche.

Admirara, todavia, a aparente tranquilidade do réu, continuamente na mesma posição, como se nada tivesse a recear ou não medisse o alcance da responsabilidade que pesava sobre si, transformada numa acusação horrível, deprimente, arrepiante…

Puxou dum cigarro e acendeu-o, extraindo breves fumaças.

Reconstitui a cena a que acabara de assistir, a luzente alocução do advogado de defesa, a força dos jurados…

Qual seria a sentença?

Philipe Rôche seria considerado culpado ou inocente?

O Repórter Barbosa concentrou-se ainda mais…

A decisão só poderia ser uma… De facto…

 

PERGUNTA-SE:

O réu seria condenado ou absolvido?

Em que baseia a sua afirmação?

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO