Autor Data Fevereiro de 1979 Secção Enigma Policiário [35] Competição Taça
de Portugal em Problemas Policiários e Torneio Paralelo 5º Problema Publicação Passatempo [57] |
MORTE PARA UM TIRANO Mário Campino Era
uma vez um rei. Rei
glutão. Rei
brutal, egoísta, jamais se dignara olhar o povo esfarrapado e faminto, sacrificado…
a não ser no necessário à satisfação dos seus reais apetites! Naquele
dia… Naquele
dia, Primavera na natura, Inverno impotente nos corações, o rei fazia anos.
Afadigavam-se mais uma vez os bons súbditos, vindos dos mais longínquos
cantos dos vastos domínios, a ofertar-lhe os mais requintados acepipes.
Carnes, vegetais superiormente cozinhados, frutas… O
rei olhava desdenhosamente, servia-se voraz do que lhe agradava, afastando
com o pé, ou com o forte bastão, brutal e superfluamente, o submisso
ofertante. Todos os alimentos eram, porém, antecipadamente sujeitos a
rigorosa prova contraveneno, pelos cães, pelos escravos, e até pelos coelhos
que lhe serviam de cobaias, porque o rei em ninguém confiava. Não raras vezes
um ser humano acabava na ponta de uma corda ou sob o azorrague do carrasco. Mais
um escravo ajoelhou, submisso, mostrando apetitosa salada de alface. Os
olhos do monarca luziram de gula. Pontapeou o ofertante, deu a provar a um
coelhinho branco que conservava ao colo, e só se banqueteou depois de
eliminada qualquer suspeita de envenenamento. Contudo…
o coelhinho branco alegre e saltitante, viveu; o
rei, chamados à pressa os magos da ciência daqueles tempos de antanho, só
puderam verificar o seu estado alarmante, que se resumia em diminuição da
acuidade visual, pela medriase, secura na boca
(dificuldade de deglutinação), rigidez dos membros, o delírio, a coma, e por
fim… era uma vez um rei… fora uma vez um rei… Vieram
os medicamentos, os feiticeiros, os magos mais magos, mas o rei… continuava
morto. E,
como sempre acontece… rei morto não dá pontapé… não reclama… Reuniu
o conselho dos «velhos», troaram pelas praças, pelos vales e montes os
rufares dos tambores e a voz dos arautos, procurando um rei, um novo rei. Uma
condição; responder à pergunta que, andava nos lábios de toda a gente e que,
parecia, ninguém poderia responder: – COMO FORA ENVENADO O TIRANO? Da
serra, onde vivia com o seu rebanho, desceu o jovem pastor. Prometera à sua
amada um reino, um reino de sonho… Traz
na sacola o magro pão dos pobres, no olhar uma promessa de bondade, no
coração uma vontade indómita. Deus
é grande! Diante
do conselho reunido, ouviu, raciocinou e RESPONDEU!... Hoje,
o povo desse reino sonha realmente. Vive feliz e adora o rei. O rei-pastor e
a sua pastorinha. Na
bandeira que se avista a léguas em redor, pode ver-se um gentil coelhinho
branco sobre um feixe de mandrágoras do monte, de grandes folhas
verde-escuras. Bandeira que jamais se desfraldará para a guerra, símbolo de
um reino, realmente, de sonho. À
lareira, nas longas noites de Inverno, após a história ser contada e
recontada, ainda se ouve a obrigatória pergunta: –
COMO FOI MORTO O REI, APESAR DA SUA PRECAUÇÃO? |
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© DANIEL FALCÃO |
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