Autor

Marvel

 

Data

Novembro de 1976

 

Secção

Enigma Policiário [8]

 

Competição

Volta a Portugal em Problemas Policiais

4ª Etapa

(Porto – Viana do Castelo – Braga – Guimarães)

 

Publicação

Passatempo [30]

 

 

 

 

 

 

 

AQUELE FELIZ INSUCESSO…

Marvel

 

– Podes crer nesta regra: o delinquente primário, quando jovem, representa um tratado de presunção. É arrogante, gabarola, fanfarrão, apto a rasgar fronteiras no mundo do crime caso comece por tirar sucesso. Em contrapartida, se a iniciação dá para o torto há razões para que se confie em que o mundo perdeu um inimigo público embrionário.

Rui Amaral, um sujeitinho de pouca carne e rosto benévolo, pousou no interlocutor um olhar carregado de dúvida.

– Não me parece. E índice da delinquência juvenil, com o seu aumento assustador? Recuso-me a aceitar que a juventude actual tenha nascido com o vírus do crime bem sucedido no sangue. Para não falar em vocês, os polícias… Ainda vos faço a justiça de acreditar que percebem do vosso ofício, que diabo!...

Mário Reis, «primeira» da Judiciária, rufou na mesa uma carga de cavalaria liliputeana, encantado com a reacção às suas palavras.

– O problema está no volume do trabalhinho. Se começa pela tentativa de furto dumas laranjas e acaba corrido pelo dono da frutaria, o fracasso nada altera e pode até servir de razão para gargalhadas junto dos amigalhotes. Mas se o alvo falhado for a registadora do aparentemente incauto comerciante, a responsabilidade do acto actua generosamente no seu íntimo, bem como a atitude do quase lesado, que, por certo, não se contentará em bater ameaçadoramente os pés no chão para afugentar o apreciador das laranjas alheias. Queres um exemplo?

– Se garantes condensá-lo em 15 minutos…

– Garantido. – Acabou com o bagaço e preparou um cigarro. – Era uma noite cerrada, sem lua, mal atenuada pela iluminação pública. O nosso homem não tinha cadastro, mas era bem conhecido na zona. O «Argolinhas», alcunha que lhe vinha do hábito de enfiar nos pulsos umas pulseiras faiscantes de produtos variados. Não que fosse maricas. A crónica constante gritava bem o contrário. E que se tratava dum vivaço, pronto a afirmar-se o maior no que fosse mais oportuno e na mais oportuna circunstância. E, afinal, não passava dum ser inquieto e inconsequente, impressão que se me infiltrou no espírito no próprio momento em que ele retirara os pés dos pedais e os fazia deslizar para fora, dividindo o olhar piscante e estarrecido entre a arma que eu lhe apontava e a luz da lâmpada do meu colega.

 

Da confissão do culpado:

– … Aquele «Toyota» novinho em folha, todo rutilante… as chaves no sítio!... E eu tinha um encontro. Essa de aparecer à miúda ao volante do bicho!... Um grande caraças! Giro à brava! Mas o gajo aparece, todo embrulhado numa fúfia de matar, dessas assim… assim… Claro, desata a mandar vir, não o houvessem capado a frio. Pois, raspei-me. Depois daquela gritaria toda já estava na teima de largar o coiso ali adiante, que assim, , não era cá com o velho. Mas lá aparece a polícia, que nem chamada por telegrama… Desato por ali fora, e eles atrás de mim, esquiva aqui, derrape acolá. Como na televisão. E foi a televisão… Eu já há muito que andava a pensar nisso. Porque é que os tipos dos filmes nunca usavam do truque de estacionar matreiramente entre outros carros, deixando a matilha continuar a caça… ao vento? A coisa, bem feita, era mais segura do que insistir assim à desfilada… Eu ainda por cima estava bem distanciado… Tratei disso. Chovia bastante, Os limpa-vidros giravam como loucos de lá para cá. Mais curva aqui, esquiva acolá, vejo a minha oportunidade: um amplo espaço entre carros, bom para estacionar com uma única manobra. Apago os faróis, desligo o motor e estaciono. Um combóio corria, nesse momento, na via férrea próxima. Também servia. Depois, foi só baixar a cabeça para o banco do lado, e não me mexer mais. Tinha-me certificado de que o carro perseguidor ainda não se avistava quando me baixei. Estava satisfeito, um bocado ansioso mas satisfeito. Até pensei, idos os tipos, voltar a ideia de baratinar a miúda no carro. Por isso, fiquei lixado de todo quando a porta for aberta de repelão

 

– Sem sombra de resistência, ele próprio conduziu o carro ao dono, que esbravejou como um danado. Acalmei-o com um sermão relativo às chaves no carro e à sorte que tivera no meio de tudo. Não só o acaso nos fez aparecer no momento oportuno, como iniciámos a perseguição com os únicos conhecimentos de que o carro que vimos desaparecer na esquina próxima era roubado e de cor clara. Nem a matrícula sabíamos, e, durante a perseguição, nunca nos aproximámos o bastante para detectá-la.

– Mas, nesse caso… porque suspeitaram de um carro estacionado entre tantos?

PERGUNTA-SE: (?) Bem, a pergunta está feita!

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO