Autor

Marvel

 

Data

Novembro de 1980

 

Secção

Enigma Policiário [55]

 

Competições

II Volta a Portugal em Problemas Policiais e Torneio de Homenagem a Sete de Espadas

2ª Etapa | Lisboa – Almada – Barreiro – Setúbal – Grândola – Beja

e

1º Grande Torneio de Fórmula Um Policiária e Torneio de Homenagem a Jartur

Problema nº 6 | Grande Prémio de Coimbra

 

Publicação

Passatempo [77]

 

 

A MORTE DO FOTONOVELISTA

Marvel

 

– O negócio não parece prosperar.

Um sorriso rápido perturbou agradavelmente as feições de si azedas de Rui Azenha, co-proprietário da NOVELFOTO, empresa versada no ramo do anúncio publicitário e na produção de fotonovelas.

– Admito o equívoco. Na realidade, a falta de movimento que vê deve-se precisamente à necessidade de compensar com uma folga o surto de horas extraordinárias que nos saturaram os colaboradores. Não fora o curto foto-enigma que meu sócio, artífice consumado na matéria, teria de criar e realizar e as instalações estariam vazias.

– De empresas rentáveis vive o país. Onde foi isso?

– Ali em cima. A propósito, engendrei um esquema horário que é capaz de ser-lhe útil.

«9.30 – Gaspar, o meu sócio, encarregou-me de requisitar a uma agência associada quatro figurantes, que seriam os «suspeitos»; Raimundo o «investigador».

«9.50 – Chegam três dos requisitados. O quarto não tardaria».

«9.55 – Gaspar apareceu para me entregar o texto da foto-enigma. Declarou que a demora de um dos «modelos» até calhava bem, pois que ainda precisava de 15 minutos para compor o cenário. Subiu outra vez. Antes de me juntar a Raimundo, que trabalhava na sala vizinha, coloquei o texto numa prateleira e convidei os rapazes a desentorpecer as pernas».

«10.05 – De volta à secretária, lá encontrei os três. Havia percorrido isoladamente o edifício. Guardei no bolso o texto do foto-enigma para o estudar posteriormente. Seguiu-se a chegada do quarto elemento e, quase logo, a de Gaspar. Estava tudo preparado. Subiram todos. Eu fiquei».

«10.25 – Os intérpretes regressaram, e Raimundo retomou o seu trabalho usual».

«10.40 – Gaspar apareceu para dizer que tudo correra bem e as fotos secavam na câmara escura. Propunha-se utilizar a presença dos «modelos» para dar sequência a alguns trechos em curso. Pediu 20 minutos para nova ambientação».

«10.50 – Convidei os «suspeitos» a novo desentorpecimento muscular. Saíram, cada um para o seu sítio. Pareciam evitar-se».

«11.20 – Já reunidos os seis na sala onde Raimundo trabalhava, admirei-me com a demora de Gaspar e fui procurá-lo. A meio caminho, chamei Raimundo, presumindo que ambos seríamos úteis na ajuda à encenação».

«11.22 – Abarquei num ápice a tragédia e saí. Interceptei Raimundo a meio da escada e dei a todos a informação lacónica do assassínio de Gaspar e que convinha informar a polícia e ninguém abandonar a sala».

– Depreendo que assim sucedeu – concedeu o lnsp. Madeira, relanceando um olhar aos cinco indivíduos visíveis através da porta que cruzavam. É, pois, lá em cima?

Parou no limiar do estúdio. «A traquitana inevitável», pensou, olhando os holofotes, telas de cenário, fios e câmaras fotográficas. Deteve a vista no biombo aberto à sua frente, de cujo lado esquerdo emergiam duas pernas aparentemente masculinas, e repetiu o pensamento. Contornou o biombo para ver o resto. «Resto» macabro e elucidativo: perto da prova material de que a NOVELFOTO poderia chorar a morte de um dos seus empresários, ao alcance da mão direita, ensanguentada do cadáver, notava-se distintamente, garatujada a sangue num cenário erguido paralelo ao biombo, a frase «foi o assassino do foto-enigma».

– O desgraçado não sabia os nomes «deles».

Madeira acenou afirmativamente. De súbito, o seu semblante ganhou expectativa. Virou-se devagar para a porta entreaberta e alcançou-a rapidamente.

– Que foi?

– Um indivíduo curioso e muito lesto. Só lhe avistei um pé. Voltou para junto de Azenha. Depois se vê. – Fixou o libelo acusatório. – Parece fácil. Não sentiu vontade de tentar resolver o caso por conta própria?

– No escritório de meu pai – proferiu Azenha, pausadamente – havia uma velha gravura alusiva à máxima de não nos metermos no ofício alheio. Concordo com ela.

– Muito louvável. Mas calculo que sabe a quem a mensagem acusa.

– Gaspar nunca discutia com ninguém, nem comigo, o enredo dos seus trabalhos exclusivos.

– Mas você tem o texto em seu poder…

– Ainda nem o li. – Estendeu o papel a Madeira, que o guardou. – Aliás, também não vi as fotografias. Gaspar fazia ponto de honra em que um sem as outras nada significassem, e vice-versa, e não significavam nunca mesmo. Pelo contrário: contradiziam-se. Observadas as fotos, havia sempre um criminoso aparente que não o era, o mesmo sucedendo com o texto.

O pessoal do laboratório da polícia tinha-se apoderado das operações. O relâmpago do «flash» repetia-se.

À ordem do médico legista, o biombo e o cenário foram afastados. A tela com a mensagem foi encostada, bem visível, à parede fronteira à porta.

– Arriscaria que a morte teve lugar entre as 11 e as 11.15. Um dos golpes lesou-lhe as cordas bocais, o que explica que não tenha gritado, já que a morte não foi imediata. Há também sintomas de paralisia geral, não absoluta. Por isso não se terá arrastado daqui para fora. Sabe que concluir disto, Madeira?

– Não. O doutor sabe?

– A frase é mesmo do morto. O assassino, a querer culpar um inocente, não poderia prever um tal conjunto de condições favoráveis. Vê? Já lhe dou por onde começar.

O inspector reflectiu que se no escritório do pai do médico existia a tal gravura, o filho não ligara peva ao aforismo. Mas tinha razão. Puxou do texto do foto-enigma.

 

1) O corpo assentava de bruços, banhado em sangue. A morte ceifara o velho Isaías não antes das 14.55 nem depois das 16. Duas balas de velho revólver. O inspector encolheu os ombros e passou ao compartimento vizinho, onde o esperavam os quatro únicos suspeitos possíveis.

2) Não olhe para mim. Nesse período encontrava-me na tribuna de honra do hipódromo. Não saí de lá, tenho testemunhas… (Tinha mesmo, como se saberia depois).

– Eu nem teria saído de casa se não fosse o seu telefonema. A voz de Mendes era uma lamúria.

– Tem quem o apoie?

– Não. Viver só tem os seus inconvenientes…

3) Nada tenho a ver com o assunto – barafustou Simões. – Passei a tarde em casa dum casal amigo.

– Como explica, então, que o meu telefonema o tenha encontrado na sua residência?

– Queria eu dizer que estive em casa deles das 12 às 17.30. Depois fui ao apartamento buscar o cachimbo. Foi então que o atendi… (O casal em referência confirmaria posteriormente).

4) Carvalho, o derradeiro suspeito, declarou já ali ter estado de manhã cedo. Das 13 às 17 permanecera (depoimento que viria a ser amplamente comprovado) em serviço no café onde trabalhava. Não era o seu período normal, pois que pedira para trocar de horário para ter a noite livre.

O inspector reflectiu. Depois…

DIGA: Quem acha que foi o culpado? Porquê?

 

Madeira tornou a recolher o papel.

– Não usavam «balões» nas fotografias?

– Não. Gaspar entendia que todo o espaço era ainda pouco para o exame visual. O texto inseria-se sob cada uma das fotografias.

Voltaram para junto dos outros, e Raimundo acompanhou Madeira à câmara escura. Não foi difícil localizar as fotografias pretendidas, já que eram as únicas a secar. Uma mostrava Raimundo a falar com os quatro suspeitos; noutra Batista não aparecia; e a outra voltava a contar com as cinco presenças.

– Durante uma pose – declarou um dos intérpretes, quando Madeira, já na secretaria, os interrogava – ele chamou-me «Mendes». Não me deu tempo a dizer que me chamava Batista, pois logo pediu desculpa e alegou distracção. Era um sujeito estranho.

– Qual de vocês chegou aqui mais tarde?

– Eu, Sines. Não estava na agência na altura.

– Ele indicou-vos os papéis que vos atribuía?

– Não, limitou-se a indicar as poses. – Falava um esgrouviado sardento. – Chamo-me Ferreira, e não sou nenhum criminoso. Nem real nem, portanto, fictício.

– Sim? Está muito bem informado.

Confundido, Fonseca buscou auxílio. Prestou-lho Raimundo:

– É melhor evitar desde já mal-entendidos. Quando os senhores subiram, estes jovens foram, um de cada vez, dar uma espreitadela lá acima. Primeiro Rodrigues, que quase se viu apanhado com a boca na botija. Foi assim que soubemos da frase…

 

Nota: A autópsia perfilharia o relatório sumário do médico legista.

 

PERGUNTA-SE: Quem matou? Baseie a resposta!

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO