Autor

O Gráfico

 

Data

Janeiro de 1981

 

Secção

XYZ-Policiário [4]

 

Competição

I Campeonato Nacional de Problemas Policiários

Problema nº 1

Etapa de Aveiro

 

Publicação

XYZ-Magazine [8]

 

 

UM CRIME NO TERREIRO DO PAÇO

O Gráfico

 

1979 foi o ano em que eu comecei a cumprir serviço militar. Em Portalegre, cidade alentejana, terminado o quinto mês do ano, já avaliara 15 dias de tropa. Ah, como aquela recruta foi maravilhosa! Porém, o tempo passa correndo e, cinco meses depois, encontrava-me em Évora (outra cidade do Alentejo), após mais um mês de instrução em Lisboa. Chegara a altura de uma licença. Seis dias. Com começo no primeiro dia daquele mês. Ao quinto dia, regressava com destino ao quartel. Como sempre, antes de embarcar no comboio, no Barreiro, efectuaria uma viagem de barco. Partiria do tão conhecido «Terreiro do Paço». O sol já desaparecera e a noite começava a cerrar-se. Pouco passava das 19 horas. Comprei o bilhete e, entrei para o pátio, onde algumas pessoas aguardavam a chegada do próximo barco. Passados alguns minutos o «Lagos» aparecia. Brilhava na escuridão do rio, devido à claridade que possuía, proveniente da sua enorme quantidade de luzes. Repentinamente uma necessidade inadiável apoderou-se de mim. Como o pequeno navio ainda não atracara, dirigi-me ao W. C., numa corrida. Preocupação em não perder o transporte ou ainda (o mais certo), por descuido da jovem rapariga, que vinha dos lavabos das senhoras, chocámos os dois! Permaneci imóvel… Não pela consequência do choque mas sim pela ternura que aquele rosto transmitia… Os seus cabelos compridos e negros assim como os olhos grandes de cor castanha além de corpo que exala muita vida com longas pernas, eram capazes de levar um homem ao infinito!! Fiquei deveras comovido. Após aquele momento em que nos olhámos reciprocamente baixei-me apanhando o bilhete e a mala azul que das suas mãos se haviam precipitado. Um ligeiro olhar foi o suficiente para verificar que o pequeno cartão era de «ida e volta»… Destinava-se ao cais oposto. Exclamei um «azar» silencioso… Seria bom que ela viajasse para Évora. Teria companhia… Entretanto, a jovem com um brusco puxão e um tanto agressivo, retirou-me a malinha da mão, como se receasse que eu descobrisse um «tesouro» no interior!… Com um «obrigada» não muito doce afastou-se para o pátio de espera. Deixava-me o seu rosto estampado na memória e o cigarro semi-apagado, que fumava quando esbarrámos, no chão.

(…) Regressei da casa de banho e ainda não tinham aberto o portão. As pessoas conservavam-se no átrio. Mirei os presentes e, pela sua estatura, não me foi difícil localizá-la. Fumava outro cigarro… Senti um calor percorrer-me o corpo. Estaria apaixonado?… Ou seria mais uma das manias de conquistador?! Uma coisa ou outra eu queria era contemplá-la. O velhote de guarda ao portão não nos fez esperar muito mais. Deixei-a ir à frente. Reparei que hesitou ao entrar no barco… Observava simultaneamente os passageiros que se dividiam pela primeira e segunda classe… Seguiu atrás dos da primeira. Proferi um «bolas» de irritado porque adquirira bilhete de segunda. É a tropa. Não dá para mais… Mesmo assim, entrei atrás dela e mantive-me no átrio do barco, em pé. Ali não pagaria excesso e poderia admirá-la. Presenciava-a perfeitamente. O barco partiu…

…A meio da viagem fumou outro cigarro. Usava carteira cujos fósforos eram de cor preta. Observei todos estes pormenores porque fitava-a constantemente. Estávamos prestes a chegar ao nosso destino. Então, entrou o cobrador no compartimento, onde ela viajava, para conferir os bilhetes. Ela surpreendeu-se ao ver que as pessoas exibiam os seus bilhetes. Pegou no seu e mostrou-o. O homem pegou-o. Abanou a cabeça e apontou para o outro lado do barco. Disse-lhe algo que eu não ouvi mas, evidentemente, percebi… A jovem, porventura, continha bilhete de segunda classe! Ter-se-ia resignado a mudar de lugar porque se levantou e preparou-se para sair… Ao passar por mim, em direcção à classe menos boa do barco, senti vontade de lhe falar. Não tive coragem. Ainda me achava indeciso quando em terra firme avistei a polícia!!! O barco preparava-se para o atracamento. Ao vislumbrar a autoridade, a rapariga susteve o movimento… Encaminhou-se para a borda do barco oposta ao atracar… Meteu a cabeça de fora, olhou à sua direita e depois para a esquerda… Fingi que não controlava a sua manobra. Outras pessoas aproximavam-se da saída. Residiu um pouco naquele local e misturou-se com os restantes passageiros. Pareceu-me que mexeu na maleta efectuando qualquer movimento enquanto ali persistiu… Esquecia-a, por momentos, ao reconhecer o inspector R., meu conhecido amigo, que aguardava a chegada dos passageiros. Um dos melhores da Polícia Judiciária.

O barco encostou ao cais. As saídas do mesmo continuaram fechadas obedecendo a uma ordem lançada pela polícia. A expectação excedia o normal. Os passageiros estavam impedidos de abandonar o transporte. Aos olhares surpresos e atentos ao que se iria suceder, o inspector pegando num altifalante e levando-o aos lábios proferiu: «SENHORES PASSAGEIROS… HOUVE UM CRIME NO «TERREIRO DO PAÇO»! POSSIVELMENTE O ASSASSINO VIAJA NESTE BARCO. TERÃO DE SER INSPECCIONADOS!!»

…Vários polícias formaram um corredor humano. Todos passaríamos por ali, em fila indiana. Fui o terceiro. Cumprimentei o inspector enquanto revistavam o meu saco. Naquele espaço de tempo pude dialogar com o meu confrade.

– Investigando mais um crime, hem? – perguntei.

– É verdade. De Lisboa mandaram-me para aqui. Tento descobrir quem assassinou uma jovem no outro lado do Tejo. O corpo encontrava-se na casa de banho das senhoras… Foi descoberto logo após a saída deste barco. Tem dois tiros no peito! Deduziram que o criminoso poderia viajar neste barco – informou o inspector.

– Hum!, creio que vai ser difícil comentei e perguntei de imediato:

– E não tem pista alguma?

– Sim, alguns apontamentos que me transmitiram de Lisboa.

O inspector R. tirou do bolso do casaco um papelinho escrito tendo lido seguinte: «No local do crime não havia arma… Existiam dois invólucros junto do cadáver… Os disparos foram feitos à queima-roupa, talvez até, com a arma encostada ao peito da vítima… Embora com um cinzeiro na casa de banho permaneciam no chão duas beatas de cigarros marca «Paris» e três paus de fósforos… Um branco e dois de carteira negra. Apenas dois estavam utilizados. Um negro (só metade) conservava a cabeça vermelha intacta… No cinzeiro jaziam algumas beatas de diversas marcas de tabaco assim como alguns pauzitos de fósforos brancos!»

Entretanto tornei a lembrar-me da pequena dos olhos grandes e tentei encontrá-la com um simples olhar. Saía, naquele momento, do barco e iria ser examinada… O inspector reparou no meu movimento e virando-se para mim exclamou: – «Hum!, aquele material é do bom, hem?» «Bruxo»! respondi-lhe eu. «Uma pesquisa naquela beldade era inútil!» pensei. A pequena entregou a maleta ao polícia enquanto era observada por mim e pelo inspector R. Então, começou a dizer, notando-se, pela sua fala, que estava um pouco nervosa… «Podem procurar à vontade porque aí não encontram nada. Não fui eu que a matei! Não tenho aí pistola nenhuma!! Venho do meu emprego de escriturária e não sei de nada… Faço esta viagem todos os dias…» Após este desabafo, que me pareceu de aflição, o meu amigo, mandou deter a jovem, para mais profundas averiguações. As suas declarações foram muito estranhas. Na sua mala, além de diversos artigos de senhora encontravam-se frascos de verniz, perfume, um maço de cigarros «Kart» e uma carteira de fósforos pretos onde se podia observar um destes partido ao meio…

(…) Finalmente saiu o último passageiro. Durante o resto da inspecção e depois de terem realizado uma busca duradoira e minuciosa a todos os compartimentos do barco mais ninguém ficou detido. O inspector esfregando as mãos disse-me: «Bem, parece-me que a rapariga é quem procuramos!».

– Também suponho o mesmo, caro amigo… Embora com muita pena porque descobrira que amava aquela moça! Irei consigo. Poderei ajudá-lo a incriminá-la! Inclusive saber onde se encontra a arma do crime!!!

A rapariga veio a confessar na esquadra. Também não me enganara com respeito à arma… Com o «caso» encerrado sinto-me com vontade de perguntar aos meus amigos do policiário, o seguinte:

 

1 – Como deduziu o inspector R, após as declarações da jovem, que possivelmente seria ela a assassina?

2 – Expliquem como poderia eu ajudar a culpar a rapariga, incluindo saber onde se encontrava a arma do crime.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO