Autor Data 11 de Fevereiro de 2021 Secção Policiário [58] Competição Torneio do Centenário do Sete
de Espadas Prova nº 1 – B Publicação Sábado [876] |
MEMÓRIAS Paulo O
Luís Grandão foi é uma personagem digna de uma obra ficcionada. Do alto dos
seus 83 anos vai debitando memórias, muitas delas com mais invenção do que
realidade, que todos os familiares ouvem com atenção. Luís Grandão foi um
jornalista que percorreu os mais notáveis jornais nacionais deixando a sua
marca de escrita em milhares de folhas de papel. Tanta diversidade de locais
percorridos e factos relatados poderiam levar a pensar que Luís Grandão não
tinha necessidade de inventar acontecimentos para os relatar, mas inventava,
o que fazia parte da figura que ele encarnava. Na
sua personagem existia também o poeta. Luís Grandão achava-se um vate
excecional e por vezes incompreendido. Gostava de juntar palavras em algo que
ele chamava versos que depois acumulava para fazer um poema. E os familiares
lá iam sorrindo de modo condescendente à sua inspiração artística literária.
Sempre o tinham feito, e muito mais o faziam agora por respeito pela idade de
Luís Grandão. Da
sua personagem fazia ainda parte a roupa que vestia, que funcionava como um
uniforme e que ele nunca abandonara desde antes dos 20 anos. Quem o visse na
rua, ou em trabalho, sempre o encontrava com aqueles elementos de vestuário,
e, mesmo em casa, muitas vezes se encontrava vestido desse modo. Não podiam
falhar: o colete cinzento, a camisa branca, o laço preto e o chapéu de abas. Nascido
na primeira metade do século, sempre usara caneta de tinta permanente. Para
ele as esferográficas eram "objetos diabólicos" que maculavam a
beleza da caligrafia. E sem dúvida que a dele era muito bem desenhada
naquelas tintas que o aparo fornecia. Ficava perfeita. Tinha uma vasta
coleção de canetas, onde meticulosamente deitava a tinta, que depois usava na
sua escrita. A profissão obrigara-o a usar a máquina de escrever, ainda
tentaram apresentar-lhe o processador de texto do computador, mas, quando se
encontrava livre do trabalho, era nas suas belas canetas que ele depositava
as palavras e frases que com elas construía. Era
um ser de outros tempos, quase já nem se podia dizer do século XX, talvez da
sua primeira metade. Um ser que se sentiria mais ambientado nas primeiras
décadas desse século. À sua volta sobrinhos e irmãos mais novos iam ouvindo
mais uma história. “– No ano em que o
Benfica ganhou ao Real Madrid na final, e foi campeão europeu, eu acompanhei
a equipa para fazer a reportagem para o jornal. Foi um momento irrepetível, e
ainda me vejo naquela bancada de imprensa a escrever as anotações que me
viriam a permitir compor a crónica daquele jogo único. E
depois no avião a festa que foi, logo desde que descolámos, com os jogadores
todos em euforia? Sabem que até houve um que me roubou o meu omnipresente
chapéu? Passou por quase todas as cabeças até que eu o consegui recuperar com
a ajuda de uma das hospedeiras da TAP. Mas eu, naquela festa toda, até não me
irritei muito. Alinhei na brincadeira já na altura usava este vestuário, com
o qual quero ser enterrado, e ficar sem o chapéu desfigurava-me, mas aquele
momento era diferente. Depois a viagem lá acalmou e eu pude voltar aos meus
poemas, que na época começava a escrever. Peguei na caneta, numa folha de
papel, e fui escrevendo. Só parei quando pela janela vi o Cristo-Rei e a
ponte sobre o rio Tejo. Estávamos a chegar e eu tinha de estar preparado para
relatar a saída dos jogadores do avião e a receção da população. Foi
fantástico ver aquele povo todo em festa a gritar pelo Eusébio, pelo Coluna,
pelo Águas e por tantos outros. –
Mas o tio foi mesmo ver esse jogo? – Questionou um dos sobrinhos para o
provocar. –
Não duvidem! Levantou-se,
dirigiu-se a um móvel, abriu uma gaveta e retirou uma folha amarelecida. –
Este é a folha que escrevi no avião como poema. Vejam!” Na
folha via-se a bela caligrafia a tinta permanente de Luís Grandão. Um
conjunto de versos e, sob o derradeiro, a data: Maio de 1962. Começou
a ler o poema. Voa o meu sonho Condor de asas metálicas No hálito do silêncio nublado Poupo-vos
ao poema de Luís Grandão, que continuou a sua leitura para toda a assistência
que, já habituada, mal o ouvia. Aqui
acaba a narrativa acerca do Luís Grandão. Os seus ouvintes sabiam que aquela
era uma história inventada, e, por isso, também se pergunta aos leitores o
que contém a narrativa que faz com que se saiba que esta história não pode
ser verídica. A – Não era possível viajar com aquela roupa no
avião nem ao chegar a Lisboa se podia ver a paisagem descrita. B – Não era possível escrever aquele poema no avião
nem viajar neste com a roupa descrita. C – Não podia regressar num avião da TAP e não
era possível viajar com aquela roupa no avião. D – Não era possível ver aquela paisagem de
Lisboa à chegada nem ter escrito aquele poema no avião. Pede-se
ao leitor que escolha a hipótese que melhor justifica que a narrativa de Luís
Grandão era falsa. |
|
© DANIEL FALCÃO |
||
|
|