Autor

Sete de Espadas

 

Data

6 de Janeiro de 2021

 

Secção

Policiário [53]

 

Publicação

Sábado [871]

 

 

LÚCIFER INTERVEIO NA HISTÓRIA

Sete de Espadas

 

O cadáver do banqueiro, crivado de golpes, estava deitado na alcatifa, como que em posição de sentido. Aos pés, em face deles, uma poltrona, e, ao lado direito, uma mesinha. Sobre ela um montículo de cinza de tabaco, um magnífico charuto meio consumido, e a respetiva ponta. No chão, a cinta do charuto onde se lia a marca DONNIA. Nem um mínimo rasto por onde se inferir a identidade do criminoso.

Conclusão: – Um crime perfeito!

Móbil – Vingança! Atuação de um sádico.

O assassino, após o crime, e saciada a vingança que inúmeras feridas testemunhavam, instalara-se ante o cadáver sangrento, trincara a ponta dum charuto e fumara-o com volúpia que a contemplação da vítima mais avivava.

(O facto de não existir cinzeiro explica-se pela interdição médica que impedia o banqueiro de fumar).

Os três suspeitos estavam na minha frente: – Bernard, Flamínio e Lerroux. Todos odiavam o banqueiro. Todos se odiavam entre si. Todos fumavam charuto.

– Ouça, Flamínio – comecei, seguindo um raciocínio súbito e, aparentemente, inoportuno. – Você que era amigo de Bernard, porque se zangou com ele?

Flamínio sorriu: – Já lá vão oito dias e como sabe sou um desmemoriado.

– Essa tem graça! – exclamei. – Ó Bernard, então você não se ri?...

– Desculpe – respondeu com dicção difícil. – Ando há quatro dias em tratamento no Dr. Lacroix que me extraiu os incisivos. Enquanto não puser a nova dentadura mal posso falar e muito menos rir-me…

Olhei então para Lerroux que, sempre nervoso, esbugalhava para mim os seus olhos pardos. Era o que mais rancor votava ao banqueiro. Perdia a serenidade ao vê-lo e afirmava que o havia de matar…

…Mas seguindo o meu fio de raciocínio, voltei-me de novo para o Flamínio.

– Homem, você de há uns tempos para cá anda endiabrado. Há oito dias incompatibilizou-se com o Bernard; dois dias depois saía do gabinete do banqueiro rugindo ameaças; e, ontem à noite agrediu à biqueirada o guarda-noturno da sua área…

Flamínio respondeu enfadado: – E daqui a pouco agrido-o a você!

Olhei-o com curiosidade – distinto, feições finas e cruéis, merecia bem o apodo de Mefistófoles Italiano… Tinha habilidades fantásticas de faquir… Ao lado dele, Bernard, o capitalista excêntrico, aparentava calma no rosto amarelo de intoxicado. Fumava como uma chaminé. Tinha mesmo encomendado, à melhor fábrica da especialidade, uns excelentes charutos para seu uso exclusivo que recatara até dos próprios amigos. Dizia-se que mandara gravar nas cintas o nome duma grácil rapariga que Lerroux havia trazido da Livónia, e que o capitalista tivera artes de seduzir com assíduas visitas ao casal. Com ela vivia há dois anos – e o ódio de Lerroux ao capitalista Bernard era labareda infernal…

Subitamente, proferi com voz enérgica: – Lerroux, esse amor insensato perdeu-o!

Lerroux exclamou com paixão: – Minha adorável Donnia! – O seu corpo teve um estremecimento e com uma grande cópia de gestos que fizeram lembrar uma jarra, exteriorizava o seu ódio ao traiçoeiro Bernard, quando me ergui num repente: – Você disse Donnia?...

– Sim – respondeu Lerroux. – Ela chamava-se Dounetcka, mas, na intimidade, tratava-se por Donnia.

Tirei do bolso a cinta do charuto e mostrei-a a Bernard: – Então o que eu supunha ser a marca deste "paivante" é o nome da sua beldade?...

– Crime e castigo! – Berrou Lerroux numa exaltação enorme.

Bernard, muito pálido, apenas pôde balbuciar: – Esta só pelo Diabo!...

– Tem razão – acrescentei – Lúcifer interveio na história… E ainda bem, porque me fez descobrir o assassino.

Pergunta-se: Quem foi o assassino?

Apresente provas.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO