Autor Data 27 de Maio de 2021 Secção Policiário [73] Publicação Sábado [891] |
NUM CORREDOR COM 20 METROS Sete de Espadas Os problemas
para os “Novos” ou “Iniciados”, devem ser suaves, maneirinhos, acessíveis,
com um fiozinho de trama ou mesmo de história, mas dirigidos diretamente ao
fim a atingir dentro do nosso querido passatempo – o policiário dedutivo… das
“cinzentas!”. Foi a pensar
nisso que eu, ao aceitar o convite do prezado amigo e companheiro de outras
jornadas, Insp. Aranha, para «me encarregar» de um
problema para os “Novos”» ou “Iniciados”, fui à procura dos meus velhos papéis
e encontrei o “esqueleto” deste que hoje vos proponho… Numa folha
amarelecida havia, ao alto, a seguinte legenda “Num corredor com 20 metros”
por cima de uma outra já riscada que dizia “Bisbilhotices na Residencial das
Avenidas”. Do meio para baixo daquela folha velhinha podia ver-se uma série
de rabiscos e números que faziam uma intrincada tessitura… Havia, também,
algumas linhas escritas… Quando se tem
que escrever um problema, já repararam que “Ela” raramente aparece?...
(“Ela”, aqui, referia-se à imaginação, claro!). E, no entanto,
o caso não é assim tão difícil, pelo menos aparentemente. Imaginem as
gentis leitoras e os prezados amigos uma residencial nas chamadas “Avenidas
Novas de Lisboa”, situada numa dessas vivendas dos anos 20 onde, no primeiro
andar, no topo de uma larga e ampla escadaria bem lançada, depois de um
patamar, se entrava num largo e comprido corredor alcatifado num tom
verde-azeitona, em cujas paredes cremes se viam algumas gravuras iluminadas
no momento por quatro “apliques” e por um candeeiro de teto com duas lâmpadas
de largo quebra-luz roxo, de franjinhas… Para esse
corredor davam todas as portas dos quartos e todas essas portas abrindo para
a direita… Ao fundo do
corredor abria-se na parede um cone com uma abertura interior de 75
centímetros de raio, fechado no exterior por uma janela de vidro avermelhado,
guarnecida de uma grade de ferro trabalhado… Ao canto,
próximo da porta do quarto 12, um desses jarrões enormes de louça vidrada, em
que se depositavam os chapéus de chuva molhados… Por cima do
óculo, a toda a largura da parede, um espelho ligeiramente inclinado. Creio
que estão a ver o que era, e quase como era, a “Residencial das Avenidas”. Claro que
todos os quartos estavam ocupados, sendo numerados, pela esquerda de um a 13
e os do lado direito de dois a 12. No momento do
grito – e isto estava escrito nas declarações que a todos tinham sido pedidas
pelo inspetor – o hóspede do quarto 10, funcionário da “repartição de
finanças” instalada no bairro, principiava a subir o último lance da escada
interior, quase escada de caracol…, situada ao fundo, à direita do corredor,
e vira pelo espelho a porta do quarto nove a fechar-se suavemente. Depois
desviara a vista por causa do degrau que à tarde tinha sido retirado para ser
substituído e… a partir daqui era o que todos sabiam. Os ocupantes
dos quartos 12, oito, quatro, três e cinco, estavam reunidos no quarto um,
festejando o aniversário do ocupante, professor de Educação Física. A viúva do
brigadeiro Saavedra, ocupante do quarto 11, fora quem gritara ao acordar
repentinamente e ver um embuçado, de mascarilha, a estender a mão para o
valioso colar colocado numa concha sobre a cómoda. Ambos tinham desaparecido
num abrir e fechar de olhos, como que volatilizados. Depois, e quase logo de
seguida, segundo lhe parecera, a primeira pessoa a entrar ali fora o ocupante
do quarto 13, logo seguido pelo ocupante do quarto 10 que declararam nada
mais ter visto de anormal. O colar, de
facto tinha “voado”… e do “mascarilha” nada se apurara. No entanto, e para
descanso dos leitores se informa que, o primeiro fora mais tarde encontrado
sob umas camisas dentro de uma das gavetas da cómoda do ocupante do quarto
12… que nada soubera explicar, até porque estava no aniversário. A ocupante do
quarto nove declarara que tinha acabado de chegar, que mal tivera tempo de
encostar a porta do quarto e dirigir-se à escrivaninha para daí estender a
mão e descer a gelosia, quando ouvira o grito da senhora do lado. Como não
gosta de se meter na vida dos outros, deixara-se ficar no quarto, ciente que
a senhora seria imediatamente assistida. Era sempre assim, mal se dava um
grito em qualquer lado. O ocupante do
quarto 13, um ourives que desprezava as superstições, declarara que, ao ouvir
passos no corredor, tinha espreitado pela sua porta, que ligeiramente abrira
numa simples greta, e vira pelo espelho do fundo do corredor a ocupante do
quarto nove a entrar e a fechar mansamente a sua porta. O ocupante do
quarto que não fora encontrado na altura… mas por coincidência a Steno, que ocupava o quarto seis, declarara, garantindo
com segurança, que o vira pela sua porta que por casualidade entreabrira um
ou dois minutos antes do grito, sair do 11, caminhando para a direita, para o
fundo do corredor, silenciosamente, tanto quanto lhe parecera, mas a passos
largos. O ocupante do
quarto dois, despachante da Alfândega, apesar dos ruídos de alegria ouvidos
no quarto um, do grito e do posterior rebuliço, continuava a dormir
paulatinamente, quando lhe entraram no quarto. Mais tarde,
veio a saber-se que o Rodrigo, solicitador, e ocupante do quarto sete, era
quem administrava os bens da viúva do brigadeiro Saavedra. Fora ao quarto da
senhora D. Letícia buscar umas ações da Companhia das Águas, necessárias para
a manhã seguinte – o que a viúva confirmara! – e
dissera ter visto o colar no seu lugar habitual… mas não se afligir,
porquanto, o colar estava devidamente seguro! No dia
seguinte, o inspetor encarregado do caso, sem quaisquer outros elementos da
técnica que tinha fotografado e recolhido as impressões digitais, começou a
arquitetar uma teoria e envolver dois suspeitos e… a um por ter querido
imitar um célebre “ladrão elegante de mascarilha negra e écharpe de seda branca” qual
“rato de hotel” e a outro por possível e provável conivência… mandou-os
buscar! Naquela folha
de papel amarelecido nada mais constava… mas o caso não se tornava assim tão
difícil, porquanto… Pois!... Pois! 1ª – Será
capaz de indicar quem foram os dois suspeitos? 2ª – Diga o como e o porquê
dessa sua indicação. |
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© DANIEL FALCÃO |
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