Publicação: “Público” Data: 18 de Outubro de 1992 Torneio de Preparação 1992 |
TORNEIO
DE PREPARAÇÃO PROVA Nº 2 O AGENTE ÁLIBI Autor: Dr. Acéfalo Era um dia chuvoso. Apesar de serem frequentes as
abertas, a atmosfera densa e sufocante deixava quem nela estivesse envolvido
deprimido ou num estado de semi-letargia. Claro que isto não deixava
indiferente o agente Álibi que, independentemente das circunstâncias, se
encontrava sempre numa espécie de hibernação, que só o aparecimento de um
“caso” interrompia. Porém, naquele dia, Álibi parecia decidido a não
se deixar afundar naquela cadeira. Abriu a gaveta a que normalmente os
colegas chamavam “do entulho” e extraiu de um emaranhado de recortes de
problemas de xadrez um baralho de cartas. Já ia a paciência avançada, quando ouviu os passos
de Duplicado, dirigindo-se ao gabinete. Atabalhoadamente juntou as cartas e
meteu-as na gaveta. Duplicado entrou no gabinete: – Bem, Álibi… Esqueceu-se deste ás de espadas…
Arrume melhor o baralho que meteu para aí e vamos em serviço. Chegaram ao escritório do dr. Mendes, um abastado
notário que fora encontrado morto no seu compartimento com uma faca nas
costas. Ao entrarem pela porta principal, o impacto não podia ser mais
agradável, uma longa e extensa sala em L, em cujas paredes brancas
ressaltavam as cores e formas difusas das serigrafias que nos faziam ser
assaltados por reminiscências do nosso imaginário infantil. Três janelas
amplas faziam-nos afastar a ideia de um escritório de notário soturno e
austero. Enquanto Álibi, aparentemente alheio a tudo o que
se passava, passeava os olhos por umas vitrinas onde estavam expostos
documentos assinados pelo bisavô da vítima (o único elemento que ali
expressava o carácter institucional da firma), Duplicado era guiado pelo
chefe do pessoal e pela secretária do doutor até ao escritório do pessoal,
através de uma porta cujo vidro translúcido permitia que alguma luz da sala
de espera iluminasse um escritório sem qualquer janela. O escritório do pessoal e a sala de espera em L
perfaziam um rectângulo. O escritório do pessoal, por sua vez, possuía uma
porta que comunicava com o escritório privativo do dr. Mendes. Quanto ao
resto do edifício, havia um pátio ao qual apenas era possível chegar por meio
de uma porta da sala de espera e outra do escritório privativo. Ao entrarem na sala do pessoal, o barulho
monocórdico e desgastante das máquinas de escrever cessou imediatamente. O chefe
do pessoal avançou resolutamente para uma secretária onde se encontrava um
homem extremamente apavorado. – Ainda não compreendo o que aconteceu… É de dar
em doido com tudo isto… Como ainda trabalho aqui há pouco tempo, tenho de ir
frequentemente a outras secretárias para conseguir esclarecimentos e quando
estava a ouvir o sr. Daniel, vi de repente… Garanto que vi, através da porta,
um homem de fato e chapéu esfaquear o doutor. Duplicado olhou para a porta e verificou que
possuía espelhos que não permitiam ver para dentro. – Sabe, o sr. doutor era um pouco malicioso –
continuou o chefe de pessoal –, mandou pôr esses vidros porque tinha o prazer
de fazer crer às pessoas que estavam permanentemente vigiadas. Entraram no escritório do dr. Mendes. Era um lugar
triste, sem uma janela e cujas paredes eram forradas de poeirentos e
volumosos livros. Na verdade, daquele escritório era possível ver o pessoal a
trabalhar. – Bem, podemos atingir a sala de espera pelo
pátio, não é verdade? – Era a primeira vez que Álibi abria a boca. Até ali
tinha deambulado como uma alma penada, indiferente ao mundo exterior. – Sim. – Respondeu amavelmente a secretária, que
abriu a porta do pátio, deixando o escritório ser invadido por uma magnífica
luminosidade, deixando ver partículas de pó redemoinhando no ar. Ao chegarem à sala de espera, a secretária fê-los
sentar na escrivaninha situada logo à direita da porta do pátio e onde
recebia os clientes. – Durante a manhã esteve cá alguém? – Inquiriu
Álibi. – Estiveram o dr. Francisco e o professor
Gregório, mas como pude verificar deixaram o dr. vivo e de boa saúde. Desde
então, incluindo as horas mortas habituais, não vi cá ninguém. – Nem mesmo o sr. Alenquer? – Oh! O pessoal pode confirmar que estive lá toda
a manhã. – Exclamou surpreendido e ferido na sua honra o Alenquer. Álibi sorria… Era o primeiro caso que resolvera
desde que fora “despromovido” a agente. – Quem parece estar irremediavelmente
comprometido(a) com o crime? – Justifique a sua afirmação, descrevendo como
tudo se terá passado. |
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DANIEL FALCÃO |
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