Publicação: “Público”

Data: 1 de Novembro de 1992

 

 

Torneio de Preparação

1992

 

 

 

 

TORNEIO DE PREPARAÇÃO

 

PROVA Nº 3

 

A MORTE PASSOU PELO RCW1

Autor: Sete de Espadas

 

Há um bom par de anos, existia em Portugal, com sede em Lisboa, um semanário monárquico (muito antes do 25 de Abril de 1974) que tinha por título “O Cronista”. Nessa altura começava eu a escrevinhar umas tantas ideias sobre a temática policiaria e lembro-me de ter escrito um problema passado com locutores de rádio e com uma “chave” que estava logo à vista… Pelo menos, parecia-me isso, claro, porquanto, e pouco naturalmente, os leitores não foram dessa opinião, pois, nas poucas dezenas de soluções que teve, nem uma só se aproximou daquilo que o autor pretendeu com a sua “chave”.

Eu não acredito muito em plágios, mas sei que eles existem… Tal e qual o outro das bruxas… Por outro lado, também não acredito que uma empresa norte-americana, cheia de talento e capitais, especialista no fornecimento deste género de passatempos para o mundo inteiro, se fosse servir da minha “chave” mais de 30 anos depois de eu a ter usado em “O Cronista”… Mas o que é facto é que isso aconteceu… Não me perguntem porquê. Aconteceu…

Eu começava assim a minha especulação literário/policiária:

«Naquela tarde cinzenta as nuvens arrastavam-se baixas e uma humidade pegajosa envolvia tudo e todos.

Na quietude do seu gabinete de trabalho, Ruy de Villalba olhava o exterior, numa visão adulterada devido às mil gotículas que embaciavam os vidros das amplas janelas. O seu campo de visão era, por outro lado, extremamente baixo, devido ao “plafond” também o ser…

A rádio, quase em surdina, trazia até ele as vozes bem timbradas daquele casal de locutores que tinha o condão de ‘agarrar’ o ouvinte fazendo-o sonhar… E Ruy, naquela tarde modorrenta, quase sonhava… Até que…»

E no texto americano já referido, o problema começava assim:

«O nosso detective encontrava-se no enorme estúdio de emissão de rádio, na altura em os maqueiros da polícia vêm buscar o corpo da cantora Dorothy Dream, morta a tiro cerca de meia hora antes. E quando a pesada porta almofadada e à prova de som se fecha automaticamente após a saída do corpo, dos maqueiros e do polícia, o nosso investigador volta-se para as três pessoas presentes no estúdio e dirige-se a…»

E no “meu caso” também havia três suspeitos. Assim…

«O detective Ruy de Villalba olhava lenta e atentamente, um a um, os três suspeitos reunidos no estúdio, onde os ‘pratos’ agora estavam em repouso e os microfones fechados… Depois, voltando-se para o locutor que às quinze horas, com a Ivone, estava ‘no ar’ com o tal programa que fazia sonhar os adolescentes e os mais maduros…

– O senhor disse-me há pouco que deixou a Ivone aqui, sozinha, enquanto se deslocava ao bar para beber um café…

– É verdade. Saí cerca das 15h20, passei pelo corredor, subi a escada e fui ao bar, onde bebi um café, servido pela Fátima. Estava lá, também, o Simões, que saiu logo a seguir…

Villalba voltou-se para este, o técnico Jorge Simões, e viu-o com um aspecto perturbado, fumando nervosamente um cigarro.

– Sei que saiu lá de cima cerca das 15h25. E depois?

– Tinha acabado o meu serviço e saí. Desci a escada, passei pelo corredor e, ao passar pela ampla parede envidraçada do estúdio, vi a Ivone na locução e apresentação de discos… Desci para o piso inferior (que é o rés-do-chão, como sabe) e cruzei-me, na entrada, com a Filipa…

Filipa era uma jovem bonita, alta, elegante e loura, colaboradora da Rádio, que respondeu o seguinte:

– Cruzei-me, de facto, com o Jorge, que saiu. Subi ao primeiro andar e aqui, ao passar pelo corredor, não vi ninguém no estúdio da locução e pensei que tinham experimentado já a ‘fita magnética’, que lhes irá deixar mais tempo livre…Subi ao bar, tomei um café e desci. Foi ao entrar no corredor que ouvi o tiro. Corri para o estúdio, de onde me parecera vir o ruído, empurrei a porta automática e pesada e encontrei a pobre Ivone aqui, caída, com aquela arma na mão. – E apontou um revólver agora pousado na mesa de montagem…

– Desci atrás de Filipa e quando me dirigia de novo para aqui – atalhou o locutor, colega de Ivone –, ao entrar no estúdio encontrei a Ivone caída e a Filipa debruçada sobre ela e a chorar…»

Quanto ao texto americano, com os respectivos nomes em inglês, claro!, pouco mais acrescentava, mas indicava-nos um móbil a apontar para um dos suspeitos… E “no meu caso” eu acrescentava:

«A arma não era conhecida de nenhum dos presentes, como afirmaram. Tinha as impressões digitais da locutora. Ivone era uma moça alegre, sempre bem disposta, optimista a cem por cento e comunicativa. Ninguém lhe conhecia qualquer depressão que a levasse àquele acto. O ‘furo’, chamuscado, estava no parietal direito…

No gabinete do inspector Gervásio, o processo ia ser encerrado e levar a chancela de ‘Suicídio’… se Ruy de Villalba não entrasse quase a despropósito, violentamente, a atroar os ares:

– Já sei quem matou!...

 

E dezenas de anos depois, perguntamos:

– Por qual das hipóteses ventiladas opta: suicídio ou crime?

– Porquê? Explique convenientemente a razão da sua escolha.»

 

© DANIEL FALCÃO