PÚBLICO – POLICIÁRIO Publicação: “Público” Coordenação: Luís Pessoa Data: 6 de Janeiro de 2002 |
|
|
Campeonato Nacional Taça de Portugal 2001-2002 |
CAMPEONATO NACIONAL 2001/2002 PROVA Nº 5 UM ASSALTO EM COIMBRA Autor:
Flo
Poucos minutos tinham passado após termos recebido um telefonema dando-nos conta de que tinha havido um assalto a uma joalharia na Rua Visconde da Luz e já estávamos no local. Quem nos esperava era o sócio-gerente da firma, que, visivelmente, perturbado, nos confidencia: – Abri a porta e nem queria crer no que via! Ainda pensei que o tecto tinha ruído, mas quando vi as vitrinas despojadas apercebi-me do que tinha acontecido. Três dos meus homens ficaram no rés-do-chão para executar o seu trabalho. Eu com mais dois da brigada, acompanhados pelo sr. Diogo, um dos sócios proprietários da joalharia, subimos ao 1º andar, onde ficavam as oficinas de relojoaria e ourivesaria. A única porta de acesso às oficinas era revestida a chapa e com duas fechaduras de alta segurança. Mesmo assim, fora presa fácil para os assaltantes, que, depois de desligarem o alarme e com o auxílio de um maçarico, cortaram a chapa à volta das fechaduras; serraram então a madeira da porta, sacando as fechaduras. Para não chamar a atenção a alguém que aparecesse, revestiram com folha de estanho os buracos feitos na chapa, dando a ideia de que a porta não tinha sido violada. Já dentro das oficinas, os larápios montaram o seu quartel-general. Desligaram o quadro eléctrico, trabalhando à luz de lanternas. Bem no centro da oficina de ourivesaria estava o buraco aberto no soalho. A partir dali, a via estava livre para ir buscar o produto que lhes era mais apetecido. Não havia dúvidas, estávamos perante uma quadrilha de profissionais, que tinha estudado tudo até ao mais ínfimo pormenor. Restos de vários produtos alimentares enlatados e garrafas de água viam-se em cima de uma mesa de trabalho. Na minúscula casa de banho encontraram-se três jornais diários de 31 de Dezembro de 1999 e de 1 e 2 de Janeiro de 2000, bem como uma gilete desmontável, ao lado de um pacote de lâminas. Tudo o que não fazia parte do espólio da joalharia foi catalogado e metido em sacos numerados, para seguir para o laboratório. A joalharia assaltada ocupava todo o rés-do-chão de um prédio de arquitectura pombalina, situada na rua mais nobre da cidade de Coimbra. Possui quatro grandes montras e uma majestosa porta ao centro. Cortinas de chapa ondulada movidas electricamente e reforçadas com uma fechadura de alta segurança blindavam completamente a joalharia, tornando-a, teoricamente, inexpugnável. O seu interior estava decorado com uma mistura de pombalino com o moderno, com grandes vitrinas de madeira de carvalho e dois grandes balcões em pedra e carvalho, fazendo o contraste com o chão em mármore italiano e o tecto em estuque, com três grandes lustres em prata trabalhada. Dois sócios e duas empregadas estavam na joalharia. Nas oficinas, um relojoeiro, um ourives e uma jovem do balcão compunham o resto da equipa. Todos iam ser ouvidos no meu gabinete. Na rua, um mar de gente bloqueava a entrada da joalharia, comentando e interrogando-se sobre como tinha sido possível aquilo acontecer na pacata cidade de Coimbra. Os depoimentos O primeiro a prestar declarações foi Diogo Sanches: Fora ele quem correra as cortinas e as fechara à chave no dia 31. Fizera as contas do dia e tudo foi arrumado no cofre que se encontrava atrás da porta do escritório, muito bem dissimulado com azulejos pombalinos. Subiu ao 2º andar, ligou o alarme geral e já na rua desejou um bom ano a todos que se apressaram a ir-se embora. E foi tudo. Jaime Sarmento, o outro sócio, nada adiantou. Tudo lhe fazia confusão. Como tinha sido possível, sem que ninguém se apercebesse de nada? João Serôdio entrara para a firma já fizera 50 anos. Aprendera a profissão de ourives e orgulhava-se de ter feito trabalhos para certos governantes. Questionado nesse sentido, disse que nas últimas semanas se recordava de alguns clientes terem usado a casa de banho, facto que era muito pouco vulgar. Seriam com certeza os ladroes, que já por ali andavam a rondar… Luís Miguel, relojoeiro, ao serviço da firma há mais de 38 anos, confirmou que nas últimas semanas dois homens visitaram a relojoaria por duas vezes, deixando sempre um relógio para conserto. O duplicado dos talões e os relógios ainda lá estavam. Ambas as vezes pediram para ir à casa de banho e até perguntaram se havia escada interior que ligasse à joalharia. No entanto, nunca desconfiou deles… Susana, colega do Miguel e do Serôdio, uma jovem de 21 anos, estava apenas há quatro meses na firma e não adiantou nada de relevante com o seu depoimento. Liliana e Judite, empregadas de balcão já com alguns anos de casa, lamentavam o que tinha acontecido. Recordavam-se de um cavalheiro visitar a joalharia e dizer que o tecto era a jóia mais preciosa que alguma vez tinha visto. Nada mais sabiam… As investigações Uns dias depois já tínhamos pistas valiosas. Sabíamos que só um homem tinha descido à joalharia. As marcas dos sapatos de ténis, no chão de mármore, eram todas do mesmo tamanho e forma; os assaltantes tinham estado todo o fim-de-semana dentro das instalações e a mercadoria fora transportada para uma carrinha que esteve dois dias parada numa rua próxima do local do assalto; uma testemunha viu, por várias vezes, um homem com uma pasta dirigir-se para a carrinha e, na madrugada de segunda para terça-feira, viu quatro indivíduos, que não conseguiu descrever, entrar para a carrinha, que se pôs em movimento, logo de seguida. Não mais o veículo foi visto… Nos nossos ficheiros tínhamos um “dossier” referente a um assalto idêntico a este, praticado há alguns anos nas Caldas da Rainha por quatro indivíduos que foram capturados uma horas depois, devido a um acidente que envolveu a viatura em que se faziam transportar e que tinha sido roubada para o efeito. O produto do roubo estava dentro do automóvel. Foram condenados e já tinham cumprido a pena aplicada. A mais recente saída da prisão de um elemento dessa quadrilha foi precisamente o seu cérebro, conhecido pelo “engenheiro”. Caso curioso, três semanas depois, acontecia o assalto e todos eles se sumiram como por encanto. As nossas pesquisas apontavam para estes homens… Um ano passou. Os suspeitos começaram a regressar ao país e foram sendo detidos para interrogatório. O “baldas”, o “morcego” e o “cabeças” disseram ter passado o último ano na seca do bacalhau na Noruega, debaixo de sol escaldante, tendo ganho muito dinheiro. O “engenheiro” disse ter estado na Arábia Saudita, trabalhando no sector alimentar, num importante restaurante especializado, sintomaticamente chamado “Mr. Pig”. Fizera muito dinheiro e tinha regressado por ter saudades do seu país. Os suspeitos estavam referenciados nos nossos ficheiros como assaltantes a ourivesarias, não lhes sendo conhecidas outras actividades. Reuni-me com os meus homens e, perante os elementos que compilámos, efectuamos a sua detenção… Explique se concorda ou não e porquê? No decorrer do assalto, os criminosos cometeram um pequeno deslize que podia conduzir à sua descoberta. Qual? |
|
© DANIEL FALCÃO |