Publicação: “Público”

Data: 27 de Julho de 2003

 

 

Campeonato Nacional 2002-03

Taça de Portugal 2002-03

 

 

 

 

CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2002-03

 

SOLUÇÃO DA PROVA Nº 10

 

DO ESQUELETO DA DEDUÇÃO AO ESCLARECIMENTO DO DELITO

Autor: M. Constantino

 

Excluídos o Notário e a minha própria pessoa, a menos que fossemos cúmplices num crime sem motivo, restavam-nos três hipóteses certas e outra muito vaga.

Fausto, o que teria melhor oportunidade, mas sem motivo – perderia um bom negócio –, fora ilibado pelo cliente que ouvira o tiro pelo telefone. Aliás, mesmo que houvesse combinação entre os dois, Fausto não teria ensejo de ir à cozinha desfazer-se da arma. Nós aparecemos logo após o crime e não voltamos a deixá-lo só. O jardineiro poderia ter oportunidade e arma para ajustar contas pelo acidente; contudo, encontrei a escada de acesso ao primeiro andar limpa bastante para o excluir, porquanto Leocádio tinha as botas enlameadas pelo seu trabalho no jardim. De resto, foi eliminado por Edmundo quando confessou ter atirado a arma pela janela. É importante apontar que estava a ser observado pelos que estavam na varanda no momento do tiro.

Edmundo seria a terceira hipótese. Não podemos esquecer a sua revolta contra o patrão e talvez fosse capaz de tudo, inclusivamente matar para vingar a aparente desdita do “seu menino”. Para mais, tinha em seu poder a arma. Todavia, afastamos o criado, pois que, ao ausentar-se para o seu quarto, não poderia saber que o patrão estava só no gabinete, nem onde estariam Fausto e nós – o Notário e eu. Demasiado ténue a possibilidade de arriscar.

E fica a hipótese muito vaga... o paralítico. Quando entra pela biblioteca na cadeira de rodas, dá-nos o primeiro indício: se tinha de ser colocado na cadeira, se esta fora arrumada junto à janela, é óbvio que teve de sair da cama sem ajuda e ir buscá-la. Logo, não estava paralítico.

É conhecido que a paralisia histérica aparece num momento de forte emoção, para perdurar, assim como desaparece de um instante para o outro, quer por uma nova emoção, quer por ter sido afastado o que originou a emoção. Provavelmente andava às escondidas e a circunstância de se apaixonar por Serena Glória fê-lo actuar: morto o irmão, teria o caminho livre, para o dinheiro e para a mulher!

O segundo facto está em ter-se dirigido directamente à biblioteca, quando o lógico seria procurar o irmão no gabinete, pois a porta estaria encostada, como de costume; mas sabia que estava fechada, porque ele próprio a fechara por dentro. Do seu quarto podia ver a sala e localizar para onde fora cada um; assim, atravessou a sala, fechou a porta do gabinete e matou o irmão, que o olhava admirado – ver expressão da vítima. Saiu pela porta da varanda e as botas de lã ficaram húmidas – tinha deixado de chuviscar –, deixando no solo pegadas mal definidas. Desfez-se da chave e da arma.

A prova final, reconhecida pelo Inspector Chefe foram exactamente as botas de lã húmidas que Paulo António ainda calçava…

© DANIEL FALCÃO