Publicação: “Público” Data: 8 de Dezembro de 2002 Campeonato Nacional
2002-03 Taça de Portugal 2002-03
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2002-03 PROVA Nº 3 SMALUCO NO TEATRO Autor: Smaluco “Smaluco” é o “nome de guerra” de um velho e medíocre
agente da Polícia Judiciária, cujos traços de personalidade mais marcantes
são a fanfarronice, a vaidade e a mentira, características que lhe valeram
alguns processos disciplinares e a reforma compulsiva aos 55 anos de idade. À parte a
investigação directa de alguns crimes de pequeno
delito, ele passou praticamente todo o seu tempo de serviço como policial a
uma secretária, classificando e arquivando documentos, ao mesmo tempo que
devorava textos dramáticos e as mais diversas publicações sobre teatro. Esta sua paixão
pela arte de Talma não é recente. Ela remonta, segundo o próprio, à sua
adolescência, quando se perdeu de amores por uma jovem actriz-bailarina
que na altura debutava no chamado “teatro independente” do pós 25 de Abril de
74, lia Brecht, adorava Beckett e Stravinsky,
idolatrava Pina Bausch e odiava os “velhos” clássicos. O seu romance com
aquela jovem, cujo nome nunca pronuncia e que ele afirma ter sido a grande e
única paixão da sua vida, durou apenas dois anos, mas foi a causa e o tempo
bastante para que Smaluco se perdesse de amores
pelas coisas das “artes do palco”, ao ponto de ser este o seu tema de
conversa preferido, sempre que encontra uma “plateia” interessada em ouvir as
suas aventuras. Há poucos dias,
quedei-me a ouvi-lo discursar para um grupo de jovens, vizinhos seus, que o
tratam com reverência e carinho e que escutavam embevecidos mais uma das suas
histórias. Dizia ele: «No ano em que Lisboa foi Capital Europeia da Cultura
tive o grato e inesquecível prazer de conhecer de perto algumas das mais
importantes personagens da cena teatral mundial, como o norte-americano Bob
Wilson, o espanhol Jorge Lavelli e o português
Ricardo Pais. Com este último, tive a oportunidade única de assistir aos
ensaios finais do espectáculo ‘Clamor’, que
retratava a vida e a obra do grande poeta luso Fernando Pessoa; com Lavelli, tive o ensejo de colaborar na montagem da peça
‘Os Jornalistas’, em cujo elenco pontificava o nosso extraordinário actor João Perry; e com Bob Wilson, vivi a minha mais
empolgante experiência nos palcos nacionais.» Continuava o nosso
“herói”: «Aquele encenador esteve nessa altura na capital a dirigir, no
Teatro Camões, a ópera “O Corvo Branco”, uma produção que suscitou alguma
polémica face aos meios técnicos, humanos e financeiros que envolveu,
provocando os mais irados comentários, em surdina, no seio da classe teatral,
nomeadamente junto dos grupos e companhias que viram os seus pedidos de
subsídio recusados pelo Estado.» Smaluco sentiu o seu jovem auditório entusiasmado
com a narrativa e empolgou-se: «Começou a circular a informação de que uma
autodenominada “comissão de luta” dos grupos de teatro emergentes se
preparava para boicotar o espectáculo, o que levou
Bob Wilson a contactar-me no sentido de averiguar o fundamento daquela
notícia.» Não consegui evitar
um sorriso e, a custo, mantive-me calado a ouvi-lo: «Dois dias antes da
estreia da ópera, em plena madrugada, um grupo de três encapuzados entrou no
Teatro com o propósito de violar os mecanismos de cena e danificar cenários e
guarda-roupa, mas foram descobertos a tempo por mim, que me vi de repente
envolvido numa feroz luta corpo a corpo, com tiroteio à mistura, e que
culminou numa perseguição de automóvel pela Ponte Vasco da Gama. Porém,
graças a preciosa ajuda de um piquete da PSP, os meliantes acabaram por ser
dominados e metidos nos calabouços.» Não quis ouvir mais
nada e abandonei o local, perdido de riso. Vocês sabem porquê,
claro... |
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©
DANIEL FALCÃO |
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