Publicação: “Público”

Data: 27 de Abril de 2003

 

 

Campeonato Nacional 2002-03

Taça de Portugal 2002-03

 

 

 

 

CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2002-03

 

SOLUÇÃO DA PROVA Nº 7

 

O MISTÉRIO DO VOLUME Nº 5

Autor: Dic Roland

 

De posse do papel encontrado por dona Zulmira, é óbvio que a consulta da enciclopédia se torna indispensável. Ali encontraremos, decerto, o material necessária para a elaboração do trabalho escolar de um dos três rapazes que, na sexta-feira, visitaram o engenheiro, visto que o tema escolhido por cada um já era do seu conhecimento. Não foi difícil verificar que, no 5º volume, havia possibilidade de recolher informações úteis. Flávio, que optara pela poesia medieval, dispunha de um suculento artigo sobre cantigas de amigo, de amor e de escárnio e maldizer; e até, curiosamente, sobre o jogo do bridge! Fernando e Francisco, mais inclinados para a época clássica, podiam saciar-se com excelentes entradas sobre Bucolismo e Luís de Camões.

A todos caberia, portanto, o pouco honroso título de suspeito. Mas nem todos, como adiante se verá, tiveram o ensejo de voltar mais tarde ao escritório do engenheiro.

É por isso que Flávio está fora de causa; a sua pasta de cabedal poderia suscitar alguma dúvida (só ele é que citou os dois livros de bridge, que ninguém viu…), se o engenheiro não tivesse afirmado que, após a saída dos rapazes, não notara qualquer falta na estante.

Já Francisco está menos à-vontade porque esteve no escritório, onde ajudou a mãe na recolha da roupa; porque foi ele quem descobriu a chave da porta do terraço, em cima da secretária; porque, com essa mesma chave, poderia lá voltar mais tarde, a coberto da noite. Mas acontece que, naquele mesmo sábado, Francisco atendeu o telefonema do engenheiro, a prevenir do seu regresso a casa no dia seguinte. Razão suficiente para que ele repusesse o livro no seu lugar, caso o tivesse retirado, tanto mais que poderia utilizar a chave do terraço, que estaria em seu poder, ou a chave confiada a sua mãe.

E Fernando? Sabemos que voltou ao escritório pouco depois de ter saído com os amigos, a pretexto do telemóvel; mas esse foi o estratagema utilizado: o telemóvel fora “esquecido” intencionalmente, ou ia escondido no bolso e transportado bem à vista, na mão, à saída de casa. Uma vez sozinho no escritório, retirou da fechadura a chave do terraço e guardou-a convenientemente.

O mais difícil estava feito! Nessa mesma tarde obteve uma cópia e à noite, pelas traseiras (as duas casas são geminadas…), entrou no escritório, retirou o livro e saiu. Não se esqueceu de voltar a fechar a porta com o duplicado da chave. Quanto à chave original, preferiu deixá-la sobre a secretária, e não na fechadura, por temer não conseguir abrir a porta quando ali voltasse para devolver o livro.

O inesperado regresso do engenheiro, que Fernando supunha ausente até quarta-feira, impediu essa devolução em tempo oportuno. E o papel que, inadvertidamente, abandonara na estante ao retirar o volume, orientou a investigação no sentido de relacionar o pequeno extracto dactilografado com algum assunto ali desenvolvido.

Bastaria para isso, conhecer o mote a que corresponde o primeiro terceto; mote que serviu para uma belíssima e muito conhecida écloga de Camões. Mas que também foi glosado por outro grande poeta, Francisco Rodrigues Lobo, num poema bucólico de rara beleza, que a seguir se transcreve:

 

Descalça vai para a fonte

Leonor pela verdura

Vai formosa e não segura.

A talha leva pedrada

Pucarinho de feição,

Saia de cor de limão,

Beatilha soqueixada;

Cantando de madrugada,

Vai formosa e não segura.

 

Leva na mão a rodilha

Feita da sua toalha,

Com uma sustenta a talha,

Ergue com outra a fraldilha:

Mostra os pés por maravilha,

Que a neve deixam escura;

Vai formosa e não segura.

As flores por onde passa,

Se o pé lhe acerta de pôr,

Ficam de inveja sem cor

E de vergonha com graça.

 

Qualquer pegada que faça

Faz florescer a verdura;

Vai formosa e não segura.

Não na ver o sol lhe val,

Por não ter novo inimigo.

Mas ela corre perigo

Se na fonte se vê tal.

Descuidada deste mal,

Se vai ver na fonte pura;

Vai formosa e não segura.

 

Quanta às respostas exigidas:

1) Obra (ou obras) a consultar: qualquer antologia que inclua as melhores éclogas de Francisco Rodrigues Lobo; na entrada “Bucolismo”, do 5º volume da Enciclopédia, faz-se referência a esta écloga do poeta seiscentista, com a transcrição do famoso mote, anteriormente glosado por Camões;

2) O autor do “roubo” foi Fernando;

3) A forma como agiu deve ser correctamente imaginada, em função dos dados disponíveis.

© DANIEL FALCÃO