PÚBLICO – POLICIÁRIO

 

Publicação: “Público”

Coordenação: Luís Pessoa

 

Data: 5 de Dezembro de 2004

 

Campeonato Nacional

Taça de Portugal

2004-2005

 

Regulamentos

 

Prova nº 1

Prova nº 2

Prova nº 3

Prova nº 4

Prova nº 5

Prova nº 6

Prova nº 7

Prova nº 8

Prova nº 9

Prova nº 10

 

Resultados

 

 

CAMPEONATO NACIONAL 2004/2005

 

SOLUÇÃO DA PROVA Nº 1

 

CRIME SEM CASTIGO?

Autor: Ecologista

 

… Orbílio sabia que estava perante um terrível crime ambiental, capaz de dar cabo de toda uma imensa zona territorial, durante anos e anos, talvez séculos.

As evidências não deixavam margem para dúvidas. Um produto ainda desconhecido envenenara o ar, a água, o solo, acabando com toda a vida que por ali existia há milhares de anos.

Em nome de um progresso que é anunciado como redentor e brilhante, trucida-se sistematicamente aquela que é a nossa maior herança. Claro que, em nome de um bem-estar que foi calma e metodicamente colocado na boca daqueles que com ele menos beneficiam – e que passa por automóveis, auto-estradas, telemóveis e outros produtos supérfluos tornados indispensáveis –, fazem com que tornemos nossos os problemas que o não são e nos vejamos a defender indústrias assassinas, porque nos dão hoje os empregos que pagam os produtos e serviços que nos oferecem como indispensáveis, embora tragam a morte e doença generalizadas, amanhã, para os nossos filhos.

Orbílio sabia que era assim e não adiantava muito dizer aos derramadores de lágrimas de crocodilo que quando se sentavam ao volante do carro ou consumiam produtos à base de extracções desalmadas, não estavam a fazer melhor que os poluidores que agora procuravam.

Orbílio matutava sobre todos os acontecimentos e achou curioso que entre os maiores suspeitos do crime ambiental não figurasse nenhum autarca ou membro dos governos que concederam os alvarás ou permitiram que as fábricas laborassem naqueles termos; como achou curioso que todos os responsáveis viessem em uníssono dizer que tudo era muito seguro e que não havia especiais motivos para alarme; como achou ainda mais curioso que todos viessem acenar com os postos de trabalho… Toda a gente entregava de mão beijada o futuro dos filhos para não perder as mordomias do presente!

Orbílio acompanhava os esforços para determinar o que causara aquela situação, mas o dono da Botafumo já havia proferido uma comunicação dizendo que na sua fábrica não se manipulava o produto que causou a hecatombe, reconhecendo, assim, que conhecia perfeitamente de onde partira o agente mortífero…

Orbílio não deixava de pensar como começara mal aquela Primavera, precisamente no solstício… Recordou os tempos em que se sentava nos bancos da escola e faziam uma festa para comemorar o aniversário da prima mais famosa entre todos quanto fazem da língua portuguesa a sua pátria: Primavera!

 

Decorreram anos…

Orbílio ainda ia muitas vezes até ao perímetro dos terrenos contaminados, com vedações degradadas. Aquele dia ficou-lhe para sempre gravado na memória. Deixou de ser o pastor que era, porque perdeu todo o rebanho. Morreram dois dos seus sobrinhos e muitos familiares e amigos, com maleitas cancerosas; mais de metade das pessoas da aldeia andavam em perpétuos tratamentos a doenças esquisitas – mas sem nenhuma relação com o acontecido, como diziam as autoridades; os arredores eram buracos negros onde a alegria se perdeu…

Os investigadores investigaram, os tribunais julgaram e absolveram, os políticos desvalorizaram, as fábricas prosseguiram o seu trabalho, impávidas e serenas, com a certeza de estarem a prestar relevantes serviços à Pátria e aos consumidores…

O dono da Botafumo aparecera na semana passada na televisão a assinar um importante acordo para instalar novas unidades fabris, como ministro ambiental; o autarca que agradecia a presença das fábricas, assinou por baixo, como ministro financeiro, e até o responsável pela investigação apareceu a assinar, na qualidade de secretário da qualidade ambiental…

Na assinatura, apenas faltaram as dezenas de mortos e doentes daquela aldeia. Certamente, apenas porque alguém se esqueceu de enviar os convites…

 

 

© DANIEL FALCÃO