PÚBLICO – POLICIÁRIO

 

Publicação: “Público”

Coordenação: Luís Pessoa

 

Data: 21 de Novembro de 2004

 

Campeonato Nacional

Taça de Portugal

2004-2005

 

Regulamentos

 

Prova nº 1

Prova nº 2

Prova nº 3

Prova nº 4

Prova nº 5

Prova nº 6

Prova nº 7

Prova nº 8

Prova nº 9

Prova nº 10

 

Resultados

 

 

CAMPEONATO NACIONAL 2004/2005

 

PROVA Nº 2

 

SMALUCO NA PRISÃO

Autor: Inspector Boavida

 

Nas últimas três semanas, desde que Natália Vaz aguarda julgamento em prisão preventiva por alegado crime de homicídio, Smaluco já passou mais tempo nos corredores de uma Cadeia do que durante toda a sua vida de trinta anos como detective da Policia Judiciária. É raro o dia que ele não rume a Tires para visitar e consolar a sua ex-namorada e mulher da sua vida, de quem andava “perdido” há mais de uma década.

Numa dessas visitas, Smaluco conheceu Ricardo Gomes, um respeitadíssimo industrial de calçado, possuidor de uma enorme fortuna herdada por sua mulher, que era detentora de um património imobiliário de valor incalculável, não só em Portugal como em diversas cidades europeias, e que viria a ser alegadamente assassinada por uma amante do seu próprio marido.

Anabela Monteiro, assim se chama a amante de Ricardo Gomes, cumpre pena de prisão há já dois anos no Estabelecimento Prisional de Tires e continua a reclamar a sua inocência. Diz ela que, no seu caso, a justiça portuguesa cometeu talvez um dos maiores e mais grosseiros erros da sua história. Mas a verdade é que foi dado como provado em tribunal que Anabela assassinou a mulher do seu amante, a sangue frio e sem quaisquer contemplações.

Segundo Ricardo Gomes, o corpo de sua mulher foi encontrado no “hall” da sua residência de férias, no litoral do Baixo Alentejo, atingida com um tiro à queima-roupa que lhe desfez quase por completo o lado esquerdo da cabeça. Ricardo diz que ainda hoje sente arrepios de horror quando se lembra dos seus olhos muito abertos, num misto de surpresa e terror, e do sangue correndo abundantemente pelo rosto.

A Polícia Judiciária não teve dúvidas quanto à autoria do crime. Junto ao cadáver foi encontrado um botão de um casaco de peles de Anabela, alguns fios do seu cabelo cor de fogo e pegadas deixadas por uns sapatos que ela havia comprado semanas antes e que foram descobertos num velho e abandonado barracão situado nas imediações da casa onde ocorreu o homicídio.

A arma do crime, uma velha caçadeira de canos serrados, que o seu proprietário, Antunes Moita – o caseiro que vive num anexo da casa de férias do casal Gomes, que ele já cuida há mais de vinte anos –, afirmou ter perdido numa remota noite de caça nos montes alentejanos, foi também encontrada no barracão junto a um par de luvas de lavrador, ressequidas de tanta falta de uso, e que foram supostamente utilizadas para não deixar impressões digitais na espingarda.

Foi Antunes Moita que descobriu o corpo da vítima quando entrou em casa por volta das dez horas da manhã para telefonar a um dos primos do casal Gomes – Filipe Gomes, que ali tinha estado hospedado no fim-de-semana anterior e que ficara de voltar naquele domingo para passar mais um dia nas belíssimas praias da costa alentejana, mas ainda não dera quaisquer sinais de vida.

Ao encontrar o corpo da sua patroa, já cadáver, Antunes teve o cuidado de não mexer rigorosamente em nada a não ser no telefone para ligar à Polícia Judiciária, no preciso momento em que entrava em casa o primo da vítima, que ficou paralisado ao confrontar-se com aquele quadro macabro. Refeito do choque, Filipe telefonou então para Ricardo Gomes, que sabia encontrar-se por terras de Espanha para proceder a algumas cobranças de dívidas “mal-paradas” e que tencionava voltar apenas no dia seguinte.

A mulher do caseiro, uma senhora muito doente, que passou quase toda a semana no hospital da região, onde foi internada após mais um dos seus habituais problemas respiratórios, e que tivera alta apenas na véspera, ao fim da tarde, por insistência do marido junto do corpo clínico, foi a terceira pessoa a ver o corpo da vítima antes da chegada das autoridades policiais.

A Polícia Judiciária destacou para o local do crime dois dos seus mais jovens e prometedores efectivos, que chegaram cerca de duas horas depois do telefonema do caseiro e foram céleres nas investigações. Andaram pelas redondezas, ouviram o caseiro e a mulher deste, interrogaram Filipe, e em todas as conversas que fizeram mostraram grande interesse em saber pormenores sobre a vida conjugal dos donos da casa.

Os caseiros não tinham dúvidas: “Os senhores eram muito unidos, davam-se muito bem e raramente tinham quezílias entre eles. Ultimamente, porém, as zangas eram constantes por causa dos ciúmes da patroa, que veio a saber da existência de outra mulher na vida do marido”. Filipe Gomes corroborou as afirmações dos caseiros e foi ainda mais longe: “A amante do meu primo tornou a vida dele num autêntico inferno e há muito que a situação era insustentável para todos”.

Ricardo Gomes chegou ao fim da noite a casa e tinha à sua espera um dos agentes da Judiciária, com uma pergunta apenas: “Onde está a sua amante Anabela?” Ricardo diz que a julgava em Lisboa, no apartamento que ambos partilhavam há já alguns anos, mas ela acabaria por ser encontrada no Algarve, no dia seguinte, num hotel onde dera entrada três dias antes.

As provas eram demasiado evidentes para que Anabela Monteiro escapasse à prisão e a Justiça determinou que ela ficasse encarcerada durante doze anos. Ricardo diz que a visita com a frequência possível, entre os muitos afazeres da sua muito preenchida e agitada vida profissional, porque sabe que ela praticou aquele acto tresloucado, que continua a dizer não ter cometido, por amor e ciúmes. E, diz Ricardo Gomes, ”todas as pessoas merecem piedade e perdão”.

Smaluco abraçou, comovido, o seu ocasional companheiro visitante de cárcere, despediu-se dele com um sentido “até breve” e afastou-se cabisbaixo em direcção à porta de saída da penitenciária, sem ter percebido se Anabela Monteiro está ou não inocente… Por favor, digam-lhe quem matou a mulher de Ricardo Gomes e como foi que chegaram a essa conclusão.

 

SOLUÇÃO

 

 

© DANIEL FALCÃO