PÚBLICO – POLICIÁRIO

 

Publicação: “Público”

Coordenação: Luís Pessoa

 

Data: 30 de Janeiro de 2005

 

Campeonato Nacional

Taça de Portugal

2004-2005

 

Regulamentos

 

Prova nº 1

Prova nº 2

Prova nº 3

Prova nº 4

Prova nº 5

Prova nº 6

Prova nº 7

Prova nº 8

Prova nº 9

Prova nº 10

 

Resultados

 

 

CAMPEONATO NACIONAL 2004/2005

 

SOLUÇÃO DA PROVA Nº 3

 

ENFORCADO NA IGREJA

Autor: Karl Marques

 

A igreja é do século XII, por isso, fruto das pequenas superstições a que nem o cristianismo escapou, será orientada para Este, para a Palestina. A porta principal ficará no extremo Oeste.

Nestas condições, a sala onde foi encontrado o corpo terá uma janela a Este e outra a Sul.

O cadáver está junto à porta da sacristia (Este), pelo que naquela hora de Setembro o Sol, que já vai bem a Oeste, não poderia incidir sobre o corpo, circunstância descrita pela mãe (a porta está fechada, pois o sacristão vai a sair pela igreja; por isso, a porta directa para a rua não está aberta).

Logo a mãe tinha visto o corpo do filho mais cedo. Mas esta tem aparentemente um bom álibi. Não foi ela que matou o filho. Estamos em 1963, a opinião da Igreja sobre os suicidas é bem vincada (o Vaticano II mal tinha começado). Jamais a religiosa Conceição aceitaria o enterro do seu filho sem cerimónias religiosas. Morrer sem oração do sacerdote e votado à condenação da Igreja terrena era “Inferno na certa”.

Quando chegou a casa, não viu as chaves e foi à igreja (ou poderá ter visto a porta da sala entreaberta, pois ela morava perto). Encontra o filho e toma uma decisão: ocultar o suicídio. Mais tarde vincará: “Lá estavam as chaves”. Ela sabia que nunca poderia falar no desaparecimento das chaves.

Primeiro deslocou todos os objectos daquela zona. Como é uma senhora frágil recorre ao carrinho de mão da despensa. Só tinha de deitar os objectos no carrinho e depois levantá-los. Já não precisava de carregar. Foi buscar a chave e quando a guardou na gaveta limitou-se a atirá-la lá para dentro. Por isso foi tão fácil ao sacristão encontrá-la: estava mesmo por cima! Assim se explica a limpeza daquela área da despensa. Provavelmente perfeccionista, limpou o pó (e as teias) do que usou. O chão é de tacos de madeira, pelo que arrastar objectos pode riscar o chão, além de não ser nada prático. As pequenas nódoas de ferrugem serão provavelmente caídas dos assadores deslocados (“muito velhos”). Ela tinha de afastar todos os possíveis “locais de salto”.

A própria limpeza do espaço não faz sentido: se lá tinham estado a tirar coisas de manhã, algumas pegadas teria de haver naquele chão, marcas de sujidade, etc.

Depois, se é um assassinato, tem de haver um suspeito. E ela sabia quem tinha desgraçado o filho, aquela mulher… Foi à casa paroquial e encontrou no quarto do irmão do padre o que precisava. Era costume Maria das Colheitas deixar coisas para trás. E ela já sabia disso.

Conhecedora da vida do padre, do sacristão e do irmão do padre, sabia que dificilmente seria interrompida.

Quando vê o filho pendurado de imediato grita: “O que fizeram ao meu filho!”. Quer desviar as coisas de um suicídio, quando a reacção natural talvez fosse “suicídio”, como pensaram o sacristão e o detective.

O padre desconfia… daí a tal pequena reacção quando lhe falam pela primeira vez em homicídio. A questão é importante para ele: com homicídio há funeral cristão, com suicídio não há. Quando vê o lenço, tira-o, talvez a pensar falar melhor com a D. Conceição. Ele sabe que ninguém o viu a tirar o lenço. “Viu-me? Como?” Mas D. Conceição sabe quem entrou na igreja (ela ficou em sua casa a vigiar). Sabe que só o padre pode ter tirado o lenço. Por isso o padre reagirá: “Viu-me?” Naquele momento, o Padre tem a certeza do que se passou. Apressa a ida do irmão antes que o assunto se complique mais, nomeadamente por Maria das Colheitas ser casada.

O suicídio é pecado, razão pela qual o padre evita olhar directamente para o corpo. Sendo filho da D. Maria, a situação tem algum melindre para ele.

A autópsia confirmará a causa da morte e a ausência de lesões de qualquer espécie, assim como a ausência de venenos ou outros produtos que pudessem diminuir a capacidade de reacção do morto. Confirmará a impressão exterior de não haver lesões, o que condiz com a roupa impecável, e com o trejeito facial “comum aos suicidas”.

Se tivesse sido homicídio porque limpariam o chão? Não há lesões, logo não havia sangue no chão (se houvesse de outra pessoa, como um eventual agressor, isso quereria dizer que houvera defesa de Pedro, mas a roupa está impecável).

Como breve nota final, os altares de talha dourada em nada chocam com a igreja do século XII, na medida em que foi normal colocar-se talha dourada em Igrejas antigas.

 

 

© DANIEL FALCÃO