PÚBLICO – POLICIÁRIO

 

Publicação: “Público”

Coordenação: Luís Pessoa

 

Data: 10 de Abril de 2005

 

Campeonato Nacional

Taça de Portugal

2004-2005

 

Regulamentos

 

Prova nº 1

Prova nº 2

Prova nº 3

Prova nº 4

Prova nº 5

Prova nº 6

Prova nº 7

Prova nº 8

Prova nº 9

Prova nº 10

 

Resultados

 

 

CAMPEONATO NACIONAL 2004/2005

 

SOLUÇÃO DA PROVA Nº 5

 

CRIMOCÍDIO

Autor: A. Raposo

 

Eis as declarações ou as revelações do morto, da Nelinha, do Avlis e do computador:

A carta enviada para o “Público”, assinada pelo Detective Tempicos, apresenta-o pessimista em relação às suas capacidades mentais. Informa-nos também de que a Nelinha lhe tinha fugido de casa. A Nelinha, por seu lado, declarou que se foi embora devido ao facto de Tempicos estar a perder qualidades e a ganhar defeitos, isto depois de uma pequena discussão, sem rancor. Até aqui nada de especial.

A carta, porém, já estava escrita antes da Nelinha sair, no sábado, 30 de Outubro, cerca das 15h00. Foi ela que o disse.

Avlis, na sua informação à polícia, não confirmou e até desmentiu que Tempicos estivesse deprimido ou fosse pessoa dada ao suicídio. Disse ainda ter discutido com ele as classificações e a perda de um ponto no campeonato do Público-Policiário. Ora, esta discussão não teria sentido se Tempicos tivesse a intenção de se matar a seguir. Avlis também não mencionou qualquer carta que Tempicos estivesse a escrever, nem se referiu a qualquer desentendimento entre o detective e a Nelinha.

Corolário n.º 1: Quem escreveu a carta dá a fuga de Nelinha como facto consumado, quando esta saída, segundo a própria Nelinha, ainda não ocorrera.

Corolário n.º 2: O que diz a carta não corresponde ao estado de espírito de Tempicos, segundo Avlis.

Às 14h15 Tempicos enviou um mail a um amigo, o que Avlis confirmou. O respectivo texto, recuperado do computador, dizia que o detective alterara um encontro, a realizar no dia seguinte, para daí a uma semana.

Corolário n.º 3: Não se espera que uma pessoa que tenciona pôr fim à vida se preocupe em remarcar um encontro que sabe ir falhar.

A Nelinha disse que, na manhã de sábado, andou a limpar o relógio e que aproveitou para o acertar pela hora de Inverno, conforme o “Público” daquele dia recomendava. Mas lá em casa só entrava o “Público” aos domingos, por causa do Policiário, e nem ele nem ela tinham saído à rua naquele dia. Temos assim uma mentira aparentemente escusada da Nelinha. Mas, se nos lembrarmos que ela deixou impressões digitais nos vidros do relógio, percebemos esta contradição.

Corolário n.º 4: A Nelinha enredou-se numa mentira sobre a mudança das horas para justificar as impressões digitais nos estilhaços do vidro do relógio, impressões essas que ela, tarde demais, viu ter-se esquecido de apagar.

Outra questão bem importante que se coloca é a seguinte: Como é que a Nelinha sabia que houve um tiro e ainda uma bala que provavelmente estragou o mecanismo do relógio?

Corolário n.º 5: A Nelinha só pode ter sabido que houve um tiro e uma bala no relógio porque assistiu ao facto.

E tudo começa a encaixar em desfavor da Nelinha.

Na carta enviada para o “Público” está escrito: “Ponho esta carta hoje ou amanhã no correio, a seguir meto uma bala na cabeça.” Quem escreveu a carta ainda não tinha a certeza de quando iria actuar? Se a Nelinha já tinha saído de casa, porquê esperar mais tempo para acabar com a vida?

Corolário n.º 6: Vê-se que a carta não deve ter sido escrita por Tempicos, como já se descortinava no corolário n.º 1, e ganha corpo a ideia de que só a Nelinha a podia ter redigido.

 

Os acessos a casa e o cofre aberto:

Não podemos pensar que tenha sido um assaltante do exterior que tivesse entrado na casa, roubado Tempicos e fugido.

A porta da casa não estava arrombada. O cofre tão pouco. A entrada pelo quintal, dada a protecção existente, era praticamente impossível, não obstante a janela se encontrar sempre aberta.

Corolário n.º 7: Só pode ter sido alguém da casa a praticar o roubo.

 

A hora a que parou o relógio e mudança da hora de Verão para Inverno:

É indiferente saber-se se as 12h00 marcadas pelo relógio seriam as de Verão ou de Inverno. Este aspecto, embora tivesse preocupado os investigadores, mostrou-se irrelevante. O que sabemos é que essas doze horas ocorreram, necessariamente, às 24h00 de sábado, se o relógio não foi previamente atrasado ou à 1h00 de domingo se o relógio foi atrasado, ou ainda, de acordo com a mesma alternativa, às 11h00 ou às 12h00 de domingo.

 

As luvas do morto:

Por que razão teria Tempicos calçado luvas para se matar? E, sendo canhoto, por que é que a luva direita é que estava com resíduos de pólvora?

Corolário n.º 8: As luvas não serviram a Tempicos para se suicidar, mas, com certeza, serviram a outra pessoa para o liquidar e depois fazer crer que fora ele a matar-se.

 

A empregada:

Não há qualquer suspeita sobre ela. Não teria acesso à combinação do cofre. Era de confiança, visto ter a chave da casa. Talvez nem soubesse das moedas.

 

Avlis:

Saiu antes da Nelinha. Ela forneceu-lhe um álibi. Não poderia ter roubado as moedas e deixado o cofre aberto. Seria denunciado pela Nelinha.

 

Nelinha:

Terá a Nelinha assistido tranquilamente ao suicídio de Tempicos, conforme descrito na carta, julgando que ninguém desconfiaria dela? Foi ele que lhe pregou desta maneira uma terrível partida? E as contradições em que Nelinha entrou terão sido consequência apenas de uma defesa atabalhoada quando pressentiu que a polícia a podia acusar de crime? Terá Tempicos chegado ao requinte, entre outros, de se suicidar com a mão direita e de luvas calçadas para que a Nelinha fosse incriminada?

Tudo isto parece altamente inverosímil, mas não é impossível. Com todas as avassaladoras provas contra Nelinha nunca deveríamos condená-la sem interrogatórios complementares e uma investigação mais completa.

Mas não nos restam dúvidas de que temos dados suficientes para que a Nelinha seja constituída arguida como autora material da morte de Tempicos. E foi isto que o Inspector Fidalgo descobriu naquela noite antes de adormecer.

 

Como se terá passado o caso:

Nelinha queria abandonar Tempicos e aproveitar para lhe roubar as valiosas moedas de ouro. Conhecia a combinação do cofre por ter visto Tempicos mais de uma vez a abri-lo. Sabia também onde ele guardava a arma.

Encenou então o crime, de acordo com a descrição feita na carta enviada em nome de Tempicos, para fazer crer que se tratava de um suicídio. Utilizou umas luvas de Tempicos, para disparar sobre ele e depois calçou-as à própria vítima para, pelos resíduos da pólvora, não ficarem dúvidas de que fora ele a matar-se. Por acaso a bala foi acertar no relógio. A inesperada situação levou-a a examinar os estragos, depois do que concluiu ser natural a bala ir parar nalgum sítio, pena só ter sido naquele belo relógio que ela tanta pena tinha de não poder levar.

Abriu o cofre, tirou as moedas e deixou-o aberto para simular um roubo, já que a janela também tinha de ficar aberta. Saiu para a rua e fechou a porta, como convinha.

Tudo o que Nelinha se esqueceu ou não previu convenientemente foi analisado atrás.

 

 

© DANIEL FALCÃO