PÚBLICO – POLICIÁRIO

 

Publicação: “Público”

Coordenação: Luís Pessoa

 

Data: 24 de Abril de 2005

 

Campeonato Nacional

Taça de Portugal

2004-2005

 

Regulamentos

 

Prova nº 1

Prova nº 2

Prova nº 3

Prova nº 4

Prova nº 5

Prova nº 6

Prova nº 7

Prova nº 8

Prova nº 9

Prova nº 10

 

Resultados

 

 

CAMPEONATO NACIONAL 2004/2005

 

SOLUÇÃO DA PROVA Nº 6

 

UM CASO INSÓLITO

Autor: Rip Kirby

 

O facto de, no ferimento provocado pela bala, não se verificar a existência de resíduos de pólvora, nem sinais de queimadura significa que o tiro não foi disparado de perto, o que desde logo afasta a hipótese de suicídio.

Não tendo sido suicídio, a nossa tendência seria de imediato para concluir pela ocorrência de um assassínio. Porém, as aparências iludem e o que de facto aconteceu foi um acidente. Acidente só possível devido à total ignorância do Evaristo Relvas no que diz respeito a armas, ao seu manuseamento e aos cuidados a ter com elas.

Com a fortuna chegaram também, para o meu infortunado amigo, as preocupações com a sua preciosa vida e, para a defender, não achou nada melhor do que se armar. Não cuidou, porém, de se instruir no manejo de armas.

Para ele, ao fim e ao cabo, o que era importante era ter pontaria e para a ganhar nada melhor do que se treinar no tiro. Como não podia perder tempo – é uma situação que acontece com todos os novos-ricos –, decidiu fazer esses treinos no seu próprio gabinete que, como vimos, está mobilado da maneira mais estrambólica que se possa imaginar.

Porque não sabia o perigo que isso representava e nem para tal foi alertado, deixou as duas estatuetas de bronze maciço ladeando o improvisado alvo. O inevitável aconteceu.

A pontaria dele era medíocre, como se pode comprovar pelas inúmeras perfurações fora do alvo. E tantas vezes a cantarinha vai à fonte que acabou por lá deixar a asa: um dos tiros atingiu uma das estatuetas e o projéctil, fazendo ricochete, foi entrar no olho do Evaristo provocando-lhe a morte. É por esse motivo que o sargento Silveira encontrou dois umbigos numa delas e é também por isso que a bala que foi extraída da cabeça de Evaristo se encontra muito danificada. Na realidade, o que ao sargento Silveira pareceu um segundo umbigo mais não era do que a mossa provocada pelo embate da bala.

Segundo o médico legista, a morte ocorrera havia mais de uma hora e menos de duas. Isto situa-a entre as 10h30 e as 11h30. Este facto elimina desde logo Armando Relvas, que saiu do gabinete às 09h15 e Ernesto Fernandes, que, por sua vez, saiu às 09h40. Manuel Mateus entrou às 11h30, ou seja, dentro do limite mais curto, mas, de acordo com o relato da secretária de Evaristo, permaneceu menos de um minuto no gabinete onde ocorrera a tragédia.

Menos de um minuto é tempo suficiente para um homem disparar sobre outro e desaparecer, mas para isso seria preciso que já fosse prevenido com a arma. Neste caso, a arma é de Evaristo e para a usar Manuel Mateus teria que a tirar ao patrão, o que implicaria luta e gasto de algum tempo. Depois, teria de efectuar a limpeza da arma para fazer desaparecer as impressões digitais. Ora, se esteve menos de um minuto no gabinete, Manuel Mateus não teve tempo para eliminar o patrão. Além disso, o corpo de Evaristo não apresenta qualquer sinal de luta. Por este motivo também não se estranha que o operário soubesse da morte do patrão. Afinal havia sido ele o primeiro a entrar no gabinete depois de tal ter ocorrido.

Ernesto Fernandes também demonstra ter conhecimento da morte de Evaristo, mas nisso não há nada de estranho, pois é natural que a esposa o tivesse informado no decorrer do almoço.

E é tudo. Os meus agradecimentos e as minhas desculpas a todos aqueles que se lançaram na busca do desfecho desta história tentando reavivar a minha memória, mas isto foi só uma partida que vos quis pregar para saber até onde ia o vosso espírito de solidariedade. Então não acharam estranho que eu me lembrasse de tantos pormenores e não me recordasse precisamente do seu final – que era o mais fácil de recordar?...

 

 

© DANIEL FALCÃO