PÚBLICO – POLICIÁRIO

 

Publicação: “Público”

Coordenação: Luís Pessoa

 

Data: 8 de Maio de 2005

 

Campeonato Nacional

Taça de Portugal

2004-2005

 

Regulamentos

 

Prova nº 1

Prova nº 2

Prova nº 3

Prova nº 4

Prova nº 5

Prova nº 6

Prova nº 7

Prova nº 8

Prova nº 9

Prova nº 10

 

Resultados

 

 

CAMPEONATO NACIONAL 2004/2005

 

SOLUÇÃO DA PROVA Nº 7

 

A VINGANÇA

Autor: Dic Roland

 

A vidraça da montra foi estilhaçada por duas pedras protegidas com serapilheiras, para amortecer o som das pancadas. Mas quem teria atirado as pedras?

Parece evidente que Luísa, Berta, Zé da Púcara e António, por muito que desejassem vingar-se do Chico do Anzol (cada um deles por motivos diferentes), não se arriscariam a uma tal temeridade. E isso porque: 1) corriam o risco de acordar os moradores da casa, isto é, o casal Candeias; 2) não podiam assegurar-se de que ninguém passaria nas imediações, testemunhando o crime.

Mas há ainda outros pormenores a considerar: as pedras lançadas contra a vidraça poderiam estilhaçá-la e destruir algumas peças dos serviços, mas nunca a totalidade dos objectos expostos. Esta fúria de destruição exigiria bastante tempo e só poderia ser levada a cabo dentro de casa, e nunca do exterior.

Assim, somente é razoável suspeitar do Ti Candeias e de sua mulher, Josefa. Mas Candeias não estava em casa quando Josefa regressou do seu frustrado passeio à fonte; e se, ao voltar do jogo da sueca altas horas da noite, resolvesse espatifar a louça, teria a mulher a censurá-lo… ou a colaborar com ele!

Ora, nenhuma destas hipóteses é razoável: quanto à primeira, porque havia o perigo da denúncia; quanto à segunda, porque essa aliança é aberrante, face ao desentendimento do casal e às razões que lhe deram origem.

O facto de Candeias, ao regressar do jogo, não ter dado por nada de anormal, deve-se ao percurso que habitualmente faz: a Sociedade Recreativa fica na rua principal, e é nela que entronca a travessa que vem do adro da igreja. O merceeiro percorre a travessa até à porta de casa e não passa, portanto, pela frente da mercearia.  

Resta, pois, Josefa, a quem não faltam razões para tamanha fúria: sente-se ferida no seu amor-próprio, pelo manifesto desinteresse do Chico do Anzol; depois de ter ouvido a resposta de Luísa ao António, julga que Chico irá à fonte para se encontrar com Luísa, e não com ela; a destruição dos serviços não a prejudica materialmente, pois trata-se de um valor que, de direito, só pertence ao Chico; os danos morais que, porventura, possam recair sobre o marido, pouco ou nada a preocupam…

Ao chegar a casa, e sabendo-se sozinha, fecha as persiana protectoras da vitrina, esmaga rapidamente a louça e os vidros, decerto com a utilização de cobertores para amortecer os golpes e, por fim, pega em duas pedras (que já trouxera da rua), envolve-as em serapilheiras que tem na arrecadação e sai então à rua, depois de abrir a persiana da montra. Certifica-se de que ainda é cedo para o marido chegar do jogo, dá uma vista de olhos pelo adro e pela viela; e, segura de que não há vivalma pelas proximidades, atira então as pedras que vão anichar-se entre os cacos, depois de espatifar a vidraça!... Vai, finalmente, para o seu quarto, no primeiro andar.  Quando o marido chega, uma hora depois, já ela dorme a sono solto, gozando, em sonho, as delícias daquela desforra!...

 

 

© DANIEL FALCÃO