PÚBLICO – POLICIÁRIO

 

Publicação: “Público”

Coordenação: Luís Pessoa

 

Data: 5 de Março de 2006

 

Campeonato Nacional

Taça de Portugal

2005-2006

 

Regulamentos

 

Prova nº 1

Prova nº 2

Prova nº 3

Prova nº 4

Prova nº 5

Prova nº 6

Prova nº 7

Prova nº 8

Prova nº 9

Prova nº 10

 

Resultados

 

 

CAMPEONATO NACIONAL 2005/2006

 

SOLUÇÃO DA PROVA Nº 2

 

O CANTAR MARAVILHOSO DO TENTILHÃO

Autor: Onaírda

 

Quando se refere que estamos num ano muito seco e vai haver um défice previsível de 6,8 por cento, vê-se que estamos no ano de 2005. E igualmente quando Tempicos traz um ramo de flores, mas que são papoilas e espigas porque era um dia a preceito, também se vê que estamos em quinta-feira da Ascensão, vulgo quinta-feira da espiga. Então o dia é o 5 de Maio de 2005.

A partir das declarações do empregado da cervejaria, sabe-se que o homem branco tentou impedir que o empresário fechasse a porta do seu automóvel. Por isso deu liberdade de acção para que o negro entrasse pelo lado direito da viatura e executasse o golpe na garganta, confirmado por que só uma pessoa deste lado podia desferir o golpe da direita para a esquerda. Garçôa tem possibilidades de obter a identificação dos indivíduos, não só porque tem as suas impressões digitais nos copos de cerveja ainda no balcão mas especialmente tem as do negro na nota de cinco dólares. E não nos vamos esquecer que o indivíduo branco também deixou impressões digitais no vidro e porta do lado esquerdo.

Dada a natureza do crime e não tendo o furto como móbil, facilmente se constata que era um ajuste de contas levado a cabo por profissionais. Assim, era previsível que ambos tivessem cadastro e que já tivessem estado presos. A sua situação de estarem em liberdade era devid a que já tivessem cumprido pena adequada ou então que estivessem a gozar uma “condicional” E no caso concreto do individuo negro, que por ter sotaque afrancesado não deveria ser nacional, seria mais fácil a sua identificação através do SEF. Identificado um, facilmente se chegaria ao outro.

O laboratório da polícia científica trabalhou todo o dia de sexta-feira na digitalização de todas as impressões digitais. Trabalhando com os computadores do Ministério da Justiça e recorrendo-se ao cruzamento de dados, depressa se chegou a Arnaldo Camarão e Mifiná Siké. Prova deste facto foi a presença da agente Cristina no laboratório nessa sexta-feira, providenciando que não houvesse tempos mortos na procura de resultados.

Tendo a certeza de que estes dois tinham sido os criminosos (para o efeito, Garçôa tinha a presença do empregado da cervejaria, que numa sala anexa, e através de um vidro espelhado que o tornava invisível, identificou afirmativamente os assassinos), o inspector recolheu as suas declarações, sempre obrigatórias, com o objectivo de procurar uma confissão espontânea.

As declarações de Arnaldo Camarão foram um rosário de mentiras porque:

a) Já se sabe que o crime ocorreu na quinta-feira da espiga e que no concelho de Mafra, a que pertence a Ericeira, é dia de feriado municipal.O porto de pesca da Ericeira fica totalmente inactivo no que se refere a serviços prestados pelo Clube Naval, proprietário da grua de bota abaixo e de alagem, assim como dos tractores de arrastamento. Logo, seria impossível a Arnaldo entreter-se a ver a grua na sua função habitual dado que ela estava recolhida.

b) Quanto ao treino do tentilhão, este até seria possível, mas neste caso a gaiola teria de estar envolta e tapada com um pano branco, condição indispensável para que o tentilhão cante sem se assustar com o ambiente à sua volta e para não se espantar. Portanto, se as pessoas viram o bico azul do pássaro (o que é normal na Primavera) é porque ia destapado e deste modo não se podiam deliciar com o canto do tentilhão.

Quanto às declarações de Mifiná Siké, Garçôa analisou-as e concluiu:

a) Mifiná referiu que desatracou o barco às 09h00 e que depois seguiu para as bandas do Samouco para apanhar minhocas para a pesca. Até aqui tudo bem, mas a apanha das minhocas só se pode fazer com a maré vazia (mais concretamente uma hora antes da baixa mar e até que a água suba) e nesse dia 5 de Maio a baixa-mar foi às 06h43 e portanto cerca de três horas depois já não era possível apanhar minhocas, nem no Samouco nem em parte alguma que dependesse das marés.

b) Em relação à pesca nas valas de Vila Franca, é uma declaração despropositada, mas em todo o caso incongruente, porque as espécies de peixes referidas, na data de 5 de Maio estão em época de reprodução, portanto nem é a altura ideal, nem é permitida a sua captura.

Com estas declarações tanto Arnaldo como Mifiná mentiram e, mais grave, não apresentaram álibis consistentes que comprovassem que não estiveram no Restelo naquele dia 5 de Maio.

Deste modo, Garçôa tinha todas as condições para fundamentar o seu relatório e enviá-lo para o tribunal.

 

 

© DANIEL FALCÃO