PÚBLICO – POLICIÁRIO

 

Publicação: “Público”

Coordenação: Luís Pessoa

 

Data: 22 de Janeiro de 2006

 

Campeonato Nacional

Taça de Portugal

2005-2006

 

Regulamentos

 

Prova nº 1

Prova nº 2

Prova nº 3

Prova nº 4

Prova nº 5

Prova nº 6

Prova nº 7

Prova nº 8

Prova nº 9

Prova nº 10

 

Resultados

 

 

CAMPEONATO NACIONAL 2005/2006

 

PROVA Nº 3

 

A MORTE DO PLAYBOY

Autor: Rip Kirby

 

O caso que aqui vou narrar teve o seu início no 16º dia do 6º mês do 5° ano do séc. XXI.

Godofredo Rodrigues de Sousa era um daqueles indivíduos cujo perfil moral os sociólogos, os psicólogos ou os especialistas em qualquer outra área mais de acordo com o estudo dos caracteres humanos teriam sérias dúvidas em catalogar como pertencente a um “playboy” ou a um “gigolo”.

Vindo não se sabia de onde, fixara residência em Tavira havia já alguns anos, não se lhe conhecia ocupação nem era do conhecimento de alguém qual o manancial de onde provinha o capital que ele desbaratava sem qualquer preocupação ou cuidado. O que todos sabiam, pois “publicidade” não faltava, era que ele tinha uma enorme popularidade entre as mulheres e que as preferia altas e loiras.

No dia acima citado, a meio da manhã, a empregada que lhe cuidava da casa informou-o de que havia recebido um telefonema de um familiar que reclamava a sua presença pelo que, embora a sua hora de saída fosse às 15h30, naquele dia sairia logo após o almoço e, como o referido familiar morava longe, Alcoutim, só voltaria no dia seguinte.

Assim foi. Maria Rosa, a empregada de Godofredo, saiu perto das 13h30 e no dia seguinte quando voltou, cerca das 9h30, encontrou o patrão morto. Sem perder a calma e sem tocar em nada, além do telefone, ligou para a polícia.

Eram exactamente 10 horas quando o inspector Eduardo Trindade e o seu ajudante, o sargento Silveira, chegaram à residência de Godofredo, uma casa antiga de dois pisos, bastante perto da margem do rio, e foram imediatamente conduzidos ao que a serviçal, pomposamente, designou por gabinete de trabalho do senhor no andar superior.

Tratava-se de uma saleta de paredes almofadadas e profusamente decorada com espelhos, fotos de mulheres em poses atrevidas e alguns canapés, havendo junto de cada um deles uma pequena mesa. Havia também um móvel-bar muito bem provido de bebidas exóticas e caras.

Do tecto pendia um imponente candeeiro de 18 lâmpadas que se encontrava apagado. A luz que iluminava a sala provinha de uma ampla janela que ocupava quase totalmente a parede em frente à única porta de acesso à saleta e de onde se podiam ver as águas do Gilão. Por esta janela entravam os raios solares, àquela hora já bastante quentes, que incidiam sobre as costas do morto, projectando a sombra deste, obliquamente, sobre a secretária colocada ao fundo.

Era a esta secretária que se encontrava, sentado, o corpo de Godofredo amparado pelos braços do cadeirão e ligeiramente recostado para trás. Os olhos abertos, fixos no tecto, pareciam olhar um invisível objecto algures no infinito. No lado contrário da secretária havia uma cadeira onde alguém estivera sentado fumando, pois tinha na frente um cinzeiro contendo algumas pontas de cigarro. Segundo a empregada afirmou, Godofredo não fumava e quando saíra na véspera deixara todos os cinzeiros limpos.

Na camisa branca que o morto envergava, uma mancha de um vermelho escuro, que alastrara para o ventre, por altura do coração, um pouco chamuscada e alguns resíduos de pólvora indicam qual a natureza da sua morte. Mais tarde, os peritos diriam que o tiro havia sido disparado de frente, ligeiramente da esquerda para a direita da vítima, a menos de um metro de distância por uma pistola de pequeno calibre.

O legista afirmaria que a bala, depois de perfurar o peito, sofrera um pequeno desvio, rasara o coração e fora alojar-se na coluna vertebral, danificando-a gravemente, provocando de imediato a paralisia dos membros superiores e a perda de conhecimento. A morte, que não fora imediata, teria ocorrido entre as 15h e as 16h30 do dia anterior, cerca de meia hora após a vítima ter sido atingida, e fora devida à enorme hemorragia sofrida, como atestava o sangue que sujava o tapete junto dos pés do morto.

No gabinete não foi encontrado nada de interesse a não ser, numa das gavetas da secretária, uma numerosa colecção de cassetes áudio, todas de 60 minutos, identificadas com iniciais e datas diversas. Verificou-se depois que todas elas continham a gravação de conversas bastante comprometedoras para o bom-nome de algumas mulheres.

Na gaveta central, ligeiramente aberta, havia um pequeno gravador de som que se encontrava desligado porque a fita, também de uma hora, que estava inserida havia chegado ao fim.

A mão direita do morto, pousada na secretária sobre uma folha de papel, segurava uma lapiseira. Parecia que Godofredo enquanto conversava com o seu carrasco, se entretivera a fazer os desenhos aqui representados:

 

 

 

Depois que o corpo foi levado, Eduardo Trindade pegou no gravador, rebobinou a cassete e ficou escutando a gravação que ela continha. Era a conversa que Godofredo havia mantido com a sua visitante pouco antes de morrer. Era uma conversa confusa onde só se ouvia com nitidez a voz do dono da casa. Parecia que ele havia sido apanhado de surpresa pela visita e não tivera tempo para preparar o gravador. A outra voz não passava de um sussurro inaudível, mas pelas respostas dadas por Godofredo deduzia-se que a outra parte o ameaçava de morte. Sabemos também que se tratava de uma mulher porque ao longo da gravação várias vezes Godofredo se lhe dirigiu pelo nome.

A conversa durou 15 minutos e, para além do que sobre ela já foi dito, pouco ou nada adianta ao caso. Importante mesmo é só o facto de Godofredo, várias vezes, ter tratado a sua visitante por Cristina e no final desse tempo o ruído do tiro ter ficado gravado. Depois disso a fita continuou rodando até ao fim, mas o silêncio era quase total.

O invólucro detonado foi encontrado junto da secretária no lado esquerdo do morto.

– Ora aqui está um caso de fácil resolução, pensou o inspector, mas logo mudou de opinião quando, ao interrogar a empregada doméstica, ficou a saber que eram várias as Cristinas na vida de Godofredo. Encarregou o sargento Silveira de as procurar e perguntar-lhes, entre outras coisas, o que elas tinham feito no dia anterior e onde haviam estado entre as 14h30 e as 16 horas.

Cristina Maria dos Santos Duque, natural de Tavira onde trabalhava, como gerente, numa loja de artigos femininos, respondeu que tinha trabalhado desde as 9 horas da manhã até às 19h com um intervalo entre as 13 e as 15 horas para almoçar. Às 14h30 possivelmente estaria tomando uma bica com as colegas no café vizinho do estabelecimento onde trabalhava. Um pouco antes das 13h telefonou para Clara Cristina para lhe encomendar um perfume e pouco depois das 15h voltou a ligar, mas não foi atendida em nenhuma das tentativas e o telemóvel estava desligado.

Cristina de Sousa Barão: era também de Tavira, onde morava, mas trabalhava numa joalharia em Olhão. Como tivera o dia livre, fora, logo pela manhã, com umas amigas a Ayamonte e ficara lá todo o dia.

Clara Cristina Reis de Carvalho era natural de Faro, onde residia sozinha, e era proprietária de uma perfumaria em Olhão. No dia anterior sentira-se bastante indisposta, pelo que não saíra de casa nem havia visto ninguém conhecido.

Glória Cristina Marquês da Silva era natural de Olhão onde residia. Trabalhava em Faro numa agência de viagens onde estivera durante todo o dia. Fora um dia muito movimentado e por isso quase não tivera tempo para almoçar.

Maria Cristina Reis era de Tavira, onde morava. Trabalhava como delegada de informação médica. No dia anterior estivera em várias cidades algarvias e à hora mencionada, mais ou menos, devia estar em Olhão, onde fora à agência do banco de que era cliente para tratar de um assunto importante para ela. Por sinal abasteceu o carro num posto de gasolina, à saída desta cidade, quando já se dirigia para Tavira, precisamente às 15h30 como atestava o recibo que apresentou.

Olga Cristina Travassos era natural de Lisboa, onde residia, mas trabalhava em Tavira como recepcionista num hotel. No dia anterior, como era o seu dia de folga, havia ido a Lisboa. Saíra logo de madrugada para evitar o calor no Alentejo. Acabou por não se encontrar com as amigas com quem havia combinado irem à praia a Cascais. Passou um dia muito aborrecido.

Cristina Duarte Conde felizmente não precisava de trabalhar, segundo afirmou, e não tinha residência fixa embora permanecesse mais tempo em Tavira. No dia anterior dera-lhe para viajar sem destino certo pela serrania algarvia na companhia de um irmão. Curiosamente em Alcoutim, onde jantara ao fim da tarde, ficara com a impressão de ter visto a Maria Rosa.

Eduardo Trindade ainda tentou saber, pelas Cristinas, alguns detalhes da vida de Godofredo, mas não conseguiu grande coisa. Apenas a Cristina Duarte Conde informou que havia muito tempo que não via o “pilantra”. Precisamente desde que ele tentara fazer chantagem com ela.

Curiosamente, das sete mulheres suspeitas, apenas esta última não era loura nem alta.

O inspector incumbiu o sargento Silveira de obter a confirmação de todos os depoimentos, mas como isso poderá ser um pouco demorado será que os nossos detectives são capazes de dar uma ajuda ao inspector elaborando um relatório, o mais rigoroso possível, sobre as conclusões a que chegaram, adiantando-lhe assim a solução?

 

SOLUÇÃO

 

 

© DANIEL FALCÃO