PÚBLICO – POLICIÁRIO Publicação: “Público” Coordenação: Luís Pessoa Data: 8 de Janeiro de 2006 |
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Campeonato Nacional Taça de Portugal 2005-2006 |
CAMPEONATO NACIONAL 2005/2006 PROVA Nº 2 O CANTAR MARAVILHOSO DO TENTILHÃO Autor:
Onaírda
Naquela manhã de Maio de um ano extraordinariamente afectado por uma seca extrema, que se iria agravar mais tarde com a previsão de que o défice iria chegar aos 6,8%, o Inspector António Garçôa (o Teórico) entrou no seu gabinete e qual não foi o seu espanto ao deparar com o seu colega Tempicos (ainda em recuperação de amores mal-sucedidos com a Nelinha) vestido a rigor e tendo nas mãos um ramo de flores, uma mistura de papoilas, verduras e espigas. Garçôa riu-se, porque conhecia o espírito marialva de Tempicos para agradar ao belo sexo e a sua presença no seu gabinete justificava-se, porque tinha sido admitida uma nova agente de 3ª (muito apresentável e bem classificada no curso) e que fora adstrita à sua secção. A Tempicos já lhe tinha dado o cheiro e estava a lançar as redes. Garçôa, meio a sério e meio a brincar, disse-lhe que ao menos podia gastar mais uns cobres e comprar um ramo mais jeitoso. O detective mulherengo arranjou uma desculpa esfarrapada, porque a porta das instalações da polícia estava pejada de vendedoras, num dia a preceito. Cheio de boas intenções e para ajudar as mulheres, lá comprou um ramo. Tempicos, depois de cansar os olhos na figura agradável da nova agente (Cristina, refira-se o nome), saiu, não sem antes avisar o amigo que telefonaria mais tarde. Garçôa, que estava de piquete, foi chamado às 17h00 para tomar conta de um crime violento, ocorrido num parque de estacionamento à superfície, situado na zona do Restelo. O Teórico foi confrontado com uma morte executada com extrema violência por “profissionais“. Daniel Morgado era um empresário de sucesso do ramo imobiliário em Cascais, mas com algumas habilidades à mistura, que lhe iam granjeando fortuna, mas também ressentimentos, ódios e desejos de vingança por parte de alguns concorrentes. Foi ele quem apareceu morto no interior do seu automóvel, apresentando um profundo e extenso golpe na garganta, direccionado da direita para a esquerda e que quase o degolou. Tinha tido morte praticamente imediata, tal a precisão do golpe. O móbil do crime não fora o roubo, pois não foram subtraídos quaisquer valores da viatura e a própria carteira de Daniel, que estava meio à vista num dos bolsos do casaco, estava intacta e com 800 euros. Garçôa concluiu que a morte do empresário tinha sido o objectivo único daquele golpe de mão! Havia uma testemunha importante e que se pôs à disposição do
Teórico. Tratava-se de um empregado de uma cervejaria próxima, situada a
cerca de O apoio logístico de Garçôa funcionou, traduzido com a recolha de indícios e a presença do médico legista. A conclusão do que viu permitiu ao Teórico confirmar que estava em presença de uma dupla especialista neste género de golpes, de certeza que já tinham cadastro e que actuaram às ordens de um mandante. Diligências efectuadas no dia seguinte permitiram que, no fim do dia, o inspector tivesse a investigação alinhavada. Tinha obtido do juiz de instrução um mandado de detenção para os dois suspeitos e havia que os interrogar no dia seguinte, sábado. Tratava-se de Arnaldo Camarão, que morava na zona da Ericeira, e de Mifiná Siké, de origem africana, que residia na zona oriental da capital e estava em Portugal havia dez anos, devidadamente legalizado. Quando Garçôa interrogou Arnaldo Camarão, este ainda não sabia para o que fora chamado, ficando na expectativa – talvez fosse o não cumprimento da apresentação de uma “condicional”. Devido à forma inteligente e matreira como começou o interrogatório, deu-lhe para falar à vontade, para impressionar o Teórico. Este, de repente, disparou a pergunta inevitável: – Que é que você fez durante todo o dia de anteontem? Arnaldo é apanhado de surpresa mas respondeu com convicção. – Dormi toda a manhã e levantei-me por volta da uma. Almocei
uns restos do jantar da véspera e de tarde fui até ao porto de pesca da
Ericeira, onde estive entretido a ver a grua a descer e içar barcos
empenhados na pesca desportiva. Mas aproveitei a ocasião e levei comigo um
tentilhão numa gaiola, para o ir treinando a cantar Garçôa não lhe perguntou mais nada mas lembrou-se que por vezes ia à Ericeira aos domingos e gostava de ver a tal grua no seu movimento de bota abaixo e levantamento de barcos desportivos. Mifiná Siké dava claramente a ideia de ser esperto e operacional. Estava no mesmo estado de Arnaldo quando começou a ser interrogado. Garçôa fez-lhe a mesma pergunta e ele respondeu convictamente: – Nesse dia apeteceu-me ir à pesca. Fui desatracar o meu barco à doca da Matinha pelas 9h00 e dirigi-me para a outra margem perto do Samouco, onde apanhei minhocas suficientes para um dia inteiro de pesca. Segui para o mar da Palha e por lá estive todo o dia até às 18h00. Depois vim atracar o barco na doca e segui para casa. Já não saí no resto do dia. Mas no dia seguinte também fui para a pesca, agora nas valas das lezírias de Vila Franca, dado que é a altura ideal e permitida para se apanharem bogas, carpas, barbos e achigãs. Como é seu hábito só ao final do dia seguinte é que Tempicos se lembrou de telefonar ao Teórico e perguntou-lhe se a nova agente estava a corresponder às suas funções. Garçôa disse-lhe que ela tinha passado todo o dia no laboratório da científica, aguardando resultados urgentes e concretos. Tinha demonstrado grande paciência, o que era bom sinal. Mas tudo foi frutuoso e correu bem e agora informava-o de que o namorado da Cristina tinha vindo buscá-la e que o mesmo tinha dois metros de altura e praticava karaté. Tempicos pigarreou, tossiu e resmungou: – O Teórico até nem pode acertar num alvo a cinco metros, mas que é certeiro a desmoralizar, lá isso é!... Onaírda conhece o relatório elaborado pelo Teórico e que permitiu que o caso fosse para tribunal. Mas como está obrigado pelo segredo de justiça, que quer cumprir, deixa ao cuidado dos detectives do Policiário a elaboração do mesmo o mais aproximado possível. |
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© DANIEL FALCÃO |