PÚBLICO – POLICIÁRIO

 

Publicação: “Público”

Coordenação: Luís Pessoa

 

Data: 25 de Junho de 2006

 

Campeonato Nacional

Taça de Portugal

2005-2006

 

Regulamentos

 

Prova nº 1

Prova nº 2

Prova nº 3

Prova nº 4

Prova nº 5

Prova nº 6

Prova nº 7

Prova nº 8

Prova nº 9

Prova nº 10

 

Resultados

 

 

CAMPEONATO NACIONAL 2005/2006

 

PROVA Nº 9

 

ENIGMA DA BALA ASSASSINA

Autor: Severina

 

No primeiro domingo depois do início da primavera, D. Carolina Simões encontrou o professor Casimiro Meira, seu irmão, sentado à secretária com a garganta cortada e o peito coberto de sangue. Dentro do escritório, entre a secretária e a porta para a escada, jazia outro indivíduo, banhado no próprio sangue. Chamada a polícia, o agente Prazeres e o guarda Varela não tardaram a chegar à morada indicada. Confirmada a existência de duas vítimas, foi pedida a presença da equipa técnica e do médico legista.

Prazeres foi observando do patamar o interior da sala, onde via jornais rasgados e manchados de sangue, espalhados pelo chão. Via em primeiro plano o cadáver caído na direcção da porta, para a escada; e, em realce, uma pistola pousada sobre a secretária à direita do professor. A meio da secretária, uma pasta usada, de onde saía de um lado uma ponta de papel branco, que chamava a atenção. Esta folha branca foi o primeiro elemento de valor que chegou às mão de Prazeres – embora de início não lhe desse o devido valor. Tinha esta configuração:

 

 

D. Carolina, a quem pediu opinião deste achado, não soube explicar. Era próprio do irmão, apreciador de secretismos que ela não entendia. Casimiro, jovial e bem disposto, não era comunicativo. Os irmãos, na casa dos sessenta, professores agora aposentados, eram viúvos e sem filhos. Tinham habitado sempre naquele andar do prédio antigo, mas bem conservado, legado pelos pais: D. Carolina do lado direito do primeiro andar e o professor Casimiro Meira no lado esquerdo (não se sabe se por ser canhoto…). Os dois irmãos tinham boa convivência, mas cada um em sua casa. Não havia mais vizinhos no prédio.

Ao interrogar D. Carolina soube que na véspera fora o aniversário do professor. Por isso não esperava vê-lo, no domingo, logo pela manhã. Um grupo de ex-alunos e amigos tinham ganho um prémio razoável no Euromilhões e quiseram presentear o Professor com um jantar – numa ocasião em que estavam todos na capital. Nem todos moravam ainda no bairro, e alguns passavam tempo no estrangeiro: como aquele que estivera na Irlanda e voltara havia pouco; ou aqueles de ascendência da Europa Oriental, ou italiana…

O homenageado chegou tarde a casa!... Era natural que não se levantasse cedo… Por outro lado, era um primeiro domingo do mês, dia em que Casimiro fazia a contagem do dinheiro extra: de explicações que dava; de trabalhos de contabilidade de que tomava conta; ou avaliando os empréstimos em atraso. Aqueles que, como lhe dizia Casimiro, não sabia se iria receber…

Ainda não eram 10h00, D. Carolina ia a sair para tomar o primeiro almoço e ir ouvir missa. Casimiro abriu a sua porta e pediu que lhe comprasse a edição de domingo do PÚBLICO. Contava receber algum dinheiro nesse dia e não saía de manhã. Receava que o jornal esgotasse!...

Quando D. Carolina foi comprar o jornal, no outro lado da rua, mais acima, estava um ex-aluno do irmão, que havia muito não via, encostado a um dos lados da entrada da pastelaria, a olhar para o caminho que ela acabava de andar. Só por isso não o cumprimentou; e já lá não estava quando saiu da tabacaria. Não teve dúvida de que era ele, porque a pastelaria ficava mesmo em frente da tabacaria onde ia comprar o jornal. Talvez por isso, ao entregar o jornal ao irmão teve a impressão que este tinha uma visita – sugestionada por ver o ex-aluno perto de casa.

Ao voltar a casa, pelas 16h30 – após o almoço com as suas amigas –, ao encontrar a porta do irmão entreaberta achou estranho e entrou. Deparou com Casimiro sentado à secretária, coberto de sangue, antes de tropeçar na cabeça do homem que estava caído no chão.

Logo que soube do jantar, Prazeres incumbiu o guarda Varela de saber quais os comensais do jantar; e de investigar como haviam passado o domingo. Até à tarde.

Pouco depois a equipa técnica terminava o seu trabalho e retirava-se. Os corpos foram levados para autópsia e o médico legista deu o seu parecer: “O dono da casa, morreu entre as 12h30 e as 15h00; o outro, pelas 13h00, morte quase imediata. Sem muita diferença.” 

Prazeres entrou na divisão que Casimiro tornara num escritório. De bom tamanho, tinha o indispensável: a secretária de frente para a porta e com a ampla janela atrás. Um bar, com um pequeno balcão, a meio da parede à esquerda da porta de entrada, ao lado da porta para o resto da habitação. Na parede à direita, dois “maples” ladeando a mesinha de sala. Junto à secretária a cadeira de braços – onde Casimiro morrera; estantes nas paredes aos lados da janela, bem sortidas de livros. O tampo da secretária não estava sujo de sangue; mas na alcatifa, por baixo do corpo de Casimiro, havia muito sangue empapado. Encontraram-se dedadas com sangue na pega da gaveta do lado esquerdo, mas sem deixarem impressões. Em cima da secretária, no lugar onde esteve a pistola, ficara um resíduo pastoso.

O jornal foi utilizado – havia folhas rasgadas, algumas no cesto dos papéis, amachucadas, manchadas de sangue, tendo servido para limpar objectos e as pegadas no chão. Onde se notavam laivos… Em cima da secretária, que não era muito grande e apenas funcional, os acessórios normais: a pasta tradicional a meio; marcadores e esferográficas no porta-penas e o cesto metálico contendo apreciável correspondência aberta. Fora da secretária apenas um livro, da Planeta Editora, deixado sobre os livros arrumados na estante, dando a ideia de que estivera a ser consultado.

Prazeres deu uma vista de olhos à papeleira. Abriu as gavetas com acessórios habituais. Na gaveta do lado esquerdo havia matrizes de variados jogos conhecidos; uma bisnaga de tinta-da-china; um estojo de desenho tendo o tira-linhas fora do lugar; separada, logo visível quando se abria a gaveta, uma carteira de plástico vazia, de bom tamanho. Duas notas espalmadas, de 10 euros, deixadas, como que esquecidas, ao fundo da gaveta. Na do lado direito, estava um telemóvel e um livro de contabilidade não muito grande, com bastante uso, iniciado antes do século XXI: conforme as datas inscritas e acompanhadas de siglas – os nomes rigorosamente ausentes…

Dentro da pasta, folhas iguais àquela que chamou a atenção do agente, cortadas, de papel cavalinho, tamanho de 1/2 folha A/4. Todas iguais e inteiramente limpas.

Só então reparou que na agenda-bloco, sobre a secretária, havia o esboço imperfeito do quarto desenho – a começar da esquerda para a direita – dos caracteres encontrados na folha branca…

De novo, o agente falou dos estranhos desenhos a D. Carolina, mostrando-lhe o desenho traçado recentemente na agenda. Talvez ela recordasse…

“Não, daquilo nada sabia! O irmão gostava daquelas coisas… Mas notou a falta, na gaveta esquerda da secretária, da arma de defesa que o irmão, tal como o pai, sempre ali guardou!” 

O guarda voltou com o resultado da investigação feita. Estiveram no jantar nove comensais, que tinham combinado para domingo um almoço tardio na Costa da Caparica, visto alguns mostrarem disposição para saldar velhas contas com o Professor. E teria de ser de manhã.

Trouxe o nome de oito homens, presentes no jantar: Álvaro Pedro Pinheiro; António Lobo Miguéis; Paulo Demétrio; Francisco Dias Arcanjo; Gabriel José Nunes; Manuel André Tomás; Rui Antão Ramos; e Tiago Romano da Cruz.

Prazeres veio a saber o resultado do resto dos exames:                                 

Na folha branca e na pistola, apenas impressões digitais do dono da arma – as impressões na pistola, esbatidas e em parte apagadas.

No escritório, só as impressões digitais do dono da casa; e de uma forma geral e indistinta, da pessoa que fazia a limpeza à casa.

Segundo as autópsias, a morte de Casimiro não foi imediata. O golpe foi fatal, mas a morte aconteceu devido à perda de sangue. A outra vítima foi atingido mortalmente na nuca, não à queima-roupa, por uma bala de calibre diferente do calibre da pistola deixada sobre a secretária; não tinha dinheiro consigo, nem quaisquer valores, mas conservara a identificação. Ficara, como se diz, com a cara no chão.   

Quer pela investigação quer pelos interrogatórios, Prazeres estabeleceu uma ligação coerente de todos os dados recolhidos, com o fim de encontrar o culpado. Embora a presença dos símbolos, alguns bem estranhos, o tenham atrapalhado, o agente Prazeres concluiu:

Os seis símbolos designavam seis devedores;

Dois comensais não eram devedores e não foram ao almoço – um passou o domingo com a família e o outro andou numa excursão;

Dois foram pagar ao Professor durante a manhã e esperaram pelos demais no princípio da tarde;

Dois tinham passado mal a noite e avisaram que não deviam ir ao almoço – mas afinal foram: um ainda pagou a sua conta a tempo de ir com os dois para a Caparica; o outro não chegou a pagar ao Professor mas apareceu no restaurante a meio da refeição;

Os dois restantes foram impedidos: o neto de italianos caiu e partiu um pé, o outro encontrou a morte no escritório do Professor. 

Prazeres conta ainda com o testemunho de D. Carolina sobre o indivíduo que julgou ser a visita do irmão.

No entanto, Prazeres hesita, como sempre, na apresentação deste caso. Teme que as provas de quem é o criminoso tardem, pela dificuldade de as explicitar, no receio que o culpado seja um dos que saem do país… Pelo que faz um apelo de urgência aos argutos policiaristas, que nunca o deixaram ficar mal, para que o ajudem a redigir um relatório abrangente, apontando as provas essenciais retiradas destas interrogações:

Qual o móbil que moveu o criminoso? É possível encontrar a boa pista através dos símbolos usados pelo professor? Qual o enigma da bala assassina?

 

SOLUÇÃO

 

 

© DANIEL FALCÃO