PÚBLICO – POLICIÁRIO Publicação: “Público” Coordenação: Luís Pessoa Data: 9 de Julho de 2006 |
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Campeonato Nacional Taça de Portugal 2005-2006 |
CAMPEONATO NACIONAL 2005/2006 PROVA Nº 10 OS ENIGMAS DO HOMEM QUE NÃO EXISTIA… Autor:
M. Constantino
Acorda. Uma dor aguda, tenaz, aperta-lhe a cabeça apoiada em algo duro e frio. Tenta abrir os olhos; as pálpebras mantêm-se cerradas… Rola e senta-se. Abre, enfim, os olhos. Surpreende-se, ao atestar que jazia sobre o empedrado de uma rua estreita, desconhecida! Onde está? Ergue-se, cambaleante. Inconsciente, olha o pulso: horas? Devia ter um relógio! Procura a carteira – nada. No pequeno bolso do colete encontra uma moeda de 5 escudos e dois talões de bilhetes de cinema… Com quem os compartilhara? Não se lembra! Não se lembra, sequer, do seu nome… o próprio nome… Não se recorda de nada desde o momento em que… um véu opaco ergue-se entre ele e o seu passado. Não há momento, não há nome. Simplesmente, não existe! Sente o pânico crescente… Começa a descer a rua até à larga avenida, procurando o contacto com as pessoas. Ninguém se lhe dirige – é como uma sombra! Procura uma esquadra de polícia, mas detém-se. Que diria? O nome que não tinha? Continua ao acaso, agarrado à ténue aragem da sobrevivência, ainda que sinta um enorme desejo de fuga de si mesmo – mas quem é o si mesmo? Sente cansaço. Fraco – um misto de terror e loucura a apertar-lhe o peito. Senta-se num banco de jardim. Um polícia passa, olha-o, encolhe os ombros e segue. Adormece sem dar por isso. Acorda em sobressalto: um bando de garotos esforça-se por lhe tirar o casaco, o colete. Fogem… Recolhe a roupa pisada, suja. A moeda, a sua única fortuna, desaparecera… Desalinhado, volta a vaguear… Caminha, caminha. Os olhos, velados pelas lágrimas, atravessam os vidros das casas de comida. Estaca. Pareceu-lhe reconhecer alguém. Entra de olhos postos no indivíduo, que denuncia pasmo. Diz-lhe: – Parece-me um rosto conhecido! – Faz sentido – respondeu o outro. – Então, pode dizer-me quem sou? – Não. Creio jamais tê-lo visto! – Não sei quem sou… estou perdido. E tomba. O outro ampara-o, senta-o, e dá-lhe a beber um golo de vinho. Sente o calor subir-lhe às faces… Alimenta-se e conta a sua inexplicável odisseia. O homem que o auxilia, um ex-comediante, cuja reputação caíra abruptamente sob suspeita de abuso de menor, marginalizado pela sociedade, compreende. Também ele, de certa forma, perdera o nome. Dá-lhe casa e até nome. – Não tens nome? Eu sou Simão; portanto, tu vais ser Tiago! A casa para onde vão (hipotecada), nos arredores da cidade, é ampla, seguida de um campo largo percorrido por dois dobermans de mandíbulas selvagens, que obedecem, cegamente, ao dono. Simão leva-o a um guarda-roupa, com um espelho, a corpo inteiro, na face da frente da porta, repleto de roupa vária: – Tira esses farrapos, faz a barba, toma um banho e serve-te… O teu quarto é na porta a seguir… Coabitam cerca de um mês, com Simão entregue ao passatempo favorito do rebentamento de bombas que construía (onde iria buscar os explosivos e porquê a passividade dos vizinhos e polícias?). “Tiago” observa, do alto do terraço. Procuraram notícias junto das autoridades competentes. O Inspector Óscar ouviu-os, pouco atento, não desviando o olhar do álbum de pinturas célebres. Passa-os ao Departamento de Pessoas Desaparecidas: Não há registo! Será que não existe mesmo? Mas o destino guia a desgraça e a sorte! A impulsão desastrada de uma brincadeira do amigo fá-lo tombar na escada. Acorda um outro homem! – Onde estou? Quem é o senhor? Eu chamo-me Diogo Vale e habito com o tio Dick na rua…, telefone…! Ninguém atende… “Tiago/Diogo” treme. Simão chama um médico, cujo diagnóstico anima: "Leve contusão, amassado, não fendido; fadiga pós-amnésia regressiva"! Dá-lhe um sedativo e recomenda exames. Recuperado, recorda: o avô vai trabalhar para os Estados Unidos. Ajuda numa loja de velharias. Sem se saber como, dez anos depois, tem 36 anos e meio milhão em obras de arte. A avó morre com a pneumónica, o tio Dick (Ricardo) junta-se ao pai e casa com uma australiana, proprietária de três mil hectares com ovelhas e gado bovino, que irá acumular com o chorudo pecúlio do avô, já que o seu “velho” recusa a aventura americana ou auxílio. Tem 16 anos, está só, de mãos vazias e o cérebro cheio de sonhos, quando o tio o chama. Vai, mas não se adapta. Aos 22 anos, voluntário do Exército norte-americano, é evacuado do Vietname, em 1966. Quatro anos depois, regressa a Portugal. Tudo corre bem. Por combinação com o tio, vai embarcar para a Austrália – ver o que tem e negócios. A noiva pretende acompanhá-lo ao aeroporto. Têm tempo, vão ao cinema. Discutem, zangam-se e separam-se. Vagueia, quando é atacado e roubado. Sabe pelo advogado do tio (dr. Alves), que não conhece bem mas em quem confia, que não notaram o desaparecimento, pois o tio morrera num desastre de viação com o criado, fiel companheiro. A passagem de avião fora utilizada e as bagagens levantadas. Não tem pressa de ir para uma casa vazia. Encarrega o advogado de vários assuntos. Simão apoia, triste, mas por vezes agreste com a próxima partida do amigo. Telefonou ao Inspector Óscar (já o havia feito antes) e promete-lhe mostrar a galeria de pinturas do tio, agora sua, se o levar a casa. Óscar Alvarinto fica ufano e aparece na hora marcada. Sinaliza a sua presença à porta. Diogo aparece na outra entrada e pede-lhe que entre. Vai buscar alguns pertences ao quarto. Ao passar por uma porta aberta, Diogo levanta a mão, saudando… Óscar, que segue ao lado, vê um vulto que retribui, silencioso. – Simão está amuado – comenta, tomando o braço do Inspector. A moradia voltada a leste, uma porta larga com dois degraus, ladeada por duas janelas-portas, gradeadas, destaca-se. O advogado já espera com as chaves… Diogo abre os braços ante a magnífica sala. Por cima de uma falsa lareira, a Mona Lisa destaca-se e anula o valor dos outros quadros expostos. Um piano, flores… Diogo pega no vaso de antúrios vermelhos escarlate e coloca-os no centro da janela. – É o seu lugar! E, voltando-se para o Inspector, que parecia abismado diante do quadro da lareira, comenta: – É fabuloso, mas é uma cópia! Na verdade, em 1911, os possíveis compradores da obra eram levados ao Louvre, onde o negócio era feito e o cliente convidado a marcar as costas do quadro com um sinal secreto para ter a certeza de que era o que lhe seria posteriormente entregue. O quadro desapareceu entretanto. Seis americanos, pelo menos, entre os quais o avô, pagaram 300.000 dólares pelos quadros que haviam assinalado sem dúvida. Quando o quadro regressou ao museu, descobriu-se o logro. Como seria isto feito? Claro que sabe, para um bom polícia não há enigma insolúvel. Também sabe que há uma forma infalível de identificar um Da Vinci. Ora, não será este a verdadeiro Mona Lisa? Deixo-lhe o enigma. Fique à vontade! Dentro de duas horas, parto definitivamente para a Austrália. Cumpro a vontade do tio. Deixo procuração para venda de tudo. O doutor (“Não se esqueça de pagar a hipoteca de Simão; é o menos que posso fazer!”) leva-me daqui para o aeroporto. Na tarde do dia seguinte, dois rapazes descobriram os cães mortos e um corpo desfeito. Óscar Alvarinto só posteriormente tomou conta do caso. De concreto, sabe que os cães foram mortos, cada um com um tiro na cabeça, à queima-roupa. Quanto ao corpo, é um enigma: suicídio ou acidente, já que não vê indícios de crime? O médico legista diz-lhe: – O corpo não tinha braços e a parte frontal do rosto está esfacelada pela explosão da bomba! A única particularidade que encontrei com algum valor, se é que o tem, pois não lhe encontro encaixe, é uma incubação de bilhárzias nos vasos sanguíneos. E ri. – Não testei o que resta da cabeça. Vou tentar reconstituir o rosto; não prometo. Dos membros superiores, bam! A bomba deve ter-lhe rebentado nas mãos… Trinta e dois anos volvidos, chegam-me às mãos todos os apontamentos e relatórios do Inspector Óscar Alvarinto, de quem sou legatário. São histórias fabulosas para contar… Entretanto, nada encontro relacionado com a maneira como foram resolvidos os enigmas expostos. Que pensam, face ao transcrito, os nossos leitores? Façam os vossos relatórios, documentados! |
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© DANIEL FALCÃO |