PÚBLICO – POLICIÁRIO

 

Publicação: “Público”

Coordenação: Luís Pessoa

 

Data: 4 de Junho de 2006

 

Campeonato Nacional

Taça de Portugal

2005-2006

 

Regulamentos

 

Prova nº 1

Prova nº 2

Prova nº 3

Prova nº 4

Prova nº 5

Prova nº 6

Prova nº 7

Prova nº 8

Prova nº 9

Prova nº 10

 

Resultados

 

 

CAMPEONATO NACIONAL 2005/2006

 

PROVA Nº 8

 

ANTÓNIO, ANTONINO, ANTÃO E ANTONIETA

Autor: Paulo

 

O Jerónimo era um bom companheiro, que tratava todos os colegas de trabalho por tu. Jamais esquecerei os anos que compartilhei com ele na Brigada de Homicídios. Até parece que estou a falar de um defunto, o que não é verdade, tratando-se apenas da nostalgia de ver mais um “companheiro de armas” a sair, pedindo a “reforma antecipada” porque já não está para aturar quem manda deste país.

Mas o melhor é deixar as maleitas nacionais e regressar ao Jerónimo, pois é sobre ele este texto. Foram muitos os estagiários sobre quem o Jerónimo teve que elaborar um relatório do seu desempenho, incluindo eu, e o parecer mais ou menos positivo dependia, entre muitos outros factores, de um pequeno caso que ele apresentava como tendo sido resolvido por si, embora fosse nítido que se tratava de um produto da sua imaginação, e querendo que os estagiários também o resolvessem. Para quem falhasse, o mais certo era ser “expulso” dos homicídios.

Embora não tenha a “verve” do Jerónimo, vou tentar reproduzir o texto nos termos em que ele narrava o caso.

“Meu caro, vou contar-te o meu primeiro caso. Já lá vão uns anitos, pelos inícios da década de 70. Foi um caso de morte, numa vivenda, ali para os lados de Mafra. Quando lá chegámos, já levávamos algumas informações que nos tinham sido prestadas pela GNR, via telefone.

Era uma casa onde viviam três irmãos: António, Antonino e Antão.

António era um D. Juan incorrigível, não podendo ver umas saias; Antonino tinha um problema psiquiátrico, diagnosticado por vários médicos, que não lhe permitia mentir, enquanto Antão, apesar de ser seu irmão gémeo, tinha o problema exactamente oposto: mentia sempre.

Fora António quem morrera. Umas pancadas na cabeça, dadas com uma pequena estatueta de pedra, tinham-lhe retirado a vida.

Entrámos na casa pela porta da frente, que dava para um pequeno hall, mobilado com um espelho, uma chapeleira e um cabide para casacos.

Em frente ficava a porta da fatídica sala, enquanto, à direita, um pequeno corredor em forma de L conduzia para as restantes divisões da casa. Quando entrei na sala, apenas lá estava o cadáver, à esquerda. A sala era espaçosa, com uma lareira ao fundo, um móvel-vitrina, de tamanho quase gigantesco, que se dividia em duas partes: uma parte servia de bar e outra armazenava louça de vidro. No centro da sala havia uma mesa baixa, com tampo de mármore, rodeada por um sofá grande e dois mais pequenos, todos de couro castanho.

À esquerda encontrava-se a porta fechada para a cozinha e um móvel que eu não consigo definir, onde pousavam algumas estatuetas. Era uma delas, cheia de sangue, que se encontrava caída junto da cabeça do cadáver.

Do lado direito, além da porta que dava acesso ao corredor e às escadas de acesso ao andar de cima, havia alguns quadros com paisagens pintadas a óleo.

Dei uma volta geral pela sala, observando todos os quadros e objectos, e finalmente dirigi-me para junto do cadáver. Encontrava-se vestido com camisola cinzenta sobre uma camisa branca, calças cinzentas e sapatos pretos bem engraxados.

Debrucei-me sobre o corpo, afastei-lhe a cabeça da porta, onde ficou algum sangue coagulado, e pude verificar que na zona da nuca não havia ferimentos, sendo estes apenas na fronte e na zona parietal.

Depois de mais uma ligeira vistoria pela sala, impecavelmente limpa de pó, resolvi começar com os interrogatórios e saí do compartimento. Facilmente encontrei os dois gémeos, com ar abatido, sentados numa pequena saleta com aspecto de escritório e biblioteca.

Depois de me apresentar, perguntei a um deles, que estava vestido com uma camisola verde-escura.

– Diga-me o seu nome?

Ele resmungou qualquer coisa que eu não percebi, pelo que perguntei ao outro, que estava vestido com camisola azul.

– Como é que ele disse que se chamava?

– Ele disse que se chamava Antonino.

Satisfeito com a resposta, perguntei ao primeiro.

– O que é que esteve a fazer durante a manhã?

– Eu levantei-me tarde, não sei que horas eram. Hoje não tomei o pequeno-almoço, ficando pelo meu quarto a arrumar alguns documentos relativos a umas aplicações financeiras. O resto já sabe. Foi o meu irmão que apareceu a contar-me da desgraça que aconteceu. Se calhar foi ele. Eles os dois não se entendiam e fartavam-se de discutir.

Achei que já chegava para ter umas primeiras ideias sobre o que ele fizera e coloquei a mesma questão ao segundo.

– Eu, depois do pequeno-almoço, onde estivemos todos, fiquei ali na esquina do corredor sentado a meditar no que deveria fazer, dado que tenho tido muitos conflitos com este meu irmão. Estive a pensar se deveria sair desta casa. Vi este meu irmão subir as escadas e pouco depois, pelas nove horas, o António entrar na sala e fechar a porta. A outra porta, que dá para ao hall, também estava fechada. Como as portas são antigas e grossas, não se ouve nada do que se lá passa. Mais tarde, a Antonieta saiu da sala a dizer que o meu irmão estava morto.

Pedi-lhe que me levasse ao local onde estivera sentado. Na esquina do corredor, lá estava uma senhorinha. Sentei-me olhando as duas portas da sala.

Somando as informações que recebera da GNR, já tinha o quadro completo. Antonieta, a empregada doméstica, que desde que chegara, pelas oito e meia, estivera a arrumar a cozinha, encontrara o corpo quando entrou na sala para fazer a limpeza; fora procurar os irmãos e estes tinham chamado a GNR, que por sua vez contactara a Judiciária.”

 Era assim que o Jerónimo contava o caso, para rematar de seguida com uma pergunta.

– Quem matou o António?

Eu descobri, muitos colegas meus descobriram e todos os leitores também irão descobrir.

Indiquem quem foi e justifiquem muito bem a resposta, pois o Jerónimo também não aceitava palpites.

 

SOLUÇÃO

 

 

© DANIEL FALCÃO