PÚBLICO – POLICIÁRIO

 

Publicação: “Público”

Coordenação: Luís Pessoa

 

Data: 18 de Junho de 2006

 

Campeonato Nacional

Taça de Portugal

2005-2006

 

Regulamentos

 

Prova nº 1

Prova nº 2

Prova nº 3

Prova nº 4

Prova nº 5

Prova nº 6

Prova nº 7

Prova nº 8

Prova nº 9

Prova nº 10

 

Resultados

 

 

CAMPEONATO NACIONAL 2005/2006

 

SOLUÇÃO DA PROVA Nº 6

 

ESTRANHA MENSAGEM

Autor: Daniel Falcão

 

Por vezes sabe bem recordar casos que tivemos de deslindar há já vários anos. Este caso, que decidi intitular “Estranha Mensagem”, ocorreu uns bons vinte anos atrás. Aproveitei para proporcionar uma pista que permitisse aos amigos policiaristas chegar a esta conclusão. Será que os mais novos já tinham ouvido falar no processador de texto Wordstar? Naquela época, já longínqua para alguns, ainda não existia o Microsoft Word (o Word até já havia, só que ainda não tinha sido comprado pela Microsoft) e o Wordstar era o último grito em processamento de texto. Velhos tempos!

Foi por esta época, meados dos anos 80, que as tradicionais máquinas de escrever foram, paulatinamente, sendo substituídas pelos computadores. Ainda se lembram?

(…)

O caso acabou por ser de simples resolução. O Rui Mendonça abriu a porta do escritório, espreitou e viu o corpo do tio deitado no chão. Assustou-se, correu para as traseiras e avisou a prima. Telefonaram para a polícia e, depois, a campainha tocou. Abriram a porta, depararam-se com o jovem estudante e pediram-lhe que não saísse enquanto não chegasse a polícia.

O jovem estudante é o único que refere a morte do António Mendonça. Como sabia ele: seria porque o assassinara ou porque algum dos primos o referira? Mas antes do regresso do jovem, já os primos tinham chamado a polícia. Porque sabiam que o tio estava morto. Mas como sabiam?

Quando cheguei ao local do crime, encostado na ombreira da porta, consegui ver as pernas da vítima. Apenas tive oportunidade de observar o ferimento fatal na cabeça da vítima quando, depois de entrar, me encostei no parapeito da janela. Ora, se o sobrinho apenas espreitou, como diz, o que o levou a concluir que o tio estava morto?

O sobrinho estava a mentir! Ele bateu à porta do escritório, abriu-a, viu as pernas do tio e, em vez de ir imediatamente chamar a prima, como refere, entrou, confirmou a morte e… fechou a janela que estaria aberta! Saiu do escritório, a correr, e foi avisar a prima. A morte do António Mendonça foi por ele comunicada à prima, assim como ao jovem estudante quando este apareceu.

Quem assassinou António Mendonça? Nenhum dos três! Os testes laboratoriais, ao não detectarem nada de relevante nos suspeitos, nomeadamente nas suas roupas, ilibam-nos quanto a serem os autores do disparo fatal. No escritório não havia nada de interessante a registar, incluindo qualquer cheiro a pólvora, pois o disparo fatal foi dado a partir do exterior, através da janela aberta, por alguém com mais de 1,70 m de altura (os três suspeitos são de baixa estatura).

Os meus amigos policiaristas já perceberam como tudo se passou, não é verdade? Estamos perante um crime encomendado. Rui Mendonça contratou alguém para assassinar o tio. O homicídio devia ser cometido entre as 17h05 e as 17h10, período em que o tio estaria sozinho. Enquanto o jovem formador sairia às 17 horas, Rui Mendonça encarregar-se-ia de atrasar a prima, convidando-a para um lanche. Depois das 17 horas, o assassino contratado bate na janela para chamar a atenção da sua vítima. António Mendonça aproxima-se da janela, abre-a, e quando se apercebe que o desconhecido lhe aponta uma arma, esboça um gesto como se pretendesse parar a bala com a mão. Por isso, a bala atravessa a palma da mão antes de se alojar na cabeça. Perto das 17h15, Rui Mendonça entra em casa, enquanto a prima leva o cão para as traseiras, dirige-se ao escritório, confirma a morte do tio e depara com o assassino que, pelos vistos, simpatizara com a estatueta que devia estar sobre a secretária. Rui Mendonça entrega-lhe a estatueta e fecha a janela. O assassino leva com ele a arma do crime e deixa, perto da janela, algumas marcas de botas e flores partidas. O resto já todos sabem!

Ah! Falta descodificar a estranha mensagem! Mas, antes, tenho de vos dizer primeiro aquilo que o cão não permitiu que o jovem dissesse. António Mendonça não se tinha esquecido que o original, exemplar único, do seu romance anterior, lhe tinha sido roubado. Decidira substituir a sua velha companheira de tantas aventuras e de muitos anos, a máquina de escrever que até ali usara, pela novidade tecnológica do momento (lembrem-se que estamos em meados da década de 1980 do século passado). Decidiu, talvez por questões de segurança – “gato escaldado de água fria tem medo – ou em memória da velha companheira, começar a escrever o seu novo romance continuando a recorrer ao velho teclado “HCESAR”, mas batendo (talvez de olhos fechados!) no novo teclado “QWERTY” do seu computador. Além da formação em Wordstar, decidira encomendar ao jovem estudante o “desenvolvimento de um programa para substituir as letras do texto pelas que se encontram nas posições correspondentes no teclado HCESAR”. Por exemplo, querendo escrever a palavra “CESAR” premiria as posições correspondentes e apareceria “WERTY”. O programa partindo de “WERTY” chegaria a “CESAR”.

A mensagem resultou de António Mendonça ter premido “I” por estar na posição do “P”, ter premido “U” por estar na posição do “O” e assim sucessivamente. Substituindo as letras aparece o texto “PODERIA TER SIDO UMA SEMANA COMO OUTRA QUALQUER”.

Afinal, a estranha mensagem não tinha qualquer relação com a investigação em curso. Devia tratar-se simplesmente do início do seu novo romance ou de qualquer texto experimental. António Mendonça estaria a escrever este texto quando foi interrompido pelas batidas na janela.

O móbil do crime está bem à vista. Rui Mendonça, naturalmente envolvido no desaparecimento do romance do tio, precisava que ele morresse para poder apresentá-lo como seu. Passados uns meses, viria o reconhecimento de que ele se achava merecedor!

 

 

© DANIEL FALCÃO