PÚBLICO – POLICIÁRIO Publicação: “Público” Coordenação: Luís Pessoa Data: 28 de Janeiro de 2007 |
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Campeonato Nacional Taça de Portugal 2006-2007 |
CAMPEONATO NACIONAL 2006/2007 PROVA Nº 3 TEMPICOS DE RASTOS… Autor:
A. Raposo
Na sua longa actuação na “Judite”, Tempicos prendeu muita gente. Muito mariola. Alguns por longos e penosos períodos. Prisão que não redimiu os meliantes. Que não lhes deu horizontes nem futuro. Essa prisão não ajudou ninguém. Somente tornou os meliantes mais meliantes e rancorosos. Tempicos sabia isso, mas não gostava de pensar que era ele que iria mudar o mundo. Chegara o momento em que o mundo do crime desejava ajustar contas com Tempicos. O Sindicato do crime reuniu-se e os sete magníficos decidiram. Os longos anos de prisão sofridos por muita gente iriam ser, agora, vingados. Foi decidido o castigo. Tinha que ser o mais doloroso possível. No mundo do crime, a globalização também já chegara. O Brasil dera a sua contribuição, tendo no topo da hierarquia dois dos seus mais destacados elementos, conhecedores das prisões portuguesas; eram o Xico Surucucu e o Toto Tijuca. A eles juntaram-se mais cinco portugueses de gema: João Falcão, Zé Camaleão, Quim Mula, Manuel Lagarto de Alvalade, Toino Maçacoto. Um deles – não se sabia quem – fora encarregado de executar o trabalho. Teria que deixar Tempicos em sofrimento por longo tempo. O mais longo e doloroso possível. Tão longo como os anos de prisão que suscitou. O processo era simples. Um tiro em cada joelho de forma a não dar qualquer hipótese de fuga. Aproveitaram o dia de folga da empregada de Tempicos, um dia por semana, sempre à quinta-feira. Tempicos tivera a companhia de Kátia Vanessa, a filha da falecida Nelinha, que se finara no Museu do Teatro em Maio passado, acontecimento que veio publicado na imprensa cor-de-rosa e noticiado por essa Europa fora. Porém, a maldosa influência dos outros padrinhos da menina (Onaírda, Nove e Zé-Viseu) levou a que ela fugisse de casa para lugar incerto, mas provável, que se calcula seja a adega de um dos padrinhos. Agora Tempicos estava sozinho e muito mais vulnerável. Apanharam-no à secretária, onde gastava longos períodos a escrever histórias policiais que nunca editara. O executor só teve que acertar com toda a precisão um tiro em cada joelho. Era a dose recomendada. Sentado estava e sentado ficou, a sangrar. O telefone foi-lhe retirado. A vivenda, onde habitava sozinho, ficava num bairro selecto, no Restelo, em Lisboa, onde raros vizinhos passavam a pé. Tempicos ficara com os joelhos em mau estado, com um tiro em cada um. Foi como se lhe cortassem as pernas. Pedir ajuda não seria fácil. Deslocação, só rastejando – pensou – e usando os braços como força motriz. As dores não seriam pêra doce! As balas foram certeiras e as pernas ficaram pendentes sem forças e a sangrar. O meliante não demorou dois minutos a terminar o trabalho. Era um especialista competente na sua área. Como entrara saíra fechando a porta no trinco e levando o telefone móvel. O único existente na casa. Tempicos sabia que podia morrer; essa seria a hipótese mais provável. Rapidamente resolveu reagir. Conseguiu rasgar uma parte da camisa e adaptar um garrote a cada joelho. Assim a perda de sangue minimizava-se e poderia pensar o que fazer a seguir. Pensou nos seus antigos camaradas da Judite, ainda no activo. Pensou que – na brincadeira – enviava regularmente aos seus colegas enigmas para solucionarem. Que eles aceitavam e resolviam em conjunto. Queria deixar para os seus colegas da Judite o nome do seu algoz, dissimulando a informação no texto, aparentemente inócuo, para quem o lesse – incluindo o meliante! Quem sabe se ele voltaria para acabar o trabalho? Foi isso que Tempicos resolveu fazer. O bloco que tinha sempre na secretária serviu perfeitamente. Pegou na caneta e escreveu: MINHA POESIA NÃO É PROVÁVEL SOBREVIVA Á MINHA MORTE! PORÉM, MINHA FAMA SERÁ! A MINHA GRANDE OBRA POLICIARIA DEIXOU-ME AGORA DUM JEITO ASSIM MORIBUNDO RASTEJANTE! Depois, atirou-se assim a trouxe-mouxe para o chão onde ficou com dores redobradas mas arrastou-se imediatamente para junto à sua mesa baixa, no meio da sala, decorada com várias estatuetas tipo “arte nova”, de bronze. Usou-as para, regularmente, ir atirando às vidraças das janelas da sala. A esperança estava em que alguém que passasse na rua pudesse ouvir. As estatuetas foram partindo – regularmente – as vidraças todas, uma a uma. Mas as forças iam faltando e a ajuda não surgia. A perda de sangue aumentava com o esforço. Será que Tempicos se salvaria ou será desta que iria de vez para os anjinhos? Isso nós, agora, não poderemos saber, nem é esse o enigma que será necessário descobrir e resolver. O nome do meliante esse é que será o objectivo da investigação. Esse é que é preciso que seja acusado, pois não se faz uma maldade destas ao nosso amigo Tempicos. Seria imperdoável! Podemos fazer a pergunta: quem disparou nos joelhos de Tempicos? |
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© DANIEL FALCÃO |