PÚBLICO – POLICIÁRIO

 

Publicação: “Público”

Coordenação: Luís Pessoa

 

Data: 22 de Abril de 2007

 

Campeonato Nacional

Taça de Portugal

2006-2007

 

Regulamentos

 

Prova nº 1

Prova nº 2

Prova nº 3

Prova nº 4

Prova nº 5

Prova nº 6

Prova nº 7

Prova nº 8

 

Resultados

 

 

CAMPEONATO NACIONAL 2006/2007

 

PROVA Nº 6

 

A ESTATUETA DE PEDRA

Autor: Búfalos Associados

 

Não nos perguntem como é que esta carta, assinada por Nelinha da Purificação, que nunca terá sido enviada, nos chegou às mãos. É segredo que não podemos revelar. Mas, em face da morte violenta da sua autora, ocorrida durante o convívio a que ela alude na parte final do texto, obtivemos, de sua filha, licença para a divulgar. Só que parece que também ela está cheia de erros e incorrecções. Querem os nossos detectives ajudar-nos a detectá-los?

 

“Aos polícias de Domingo:

Aqui há tempos um portuguesinho valente que dá pelo nome de Tempicos, revelou nas páginas do PÚBLICO factos relacionados com uma viagem que os dois, há anos, fizemos a Paris. Como toda a gente viu, esse relato estava cheio de incorrecções que em nada abonavam a favor da imagem do seu autor. Mas adiante…

Nessa malfadada viagem que fiz a Paris em 1972, acompanhada pelo tal “Poirot de bolso”, houve um acontecimento que ele se absteve de relatar. Naquela época, a vigilância nos museus não era comparável com a de hoje. Câmaras de vídeo era coisa que não existia. Podia passear-se à vontade por entre as obras de arte e quase tocar nelas, se o vigilante estivesse distraído ou ausente. Foi numa dessas ocasiões que, no museu do Louvre e na zona da arte fenícia, o nosso Tempicos teve um arrobo amoroso que o fez agarrar-se a mim, de tal forma que eu não pude evitar encostar-me a uma vitrina onde se encontrava uma estatueta de pedra que representava um passaroco de bico adunco. Com o impacto a vitrina abriu-se e a estatueta ficou, de repente, ao alcance das nossas mãos. Ele olhou em volta, não se encontrava ninguém à vista, nem sequer o vigilante. E, como diz a sabedoria popular, a ocasião faz o ladrão. Rapidamente a estatueta, que não era muito grande, passou para o interior do blusão do meu acompanhante. Saímos rapidamente do museu, o coração parecia saltar-me do peito, mas a realidade é que ninguém nos cortou a marcha e fomos pôr a salvo a estatueta no quarto do hotel de quinta ordem onde dormíamos na Rue St. André des Arts, ali bem pertinho do Louvre.

O Tempicos, como manifestação do que ele dizia ser o seu amor por mim, ofereceu-me a estatueta. Nunca cheguei a saber o seu valor, mas as notícias que no dia seguinte saíram nos jornais franceses falavam de um valor incalculável e atribuíam o golpe a um gang certamente bem organizado.

O Tempicos assegurava-me que aquele era o célebre Falcão de Malta que dera origem ao famoso romance com o mesmo nome que a colecção Vampiro há muitos anos publicou com o número 43. Mas eu, embora loira, não sou assim tão burra e lembro-me muito bem de ter lido o livro e de saber que o falcão de que ele fala não era uma estatueta de pedra, mas sim de ouro, revestida de pedras preciosas e mais tarde coberta com uma camada de esmalte negro para disfarçar o seu alto valor. Além disso, nunca poderia tratar-se de uma obra proveniente da zona do Mediterrâneo, mas sim de um exemplar de arte hispano-americana, encontrada em Malta, na província de Paraíba, no Norte do Brasil. Pelo menos, foi assim que a descreveu o autor do romance, Raymond Chandler.

Ainda hoje desconfio que aquela generosa oferta foi apenas um pretexto para ser eu a portadora da preciosidade ao passarmos a fronteira, pois nessa época a alfândega era bastante rigorosa. A verdade é que, uns tempos depois, já em Portugal, numa noite em que o Tempicos foi dormir a minha casa, de manhã, quando acordei, a estatueta tinha desaparecido, bem como o patife.

Já quase me tinha esquecido do assunto, quando um dia, ao folhear uma dessas revistas cor-de-rosa, a minha alma quase me caía aos pés. No meio de dezenas de fotos de casais com sorrisos parvos, lá estava uma série de fotos em casa de um escritor de sucesso. Entre elas havia uma que o mostrava na sua secretária onde, entre diversos objectos, os meus olhos vidraram na imagem da estatueta tão minha conhecida. Não podia haver dúvida. Era o passaroco de pedra que me tinha sido oferecido em Paris e roubado em Lisboa pelo Tempicos. Provavelmente o policiazeco havia vendido o valioso objecto a um qualquer comerciante de velharias e o tal escritor de sucesso tê-lo-ia comprado.

Não descansei enquanto não tratei de recuperar a estatueta. E confesso que foi um desafio às minhas capacidades de sedução. Consegui localizar o escritor. Morava com dois sobrinhos numa moradia nos arredores de Lisboa. Através de um amigo comum de nome Falcão (que coincidência…) fiz-me amiga de um sobrinho e depressa percebi que ele nutria um enorme ciúme pela carreira do tio. Ao fim de algum tempo já éramos íntimos e incuti-lhe aos poucos a ideia de se ver livre dele. A mim o que me interessava era a estatueta que vi no escritório do afamado escritor. Só que tirá-la de lá era demasiado arriscado.

Foi então que entrou em cena outra personagem. Na festa da passagem do milénio travei conhecimento com um jovem que se dedicava a serviços pouco limpos, entre os quais a eliminação de pessoas indesejáveis a troco de alguns patacos. Tinha um metro e noventa de altura, usava sempre botas cardadas e dava pelo nome de “Meiguinho”.

O plano foi minuciosamente urdido entre mim, ele e o sobrinho do escritor. E o “negócio” consumou-se conforme o combinado. Atraindo o escritor à janela do rés-do-chão, não estando mais ninguém em casa, o “Meiguinho” despachou-o com um tiro certeiro. Nunca chegou a descobrir-se o autor do crime e a estatueta voltou às minhas mãos, pois fazia parte do pagamento aprazado com o sobrinho do escritor. A hora combinada para o “serviço” era entre as cinco e as cinco e um quarto da tarde. Contou-me o “Meiguinho” que o sobrinho do morto se atrasara um pouco para lhe entregar a estatueta, última prestação do pagamento. Mas por fim o jovem lá chegou e a operação concluiu-se.

A vivenda onde o escritor habitava ficava perto da Praia do Magoito e, por razões de segurança, eu não tinha acompanhado o “Meiguinho” na fase final da missão. Depois de o ter deixado perto da casa, fui esperar por ele com o meu carro na Praia da Aguda, perto de Fontanelas, onde viria ter comigo quando tudo estivesse acabado. A Praia do Magoito liga com a da Aguda, que lhe fica a norte, e só quando a maré está vazia é possível passar a pé pelo areal de uma para a outra. Estava uma noite clara de plena lua cheia e pela areia molhada o caminho não tinha dificuldades, havendo cerca de 2 quilómetros a percorrer. Não tive de esperar muito. Pouco passava das três da manhã, quando o “Meiguinho” me apareceu subindo as escadas que servem de acesso à Praia da Aguda com a notícia de que o “trabalhinho” acabara de ser feito e entregando-me a desejada estatueta de pedra.

Agora que tenho o “bicho” em meu poder só penso em vingar-me de todas as amarguras por que esse famigerado Tempicos me fez passar. No próximo dia 24 de Maio, um domingo, tenciono ir até ao Museu Nacional de Teatro, em Lisboa, onde terá lugar o 2º Convívio da Tertúlia Policiária da Liberdade. Ele estará lá certamente e eu poderei, com escândalo público, denunciar as patifarias que esse traidor me fez ao longo dos anos. E vou levar comigo a estatueta para o caso de ter que lhe dar com ela na cabeça.”

 

SOLUÇÃO

 

 

© DANIEL FALCÃO